Senhoritos e senhoritas,
Estamos de mudança! O blog está sendo transferido para a plataforma do Wordpress. Aguardo vocês lá. É só ir para www.literarizando.wordpress.com .
Beijinhos!
26.2.09
25.2.09
Uma pausa para dicas de leitura
Olá, foliões arrebentados de tanto pular e não-foliões preguiçosos de tanto descansar!
Hoje não vou deixar nenhum post sobre conteúdo... teremos muito tempo para isso. O que vim deixar aqui são duas dicas de leitura, essas sim, relacionadas com o que discutimos até agora.
A primeira é um livrinho muito interessante chamado "Literatura Brasileira - Modos de Usar", de Luís Augusto Fischer. É um livro de bolso, que faz um panorama geral da nossa literatura e suas principais obras sem o viés historicista que o estudo escolar nos obriga a fazer. Fischer conseguiu fazer nele uma série relações que eu adoraria poder fazer em sala de aula, mas que o sistema escolar como é concebido hoje não me permite. Ele focaliza a nossa produção literária através dos temas, dos gêneros, da relação de (in)dependência da literatura européia e uma série de outras excelentes sacadas.
O outro material é o livro "Novo Mundo - As cartas que batizaram a América". O livro traz as cartas de Américo Vespúcio (e as atribuídas a ele, documentos talvez até mais importante para o imaginário coletivo sobre a América - e o Brasil, principalmente, - do que aqueles historicamente legitimados como sendo suas produções), apresentadas pelo historiador Eduardo Bueno. As notas de apresentação de Eduardo Bueno são interessantíssimas, muito didáticas e - principalmente - deliciosamente bem escritas. Elas nos dão uma dimensão muito clara da dimensão obtida pelos textos de Vespúcio. Em outra ocasião eu vou escrever aqui um pouquinho sobre a Novus Mundus, da qual já lemos um trecho, e não sinto a mínima vergonha de dizer que tudo que aprendi sobre ela veio desse livro.
Ah e não, não estou ganhando comissão para fazer propaganda nenhuma não. É vício de ler mesmo. E vontade de querer alastrar esse vício por aí.
Bom regresso às aulas amanhã!
Beijinhos!!
Hoje não vou deixar nenhum post sobre conteúdo... teremos muito tempo para isso. O que vim deixar aqui são duas dicas de leitura, essas sim, relacionadas com o que discutimos até agora.
A primeira é um livrinho muito interessante chamado "Literatura Brasileira - Modos de Usar", de Luís Augusto Fischer. É um livro de bolso, que faz um panorama geral da nossa literatura e suas principais obras sem o viés historicista que o estudo escolar nos obriga a fazer. Fischer conseguiu fazer nele uma série relações que eu adoraria poder fazer em sala de aula, mas que o sistema escolar como é concebido hoje não me permite. Ele focaliza a nossa produção literária através dos temas, dos gêneros, da relação de (in)dependência da literatura européia e uma série de outras excelentes sacadas.
O outro material é o livro "Novo Mundo - As cartas que batizaram a América". O livro traz as cartas de Américo Vespúcio (e as atribuídas a ele, documentos talvez até mais importante para o imaginário coletivo sobre a América - e o Brasil, principalmente, - do que aqueles historicamente legitimados como sendo suas produções), apresentadas pelo historiador Eduardo Bueno. As notas de apresentação de Eduardo Bueno são interessantíssimas, muito didáticas e - principalmente - deliciosamente bem escritas. Elas nos dão uma dimensão muito clara da dimensão obtida pelos textos de Vespúcio. Em outra ocasião eu vou escrever aqui um pouquinho sobre a Novus Mundus, da qual já lemos um trecho, e não sinto a mínima vergonha de dizer que tudo que aprendi sobre ela veio desse livro.
Ah e não, não estou ganhando comissão para fazer propaganda nenhuma não. É vício de ler mesmo. E vontade de querer alastrar esse vício por aí.
Bom regresso às aulas amanhã!
Beijinhos!!
20.2.09
Quinhentismo - Olhares estrangeiros
Olá, foliões! E não-foliões também, claro!
Eu, aqui, no Carnaval? Claro! Não, não porque eu sou viciada demais em trabalhar. Mas é porque eu adoro carnaval... pra descansar. Juro que apesar de achar uma orquestra de frevo, um caboclo de lança e a batida do maracatu de baque-virado coisas absurdamente emocionantes, até hoje não consegui muito bem processar porque é que ao ver essas coisas nesses quatro dias do ano as pessoas são tomadas por uma crise de euforia súbita. E sim, eu já provei para dizer que não gostei. Mas gosto é gosto, coisa que se discute, mas, principalmente, respeita.
Então deixa eu aproveitar esse tempinho para dar uma atualizada aqui no nosso espaço. O bom é que dá para postar hoje e adiantar uns dois posts na próxima semana. Quem puder vir aqui vai ficar mais que por dentro quando as aulas recomeçarem!
Nesta semana começamos a conversar sobre o Quinhentismo, esse período de produção escrita relativo ao século XVI. Eu, particularmente, tenho uma grande resistência em me referir a ele como um período de produção literária. É que a palavra literária, aqui, tem que ser usada num sentido amplo, como conjunto de obras de uma época (no caso do Quinhentismo brasileiro nem de um país é, já que escreveram muitos estrangeiros de nacionalidades diferentes escreveram sobre nós). Aí, se usarmos a palavra literatura para nos referirmos a ele alguém pode achar que se fala da arte literária. E não é bem isso que aconteceu aqui nos anos quinhentos.
Como vocês perceberam quando leram os excertos dos textos de Pero de Magalhães Gândavo, Pero Vaz de Caminha, Pe. Manuel da Nóbrega e Américo Vespúcio, o principal objetivo da maioria dos textos produzidos nessa época era relatar as viagens ao novo mundo e informar como era a terra e como eram as pessoas encontradas aqui. Não há a preocupação em se conformar, nessas obras, um discurso artístico. Isto não significa, entretanto, que não haja uma preocupação com a linguagem. Só que essa linguagem não tem a intenção de ser artística, mas sim de ser adequada ao relato oficial para um rei ou superior (a maior parte dos textos tinham como destinatário as autoridades da época e muitos deles eram sigilosos, para que não se revelassem as riquezas que poderiam ser cobiçadas pelas nações rivais).
Assumidas então como obras informativas, então, é preciso julgar delas mais o seu conteúdo do que sua expressividade - embora alguns textos tenham um estilo muito peculiar e mereçam receber atenção pelo mérito pessoal de seus autores. E nesse campo do conteúdo, vale salientar dois elementos: o ponto de vista e a verossimilhança.
Produzidos numa perspectiva cultural eurocêntrica, a literatura de informação - os tratados, as cartas, os documentos escritos no Brasil durante o século XVI - pode ser simpática ao Brasil ou assinalar uma profunda crítica ao que se encontrava aqui. A quem se encontrava aqui, para ser mais precisa. A beleza e o exotismo de nossos bens naturais era um consenso entre os cronistas da época. Todos mencionavam a extensão das matas, a diversidade de espécimes animais e vegetais que aqui existiam, os sabores das frutas típicas, o clima - elementos que faziam do lugar um paraíso terreal, quase o Jardim do Éden (daí se falar em um ponto de vista edênico sobre o Brasil). Entretanto, no quesito gente, os textos acabaram sendo mais polêmicos.
Enquanto Portugal não tinha grandes interesses econômicos no Brasil, o que se deu até meados de 1535, os índios e sua cultura foram freqüentemente apresentados como uma população exótica, diferente, mas, ao mesmo tempo, de boa índole, inocente e bela. O costume de andarem nus, repetidamente mencionado nos textos da época, não foi julgado negativamente nos primeiros contatos. O próprio Caminha, na Carta do Achamento, afirma que há nessa atitude dos gentios uma profunda inocência, pois eles mostravam o corpo como quem mostra o rosto.
Aliás, encontrar povos que tinham na nudez uma prática cultural comum, sem qualquer inferência erótica, não foi uma novidade para os portugueses, que já havia muito tempo se relacionavam com as mais diversas etnias africanas - e já exploravam desde esse muito o tráfico de escravos. Embora ainda fosse motivo de estranheza, não era exatamente novidade para os lusos a existência de povos que andavam nus. O que assinalava para eles, naquele momento, é que esses povos - os africanos e os silvícolas - eram atrasados e, portanto, inferiores. Como não havia conflitos de interesses entre índios e portugueses, esse caráter "inferior" ficou implícito e não recebeu maiores considerações.
Quanto, porém, os portugueses passaram a ter profundos interesses econômicos no Brasil e a investir em sua colonização (caso o contrário a França - que não reconhecia a legitimidade do Tratado de Tordesilhas - tomaria o território e suas riquezas), a relação com os indígenas mudou - e o que se escreveu sobre eles também. Povos que mantiveram alianças com os portugueses por quase meio século foram traídos e passaram a ser escravizados. Outros, que já tinham alianças com outros povos europeus (os franceses, principalmente) reforçaram seus combates aos colonizadores. Sem igualdade de condições contra as armas de fogo dos exércitos lusos, os índios foram decaindo, mortos em combate ou em virtude das doenças trazidas pelo homem branco (contra as quais não tinham anticorpos) e da fome (com a perda de homens para a escravidão e com outros tantos direcionados para a guerra, as lavouras iam perdendo seus cultivadores).
Mudando-se a relação com os indígenas, de cooperativa para de rivalidade, a imagem que ele tinha nos escritos também mudou. A organização social, os hábitos, a cultura foram duramente criticados e o índio gentil, inocente e prestativo se tornou violento, libertino e preguiçoso. A suposta ausência de religião e a antropofagia se tornaram os clichês mais constantes na construção de uma imagem de criatura perigosa, que deveria ser "civilizada" - pelo bem ou pela força.
Neste processo de tornar o índio civilizado foi particularmente importante a ação dos padres jesuítas - membros da Companhia de Jesus, ordem missionário responsável pela catequização dos povos encontradas na África e na América do Sul. Entre os muito recursos que eles utilizaram um, muito importante, foi a chamada literatura de catequese. Mas isso são cenas dos próximos capítulos.
Por hoje, fiquem com Deus, aproveitem os quatro dias para pular ou descansar. E juízo, ouviram? Beijinhos e sejam felizes!
Eu, aqui, no Carnaval? Claro! Não, não porque eu sou viciada demais em trabalhar. Mas é porque eu adoro carnaval... pra descansar. Juro que apesar de achar uma orquestra de frevo, um caboclo de lança e a batida do maracatu de baque-virado coisas absurdamente emocionantes, até hoje não consegui muito bem processar porque é que ao ver essas coisas nesses quatro dias do ano as pessoas são tomadas por uma crise de euforia súbita. E sim, eu já provei para dizer que não gostei. Mas gosto é gosto, coisa que se discute, mas, principalmente, respeita.
Então deixa eu aproveitar esse tempinho para dar uma atualizada aqui no nosso espaço. O bom é que dá para postar hoje e adiantar uns dois posts na próxima semana. Quem puder vir aqui vai ficar mais que por dentro quando as aulas recomeçarem!
Nesta semana começamos a conversar sobre o Quinhentismo, esse período de produção escrita relativo ao século XVI. Eu, particularmente, tenho uma grande resistência em me referir a ele como um período de produção literária. É que a palavra literária, aqui, tem que ser usada num sentido amplo, como conjunto de obras de uma época (no caso do Quinhentismo brasileiro nem de um país é, já que escreveram muitos estrangeiros de nacionalidades diferentes escreveram sobre nós). Aí, se usarmos a palavra literatura para nos referirmos a ele alguém pode achar que se fala da arte literária. E não é bem isso que aconteceu aqui nos anos quinhentos.
Como vocês perceberam quando leram os excertos dos textos de Pero de Magalhães Gândavo, Pero Vaz de Caminha, Pe. Manuel da Nóbrega e Américo Vespúcio, o principal objetivo da maioria dos textos produzidos nessa época era relatar as viagens ao novo mundo e informar como era a terra e como eram as pessoas encontradas aqui. Não há a preocupação em se conformar, nessas obras, um discurso artístico. Isto não significa, entretanto, que não haja uma preocupação com a linguagem. Só que essa linguagem não tem a intenção de ser artística, mas sim de ser adequada ao relato oficial para um rei ou superior (a maior parte dos textos tinham como destinatário as autoridades da época e muitos deles eram sigilosos, para que não se revelassem as riquezas que poderiam ser cobiçadas pelas nações rivais).
Assumidas então como obras informativas, então, é preciso julgar delas mais o seu conteúdo do que sua expressividade - embora alguns textos tenham um estilo muito peculiar e mereçam receber atenção pelo mérito pessoal de seus autores. E nesse campo do conteúdo, vale salientar dois elementos: o ponto de vista e a verossimilhança.
Produzidos numa perspectiva cultural eurocêntrica, a literatura de informação - os tratados, as cartas, os documentos escritos no Brasil durante o século XVI - pode ser simpática ao Brasil ou assinalar uma profunda crítica ao que se encontrava aqui. A quem se encontrava aqui, para ser mais precisa. A beleza e o exotismo de nossos bens naturais era um consenso entre os cronistas da época. Todos mencionavam a extensão das matas, a diversidade de espécimes animais e vegetais que aqui existiam, os sabores das frutas típicas, o clima - elementos que faziam do lugar um paraíso terreal, quase o Jardim do Éden (daí se falar em um ponto de vista edênico sobre o Brasil). Entretanto, no quesito gente, os textos acabaram sendo mais polêmicos.
Enquanto Portugal não tinha grandes interesses econômicos no Brasil, o que se deu até meados de 1535, os índios e sua cultura foram freqüentemente apresentados como uma população exótica, diferente, mas, ao mesmo tempo, de boa índole, inocente e bela. O costume de andarem nus, repetidamente mencionado nos textos da época, não foi julgado negativamente nos primeiros contatos. O próprio Caminha, na Carta do Achamento, afirma que há nessa atitude dos gentios uma profunda inocência, pois eles mostravam o corpo como quem mostra o rosto.
Aliás, encontrar povos que tinham na nudez uma prática cultural comum, sem qualquer inferência erótica, não foi uma novidade para os portugueses, que já havia muito tempo se relacionavam com as mais diversas etnias africanas - e já exploravam desde esse muito o tráfico de escravos. Embora ainda fosse motivo de estranheza, não era exatamente novidade para os lusos a existência de povos que andavam nus. O que assinalava para eles, naquele momento, é que esses povos - os africanos e os silvícolas - eram atrasados e, portanto, inferiores. Como não havia conflitos de interesses entre índios e portugueses, esse caráter "inferior" ficou implícito e não recebeu maiores considerações.
Quanto, porém, os portugueses passaram a ter profundos interesses econômicos no Brasil e a investir em sua colonização (caso o contrário a França - que não reconhecia a legitimidade do Tratado de Tordesilhas - tomaria o território e suas riquezas), a relação com os indígenas mudou - e o que se escreveu sobre eles também. Povos que mantiveram alianças com os portugueses por quase meio século foram traídos e passaram a ser escravizados. Outros, que já tinham alianças com outros povos europeus (os franceses, principalmente) reforçaram seus combates aos colonizadores. Sem igualdade de condições contra as armas de fogo dos exércitos lusos, os índios foram decaindo, mortos em combate ou em virtude das doenças trazidas pelo homem branco (contra as quais não tinham anticorpos) e da fome (com a perda de homens para a escravidão e com outros tantos direcionados para a guerra, as lavouras iam perdendo seus cultivadores).
Mudando-se a relação com os indígenas, de cooperativa para de rivalidade, a imagem que ele tinha nos escritos também mudou. A organização social, os hábitos, a cultura foram duramente criticados e o índio gentil, inocente e prestativo se tornou violento, libertino e preguiçoso. A suposta ausência de religião e a antropofagia se tornaram os clichês mais constantes na construção de uma imagem de criatura perigosa, que deveria ser "civilizada" - pelo bem ou pela força.
Neste processo de tornar o índio civilizado foi particularmente importante a ação dos padres jesuítas - membros da Companhia de Jesus, ordem missionário responsável pela catequização dos povos encontradas na África e na América do Sul. Entre os muito recursos que eles utilizaram um, muito importante, foi a chamada literatura de catequese. Mas isso são cenas dos próximos capítulos.
Por hoje, fiquem com Deus, aproveitem os quatro dias para pular ou descansar. E juízo, ouviram? Beijinhos e sejam felizes!
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12.2.09
Porque eu sou do tamanho do que vejo / E não do tamanho da minha altura...
Post que tem como título versos de Alberto Caeiro, um dos alter-egos poéticos do fantástico poeta português Fernando Pessoa... Se preparem, que hoje eu estou inspirada. E não poderia ser diferente. "Para que serve arte, para que serve literatura?" são duas das três perguntinhas que me fazem ter mais ataques de empolgação por segundo quadrado. É segundo quadrado mesmo... Nessas horas, o tempo fica com duas, três, quatro, cinco, mil dimensões diferentes.
A gente pode pensar em mil razões práticas/utilitárias para a existência da arte e para se estudar arte. Podemos dizer que a arte é importante porque é um meio de expressarmos emoções e sentimentos, porque ela é um bem que registra um período cultural no tempo, porque ela é capaz de entreter e dar prazer... Isso só para começar. Para os mais céticos a gente pode dizer que o mercado de trabalho exige cada vez mais um profissional múltiplo, capaz de compreender o mundo a sua volta e por isso é preciso investir numa formação ampla (e repetir aquilo de que vai cair no vestibular).
Ok, são boas respostas. Mas, pra mim, elas limitam tanto a importância da arte e da literatura na nossa vida e na nossa formação! Por quê? Justamente porque são coisas práticas e utilitárias e, embora ser prático seja importante em determinados setores da nossa existência, ser APENAS isso é tão limitador...
Para mim, perguntar "para que serve arte e literatura?" é fazer um questionamento muito próximo, muito parecido com outro, fundamental. "Para quê serve a vida que a gente leva?".
É claro que podemos responder isso de forma objetiva/científica/prática e até religiosa. Mas é tão limitador, não é mesmo? A vida nos foi dada... e o que vamos fazer com ela? Ser práticos e objetivos? Ser APENAS isso?
Justamente porque a arte tem tanto a ver com a emoção e os significados que o ser humano atribui ao seu redor, o que a gente faz com ela e o que fazemos com as nossas vidas são coisas tão próximas. Podemos, por exemplo, pensar que a nossa vida serve (ou deve servir) para que aproveitemos ao máximo os prazeres que o nosso tempo sobre a terra pode nos dar. Ou ainda que deve servir para que participemos de um processo social que constrói riquezas e que nossa vida serve como um ponte entre o que se acumulou de riquezas (na família ou na sociedade em geral) no passado e o que se acumulará no futuro. Podemos, ainda, pensar que a nossa vida é uma coisa tão frágil e insignificante (já que a Terra não parou de girar sobre o próprio eixo quando começamos a existir, nem parará quando deixarmos de existir aqui) que ela não tem significado, não tem "para quê" - e com isso qualquer ação nossa fica sem sentido.
A vida pode ser tudo isso, e a arte vai ter serventia para cada jeito de se perceber o que a vida deve ser. Mas na minha humilde, humilíssima opinião, todas essas respostas acima estão tão limitadas... Eu, particularmente, acho que a vida pode ter cada uma dessas coisas em si: viver envolve usufruir com prazer o que nosso tempo aqui nos oferece, envolve pensarmos em construir um mundo melhor (e nisso riqueza não é apenas uma conquista material por si só) e sim, o mundo não vai parar por nós: por isso temos que ser humildes em reconhecer nossas limitações.
O detalhe é que só se focar nisso nos dá uma idéia tão limitada do que é a vida. É como olhar para um cubo é só enxergar um de seus lados. E por isso, numa postura tão arrogante, que é decretar o que é a vida, quanto humilde, que é reconhecer que essa é uma resposta pessoa e intransferível, eu atrevidamente postulo aqui: a gente está aqui para viver em todas as dimensões que essa vida que a gente pode levar nos oferece. Estamos aqui para, de olhos fechados, sentir o mundo, em suas contradições, seus milagres, suas mazelas, o sol e a chuva açoitando a nossa pele e o vento uivando nos cabelos. Estamos aqui para perceber. Perceber e aprender. Para não passar em branco, apenas vendo a grama ou os dígitos da conta bancária, crescerem.
E é por isso que eu defendo que arte e literatura são coisas muito mais imprescindíveis, às vezes, do que o conhecimento científico.
"Pronto, agora deu! A ciência pode salvar vidas. Uma pessoa doente vai dar importância para livros, pinturas ou para médicos que podem curá-la?"
Eu não disse que a ciência não é importante. Sim, ela pode salvar vidas, pode tornar nossas vidas mais confortáveis também. Esse papel dela é inegável e eu não disse que podemos prescindir de sua existência em nossas vidas. Nem disse que a arte pode substituir a ciência. O que eu afirmei é que existe um papel que a ciência não cumpre, o papel da arte na nossa existência, e que pode sim, às vezes, ser mais necessário para nós do que a cura do corpo ou os benefícios da comunicação por satélite e do transporte mais rápido e mais barato.
Salvar vidas é importante. Mas tão importante, ou mais que isso, é dar sentido a elas. Sentido profundo, pleno. É dar ao homem uma capacidade de se enxergar, e de enxergar o que o cerca, maior e melhor. É limpar os nossos sentidos do comodismo cotidiano e enxergar o mundo sem a inércia que é o costume. Qual foi a última vez que você se permitiu observar as pessoas que te rodeiam e conhecê-las, o que pensam, o que sentem, suas histórias de vida? Quais foram os últimos encontros significativos, desses de alma para alma, dessas conversas que mudam os rumos de uma vida inteira para sempre?
Não é fácil fazer isso no dia a dia. A gente vai para o trabalho, para a escola, entra nos ônibus, paga as contas, presta provas, vai respirando um dia após o outro e esses momentos vão se minguando. E então, de repente, do nada, uma fotografia, uma música, um filme, uma peça, um poema, um livro entram na nossa vida e nós conhecemos o seu universo e as pessoas que os compõem mais profundamente do que o irmão que bagunça o hd do nosso computador. E conseguimos isso, principalmente, quando lemos. Ali entramos profundamente no que pensam e no que sentem Aurélia, Bella, Sargento Garcia, Sherlock, Peri, a mulher do médico, Fabiano, a cachorra Baleia. Eles nos emocionam. Eles nos tocam. Entram na nossa vida, e com raiva, com asco, com carinho, sua trajetória fica impregnada em nós.
Não sou eu que estou inventando essa relação. Aristóteles, o filósofo grego, falou disso há uns mil e muitos anos atrás. Ele chamou a isso de catarse: a projeção e a expiação de nossos sentimentos através de uma obra de arte. A catarse é aquele alívio que Link (e nós, junto com ele) sente no fim da sequência em que Neo vai voando (literalmente) salvar Trinity em Matrix Reloaded. É a catarse que faz com que a gente se contorça, nos filmes de terror, quando sabe que a mocinha tinha que fugir pela porta da frente e não subir pelas escadas. É ela que faz com que a gente chame Aurélia Camargo de burra cada vez que ela pisa em Fernando Seixas - e o chame de três vezes burro porque só ele não percebe que ela faz tudo aquilo porque o ama profundamente e quer ter certeza de que é correspondida. A catarse é esse chorar junto com o personagem, essa profunda identificação com o que há de humano nele e que nos faz sair da obra cansados, mas renovados, mais leves, prontos para enfrentar, de novo, o dia a dia, as contas, as provas e o dizer "bom dia", "boa tarde" a pessoas que não conhecemos.
Para que serve a arte? Para sermos maiores. É o que o Pessoa, na voz de Alberto Caeiro, nos disse. Nós somos do tamanho do que conseguimos enxergar. E a arte, a literatura, nos retira dessa cegueira do cotidiano, nos lembra como é estar vivos, e sentir, e sonhar, e amar.
Para quê serve viver? Para sentir o mundo, profundamente, e enxergá-lo com vastidão. Senão, a nossa vida, torna-se o que chamamos, metaforicamente, de uma página em branco.
Para que serve arte e literatura? Para nos fazer sentir o mundo, profundamente, e enxergá-lo com vastidão. Para que não fiquemos mecanizados, autômatos e inumanos, esperando da vida apenas aquilo que é causa e consequência, razão, linearidade. Para nos lembrar do que é ser humano.
Nós somos do tamanho do que vemos, e não do tamanho da nossa altura. O mundo de cada um de nós é do tamanho daquilo que conseguimos enxergar. Do que conseguimos ler. Por isso que Monteiro Lobato afirmou, muito claramente: "Os livros não mudam o mundo. Os livros mudam as pessoas. As pessoas é que mudam o mundo".
Eu avisei que ia me empolgar, não avisei? Avisei sim. E quanto às multidimensões do tempo: você acabou de viver uma delas. Você me leu. O tempo meu, de agora, quando escrevi, é tempo passado seu. Mas é tempo presente, ao mesmo tempo. Nosso tempo se elevou, agora, em dois. O meu e o seu. O texto é a primeira máquina do tempo inventada pelo homem. E a única que oferece viagens sem riscos.
O post já está grande e a minha adrenalina baixou. Espero ter conseguido escrever com a clareza que eu gostaria que esse texto tivesse/tenha. Se não consegui, conheço alguém mais competente do que eu para dizer, em outras palavras, o que eu tentei aqui. É o escritor brasileiro Otto Lara Resende, em sua crônica Vista cansada. Fiquem com ele!
Um beijo no coração, com muito carinho.
E não esqueçam: vejam.
Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa idéia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.
Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.
A gente pode pensar em mil razões práticas/utilitárias para a existência da arte e para se estudar arte. Podemos dizer que a arte é importante porque é um meio de expressarmos emoções e sentimentos, porque ela é um bem que registra um período cultural no tempo, porque ela é capaz de entreter e dar prazer... Isso só para começar. Para os mais céticos a gente pode dizer que o mercado de trabalho exige cada vez mais um profissional múltiplo, capaz de compreender o mundo a sua volta e por isso é preciso investir numa formação ampla (e repetir aquilo de que vai cair no vestibular).
Ok, são boas respostas. Mas, pra mim, elas limitam tanto a importância da arte e da literatura na nossa vida e na nossa formação! Por quê? Justamente porque são coisas práticas e utilitárias e, embora ser prático seja importante em determinados setores da nossa existência, ser APENAS isso é tão limitador...
Para mim, perguntar "para que serve arte e literatura?" é fazer um questionamento muito próximo, muito parecido com outro, fundamental. "Para quê serve a vida que a gente leva?".
É claro que podemos responder isso de forma objetiva/científica/prática e até religiosa. Mas é tão limitador, não é mesmo? A vida nos foi dada... e o que vamos fazer com ela? Ser práticos e objetivos? Ser APENAS isso?
Justamente porque a arte tem tanto a ver com a emoção e os significados que o ser humano atribui ao seu redor, o que a gente faz com ela e o que fazemos com as nossas vidas são coisas tão próximas. Podemos, por exemplo, pensar que a nossa vida serve (ou deve servir) para que aproveitemos ao máximo os prazeres que o nosso tempo sobre a terra pode nos dar. Ou ainda que deve servir para que participemos de um processo social que constrói riquezas e que nossa vida serve como um ponte entre o que se acumulou de riquezas (na família ou na sociedade em geral) no passado e o que se acumulará no futuro. Podemos, ainda, pensar que a nossa vida é uma coisa tão frágil e insignificante (já que a Terra não parou de girar sobre o próprio eixo quando começamos a existir, nem parará quando deixarmos de existir aqui) que ela não tem significado, não tem "para quê" - e com isso qualquer ação nossa fica sem sentido.
A vida pode ser tudo isso, e a arte vai ter serventia para cada jeito de se perceber o que a vida deve ser. Mas na minha humilde, humilíssima opinião, todas essas respostas acima estão tão limitadas... Eu, particularmente, acho que a vida pode ter cada uma dessas coisas em si: viver envolve usufruir com prazer o que nosso tempo aqui nos oferece, envolve pensarmos em construir um mundo melhor (e nisso riqueza não é apenas uma conquista material por si só) e sim, o mundo não vai parar por nós: por isso temos que ser humildes em reconhecer nossas limitações.
O detalhe é que só se focar nisso nos dá uma idéia tão limitada do que é a vida. É como olhar para um cubo é só enxergar um de seus lados. E por isso, numa postura tão arrogante, que é decretar o que é a vida, quanto humilde, que é reconhecer que essa é uma resposta pessoa e intransferível, eu atrevidamente postulo aqui: a gente está aqui para viver em todas as dimensões que essa vida que a gente pode levar nos oferece. Estamos aqui para, de olhos fechados, sentir o mundo, em suas contradições, seus milagres, suas mazelas, o sol e a chuva açoitando a nossa pele e o vento uivando nos cabelos. Estamos aqui para perceber. Perceber e aprender. Para não passar em branco, apenas vendo a grama ou os dígitos da conta bancária, crescerem.
E é por isso que eu defendo que arte e literatura são coisas muito mais imprescindíveis, às vezes, do que o conhecimento científico.
"Pronto, agora deu! A ciência pode salvar vidas. Uma pessoa doente vai dar importância para livros, pinturas ou para médicos que podem curá-la?"
Eu não disse que a ciência não é importante. Sim, ela pode salvar vidas, pode tornar nossas vidas mais confortáveis também. Esse papel dela é inegável e eu não disse que podemos prescindir de sua existência em nossas vidas. Nem disse que a arte pode substituir a ciência. O que eu afirmei é que existe um papel que a ciência não cumpre, o papel da arte na nossa existência, e que pode sim, às vezes, ser mais necessário para nós do que a cura do corpo ou os benefícios da comunicação por satélite e do transporte mais rápido e mais barato.
Salvar vidas é importante. Mas tão importante, ou mais que isso, é dar sentido a elas. Sentido profundo, pleno. É dar ao homem uma capacidade de se enxergar, e de enxergar o que o cerca, maior e melhor. É limpar os nossos sentidos do comodismo cotidiano e enxergar o mundo sem a inércia que é o costume. Qual foi a última vez que você se permitiu observar as pessoas que te rodeiam e conhecê-las, o que pensam, o que sentem, suas histórias de vida? Quais foram os últimos encontros significativos, desses de alma para alma, dessas conversas que mudam os rumos de uma vida inteira para sempre?
Não é fácil fazer isso no dia a dia. A gente vai para o trabalho, para a escola, entra nos ônibus, paga as contas, presta provas, vai respirando um dia após o outro e esses momentos vão se minguando. E então, de repente, do nada, uma fotografia, uma música, um filme, uma peça, um poema, um livro entram na nossa vida e nós conhecemos o seu universo e as pessoas que os compõem mais profundamente do que o irmão que bagunça o hd do nosso computador. E conseguimos isso, principalmente, quando lemos. Ali entramos profundamente no que pensam e no que sentem Aurélia, Bella, Sargento Garcia, Sherlock, Peri, a mulher do médico, Fabiano, a cachorra Baleia. Eles nos emocionam. Eles nos tocam. Entram na nossa vida, e com raiva, com asco, com carinho, sua trajetória fica impregnada em nós.
Não sou eu que estou inventando essa relação. Aristóteles, o filósofo grego, falou disso há uns mil e muitos anos atrás. Ele chamou a isso de catarse: a projeção e a expiação de nossos sentimentos através de uma obra de arte. A catarse é aquele alívio que Link (e nós, junto com ele) sente no fim da sequência em que Neo vai voando (literalmente) salvar Trinity em Matrix Reloaded. É a catarse que faz com que a gente se contorça, nos filmes de terror, quando sabe que a mocinha tinha que fugir pela porta da frente e não subir pelas escadas. É ela que faz com que a gente chame Aurélia Camargo de burra cada vez que ela pisa em Fernando Seixas - e o chame de três vezes burro porque só ele não percebe que ela faz tudo aquilo porque o ama profundamente e quer ter certeza de que é correspondida. A catarse é esse chorar junto com o personagem, essa profunda identificação com o que há de humano nele e que nos faz sair da obra cansados, mas renovados, mais leves, prontos para enfrentar, de novo, o dia a dia, as contas, as provas e o dizer "bom dia", "boa tarde" a pessoas que não conhecemos.
Para que serve a arte? Para sermos maiores. É o que o Pessoa, na voz de Alberto Caeiro, nos disse. Nós somos do tamanho do que conseguimos enxergar. E a arte, a literatura, nos retira dessa cegueira do cotidiano, nos lembra como é estar vivos, e sentir, e sonhar, e amar.
Para quê serve viver? Para sentir o mundo, profundamente, e enxergá-lo com vastidão. Senão, a nossa vida, torna-se o que chamamos, metaforicamente, de uma página em branco.
Para que serve arte e literatura? Para nos fazer sentir o mundo, profundamente, e enxergá-lo com vastidão. Para que não fiquemos mecanizados, autômatos e inumanos, esperando da vida apenas aquilo que é causa e consequência, razão, linearidade. Para nos lembrar do que é ser humano.
Nós somos do tamanho do que vemos, e não do tamanho da nossa altura. O mundo de cada um de nós é do tamanho daquilo que conseguimos enxergar. Do que conseguimos ler. Por isso que Monteiro Lobato afirmou, muito claramente: "Os livros não mudam o mundo. Os livros mudam as pessoas. As pessoas é que mudam o mundo".
Eu avisei que ia me empolgar, não avisei? Avisei sim. E quanto às multidimensões do tempo: você acabou de viver uma delas. Você me leu. O tempo meu, de agora, quando escrevi, é tempo passado seu. Mas é tempo presente, ao mesmo tempo. Nosso tempo se elevou, agora, em dois. O meu e o seu. O texto é a primeira máquina do tempo inventada pelo homem. E a única que oferece viagens sem riscos.
O post já está grande e a minha adrenalina baixou. Espero ter conseguido escrever com a clareza que eu gostaria que esse texto tivesse/tenha. Se não consegui, conheço alguém mais competente do que eu para dizer, em outras palavras, o que eu tentei aqui. É o escritor brasileiro Otto Lara Resende, em sua crônica Vista cansada. Fiquem com ele!
Um beijo no coração, com muito carinho.
E não esqueçam: vejam.
Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa idéia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.
Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.
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8.2.09
O que é arte?
Eita perguntinha difícil essa hein? Por mais que tentemos estipular critérios objetivos "arte é uma criação do homem para expressar seus sentimentos", "arte é uma expressão de sentimentos que usa cores, sons, formas, palavras", "arte é uma técnica que busca expressar um ponto de vista estético", vai ter pelo menos um momento em que eles não vão ser suficientes para exprimir o que danado é arte, o que torna um objeto artístico. Basta um artista fazer algo completamente original pra gente se perguntar se aquilo é arte e as opiniões se dividirem.
Ao mesmo tempo, a gente não pode considerar que o conceito de arte é uma coisa completamente subjetiva. Um colar feito por um artesão pode ser compreendido como arte por quem compra e não por quem faz, mas não é nem quem compra nem quem faz que termina definindo o que é arte. Não somente. Esse conceito de obra de arte é uma coisa socializada. Não adiantava Van Gogh achar que os seus quadros eram arte e ter uns dois ou três admiradores. Enquanto ele estava vivo, aquilo não foi arte, pelo menos não arte de valor. Virou depois que alguém, alguém que a sociedade reputava como uma pessoa importante e com capacidade para avaliar o que era arte (e principalmente, o que era arte de valor) não só disse que o que Van Gogh fez era arte, como, principalmente, conseguiu contaminar as outras pessoas com aquela ideia (valeu por me lembrar da ortografia nova, Marina!). O que significa que "o que é arte?" é um conceito que é mais cultural e temporal do que subjetivo. E é por isso que certos artistas são muito valorizados em algumas épocas e depois são deixados de lado e com outros acontece o contrário. No caso dos primeiros, o que eles produziram atendeu às expectativas da sociedade contemporânea a ele, mas, algum tempo depois, essa sociedade mudou, o gosto também, e ele não acompanhou. No caso dos segundos, aconteceu o inverso.
Bom, quando eu levantei essa discussão com vocês, em sala, era justamente para observarmos como esse processo definidor do que é arte ou não é uma coisa relativa e como ele está ligado a uma espécie de cultura da arte ou indústria da arte. Eu prefiro usar cultura da arte porque o termo indústria meio que pressupõe uma perspectiva negativa. Tanto que a gente usa "indústria cinematográfica" ou "indústria musical" para falar dos interesses econômicos que envolvem a produção de cinema e de música em determinado lugar. Por isso, vamos usar cultura da arte quando nos referirmos ao modo como a sociedade encara o que é e o que não é arte ao longo do tempo, ok?
Por hoje eu vou ficar aqui. E já adianto o assunto da próxima postagem: o que é literatura e para que ela pode servir. Tenho certeza de que essa segunda pergunta é a que a maioria se fez quando viu a lista de matérias do Ensino Médio. Na próxima visita, a gente conversa sobre isso. Beijos para vocês!
PS - Como eu desejo muito que sejam felizes, sejam mais felizes com esse Van Gogh (para ver em tamanho grande, com a imagem definida - fica distorcida aqui, em baixa resolução - é só clickar em cima), um dos muitos artistas incompreendidos em seu tempo! Observe o movimento que ele dá para a cena só com uma força maior nas pinceladas. Eu adoroooooo!
Ao mesmo tempo, a gente não pode considerar que o conceito de arte é uma coisa completamente subjetiva. Um colar feito por um artesão pode ser compreendido como arte por quem compra e não por quem faz, mas não é nem quem compra nem quem faz que termina definindo o que é arte. Não somente. Esse conceito de obra de arte é uma coisa socializada. Não adiantava Van Gogh achar que os seus quadros eram arte e ter uns dois ou três admiradores. Enquanto ele estava vivo, aquilo não foi arte, pelo menos não arte de valor. Virou depois que alguém, alguém que a sociedade reputava como uma pessoa importante e com capacidade para avaliar o que era arte (e principalmente, o que era arte de valor) não só disse que o que Van Gogh fez era arte, como, principalmente, conseguiu contaminar as outras pessoas com aquela ideia (valeu por me lembrar da ortografia nova, Marina!). O que significa que "o que é arte?" é um conceito que é mais cultural e temporal do que subjetivo. E é por isso que certos artistas são muito valorizados em algumas épocas e depois são deixados de lado e com outros acontece o contrário. No caso dos primeiros, o que eles produziram atendeu às expectativas da sociedade contemporânea a ele, mas, algum tempo depois, essa sociedade mudou, o gosto também, e ele não acompanhou. No caso dos segundos, aconteceu o inverso.
Bom, quando eu levantei essa discussão com vocês, em sala, era justamente para observarmos como esse processo definidor do que é arte ou não é uma coisa relativa e como ele está ligado a uma espécie de cultura da arte ou indústria da arte. Eu prefiro usar cultura da arte porque o termo indústria meio que pressupõe uma perspectiva negativa. Tanto que a gente usa "indústria cinematográfica" ou "indústria musical" para falar dos interesses econômicos que envolvem a produção de cinema e de música em determinado lugar. Por isso, vamos usar cultura da arte quando nos referirmos ao modo como a sociedade encara o que é e o que não é arte ao longo do tempo, ok?
Por hoje eu vou ficar aqui. E já adianto o assunto da próxima postagem: o que é literatura e para que ela pode servir. Tenho certeza de que essa segunda pergunta é a que a maioria se fez quando viu a lista de matérias do Ensino Médio. Na próxima visita, a gente conversa sobre isso. Beijos para vocês!
PS - Como eu desejo muito que sejam felizes, sejam mais felizes com esse Van Gogh (para ver em tamanho grande, com a imagem definida - fica distorcida aqui, em baixa resolução - é só clickar em cima), um dos muitos artistas incompreendidos em seu tempo! Observe o movimento que ele dá para a cena só com uma força maior nas pinceladas. Eu adoroooooo!
2.2.09
"Mestre é aquele que de repente, aprende" -- Guimarães Rosa
E aí, pessoas? Tudo bem com vocês? Sejam bem-vindos (eu juro que vou me policiar com a ortografia nova, mas ensinar truque novo pra cachorro velho é uma coisa meio delicada, tá? Paciência comigo, por favor...)!
Quando eu digo sejam bem-vindos é sincero. Não é aquele "bom dia" que a gente dá às 6:40 no elevador no primeiro dia de aula, morrendo de sono e de esganar o infeliz que decretou o fim das férias e do sono até as 10:30. Pode parecer estranho, mas eu realmente fico muito feliz com a presença de vocês, aqui, nesse cantinho virtual e em sala de aula. E fico feliz com a presença de cada um, dos cdfs que gostam de ler, que curtem "Sociedade dos Poetas Mortos" (também AMOO) até a galera da swingueira que gosta é mesmo de agitação. É verdade! E vou explicar por quê.
Sabe aquele recadinho da Madre Teresa no texto das duas primeiras aulas de hoje? "A mais bela distração? O trabalho". Eu disse isso pro 1º B, que me aturou hoje por três aulas seguidas, e repito: é verdade! Quando você faz o que você ama, não vê o tempo passar, não quer que ele passe. E eu amo ensinar. Amo estar com vocês (mesmo quando aluno me azucrina o juízo - sempre tem um dia em que alguém azucrina o juízo... faz parte).
Não vou mentir que foi sempre assim. Porque quando eu comecei, há muitos e muitos anos (precisa dizer quantos não, né? Que bom!), eu amava era a minha disciplina. Eu amava Literatura. Como amo, profundamente, até hoje.
E amar a disciplina, não é amar ensinar. São coisas diferentes. Porque existem amores diferentes, sabe? Existem alguns que surgem de repente, no primeiro olhar. E eu digo que o meu amor pela Literatura é assim. É um amor que é uma paixão. E paixão e amor, embora sejam dois sentimentos maravilhosos, eles têm diferenças. Não é uma questão de maior nem mais fundo... É uma questão de aceitação.
Quando a gente se apaixona por uma coisa, por alguém, dificilmente a nossa entrega é completa. Tanto que apaixonado briga que só a peste! Apaixonado, quando descobre o defeito do outro, geralmente se decepciona, briga com ele, faz cara feia. E eu e a Literatura temos um pouquinho disso, eu com ela, na verdade. Tem coisa de que eu não gosto, tem coisa que eu amo profundamente e tem coisa em Literatura que nem arte eu acho que é (essa é uma discussão pra depois, tá?). É aquela paixão que vira a cara pra certas coisas, briga e depois liga chorando pedindo pra fazer as pazes. E fica tudo bem até dar de cara com aquele defeitinho de novo.
Com ensinar já foi assim. Hoje está ficando cada vez mais diferente. Eu fui aprendendo a amar ensinar e aí eu comparo com aquele amor maior. Aquele daqueles casais já idosos, que passaram a vida toda juntos, que conhecem cada defeito, cada qualidade, cada expressão de olhar do outro. E que estão um do lado do outro, sempre. Com ensinar foi assim. O amor foi surgindo da convivência, da experiência, no dia a dia. Ensinar tem muitos defeitos, muitas dificuldades, para ser bem clara. A gente se debate com a pressão de ensinar coisas que acha que não deviam ser priorizadas, ensinar para gente que, porque não quer se abrir para o mundo, acha que deve marcar sua rebeldia destratando ou desrespeitando... A gente se debate com uma cultura que diz que a educação deve ser utilitária... Que a gente deve aprender coisas porque elas são importantes para a profissão, e, consequentemente, para a sobrevivência e só por isso se deve aprendê-las. Ou que é o que precisa para passar de ano, então basta aprender para passar na prova final.
Ser professor, hoje, no Brasil, é bem complicadinho. Mas eu aprendi a amar ser professora. Aprendi a amar ser EDUCADORA. Eu aprendi a conviver com todas essas coisas com paciência, porque olhando o todo eu vejo nele uma beleza que me fascina. Eu vejo que em fevereiro me é dado o direito de conviver com pessoas que, de uma forma ou de outra, não são mais as mesmas em dezembro. Eu vejo a vida em transformação bem na minha frente, às vezes, por pequenas coisas, na palma da minha mão. Como quem consegue observar os minutos exatos de um casulo que se abre e em que a borboleta enxuga as asas. Às vezes dá até para ver as borboletas voarem.
E isso eu não aprendi sozinha. Raramente a gente aprende algo só. A gente aprende de repente, talvez, mas não só. Alguém, mesmo sem saber, mostra as coisas e às vezes sem saber também, a gente imita. Como criança pequena que imita pai e mãe.
Quem me ensinou a amar ensinar, a amar educar, foram os meus alunos. Os tantos pequenos milhares com quem tive o privilégio de conviver. E foram todos eles... As patricinhas maquiadas, os nerds, a galera da política, os palhaços, as almas sebosas, os dorminhocos, os esquecidos, os atletas, as meninas da dança, os atrasados, os emos, os forrozeiros, alvi-rubros, rubro-negros, tricolores, real-madrileños (se é que é assim que se chama)...
Por isso, quando eu digo bem-vindos, eu digo de coração e de sorriso aberto. Ter vocês na minha vida é um motivo de muita alegria. Eu acabei de ganhar novos professores, que me re-ensinam, todos os dias, coisas importantes como amizade, companheirismo, determinação, acolhida, carinho. Obrigada por aquilo que eu sei que vocês vão me ensinar este ano.
E para terminar, como não poderia deixar de ser, afinal este é um espaço para Literarizar a vida, transformar tudo em literatura, vou deixar com vocês um trechinho de algo que eu gosto muito. Espero que vocês gostem também!
Um xêro!
No silêncio da noite, caminhei em vossas ruas, e meu espírito entrou em vossas casas,
E vossos corações bateram em meu coração, e vosso hálito soprou sobre a minha face, e eu conheci todos vós.
Sim, conheci vossa alegria e vossa dor, e em vossos sonos, vossos sonhos foram meus sonhos.
E muitas vezes estive entre vós, como um lago entre as montanhas.
Refleti os picos em vós, e as encostas íngremes, e até mesmo os rebanhos de vossos pensamentos e vossos desejos.
E ao meu silêncio, chegou o riso de vossos filhos em riachos, e o desejo de vossos jovens em rios.
E quando chegaram a mim, os riachos e os rios não cessaram de cantar.
Mas ainda mais doce que o riso e maior que o desejo, veio a mim
O que era ilimitado em vós;
O vasto homem, dentro do qual sois apenas celas e força;
Ele, em cujo cântico todo o vosso cantar é apenas pulsar silencioso.
É neste vasto homem que sois vastos,
E foi contemplando-o que contemplei a vós e vos amei.
(...)
Dei menos que uma promessa, mas vós fostes ainda mais generosos.
me destes minha profunda sede de vida.
Certamente, não há presente maior para um homem do que aquele que transforma todos os seus objetivos em lábios sedentos e toda a vida em uma fonte.
E nisto está minha honraria e minha recompensa -
Quando venho à fonte para beber, encontro a própria água, viva e sedenta:
E ela bebe a mim enquanto eu a bebo
Gibran Khalil Gibran, O profeta
Quando eu digo sejam bem-vindos é sincero. Não é aquele "bom dia" que a gente dá às 6:40 no elevador no primeiro dia de aula, morrendo de sono e de esganar o infeliz que decretou o fim das férias e do sono até as 10:30. Pode parecer estranho, mas eu realmente fico muito feliz com a presença de vocês, aqui, nesse cantinho virtual e em sala de aula. E fico feliz com a presença de cada um, dos cdfs que gostam de ler, que curtem "Sociedade dos Poetas Mortos" (também AMOO) até a galera da swingueira que gosta é mesmo de agitação. É verdade! E vou explicar por quê.
Sabe aquele recadinho da Madre Teresa no texto das duas primeiras aulas de hoje? "A mais bela distração? O trabalho". Eu disse isso pro 1º B, que me aturou hoje por três aulas seguidas, e repito: é verdade! Quando você faz o que você ama, não vê o tempo passar, não quer que ele passe. E eu amo ensinar. Amo estar com vocês (mesmo quando aluno me azucrina o juízo - sempre tem um dia em que alguém azucrina o juízo... faz parte).
Não vou mentir que foi sempre assim. Porque quando eu comecei, há muitos e muitos anos (precisa dizer quantos não, né? Que bom!), eu amava era a minha disciplina. Eu amava Literatura. Como amo, profundamente, até hoje.
E amar a disciplina, não é amar ensinar. São coisas diferentes. Porque existem amores diferentes, sabe? Existem alguns que surgem de repente, no primeiro olhar. E eu digo que o meu amor pela Literatura é assim. É um amor que é uma paixão. E paixão e amor, embora sejam dois sentimentos maravilhosos, eles têm diferenças. Não é uma questão de maior nem mais fundo... É uma questão de aceitação.
Quando a gente se apaixona por uma coisa, por alguém, dificilmente a nossa entrega é completa. Tanto que apaixonado briga que só a peste! Apaixonado, quando descobre o defeito do outro, geralmente se decepciona, briga com ele, faz cara feia. E eu e a Literatura temos um pouquinho disso, eu com ela, na verdade. Tem coisa de que eu não gosto, tem coisa que eu amo profundamente e tem coisa em Literatura que nem arte eu acho que é (essa é uma discussão pra depois, tá?). É aquela paixão que vira a cara pra certas coisas, briga e depois liga chorando pedindo pra fazer as pazes. E fica tudo bem até dar de cara com aquele defeitinho de novo.
Com ensinar já foi assim. Hoje está ficando cada vez mais diferente. Eu fui aprendendo a amar ensinar e aí eu comparo com aquele amor maior. Aquele daqueles casais já idosos, que passaram a vida toda juntos, que conhecem cada defeito, cada qualidade, cada expressão de olhar do outro. E que estão um do lado do outro, sempre. Com ensinar foi assim. O amor foi surgindo da convivência, da experiência, no dia a dia. Ensinar tem muitos defeitos, muitas dificuldades, para ser bem clara. A gente se debate com a pressão de ensinar coisas que acha que não deviam ser priorizadas, ensinar para gente que, porque não quer se abrir para o mundo, acha que deve marcar sua rebeldia destratando ou desrespeitando... A gente se debate com uma cultura que diz que a educação deve ser utilitária... Que a gente deve aprender coisas porque elas são importantes para a profissão, e, consequentemente, para a sobrevivência e só por isso se deve aprendê-las. Ou que é o que precisa para passar de ano, então basta aprender para passar na prova final.
Ser professor, hoje, no Brasil, é bem complicadinho. Mas eu aprendi a amar ser professora. Aprendi a amar ser EDUCADORA. Eu aprendi a conviver com todas essas coisas com paciência, porque olhando o todo eu vejo nele uma beleza que me fascina. Eu vejo que em fevereiro me é dado o direito de conviver com pessoas que, de uma forma ou de outra, não são mais as mesmas em dezembro. Eu vejo a vida em transformação bem na minha frente, às vezes, por pequenas coisas, na palma da minha mão. Como quem consegue observar os minutos exatos de um casulo que se abre e em que a borboleta enxuga as asas. Às vezes dá até para ver as borboletas voarem.
E isso eu não aprendi sozinha. Raramente a gente aprende algo só. A gente aprende de repente, talvez, mas não só. Alguém, mesmo sem saber, mostra as coisas e às vezes sem saber também, a gente imita. Como criança pequena que imita pai e mãe.
Quem me ensinou a amar ensinar, a amar educar, foram os meus alunos. Os tantos pequenos milhares com quem tive o privilégio de conviver. E foram todos eles... As patricinhas maquiadas, os nerds, a galera da política, os palhaços, as almas sebosas, os dorminhocos, os esquecidos, os atletas, as meninas da dança, os atrasados, os emos, os forrozeiros, alvi-rubros, rubro-negros, tricolores, real-madrileños (se é que é assim que se chama)...
Por isso, quando eu digo bem-vindos, eu digo de coração e de sorriso aberto. Ter vocês na minha vida é um motivo de muita alegria. Eu acabei de ganhar novos professores, que me re-ensinam, todos os dias, coisas importantes como amizade, companheirismo, determinação, acolhida, carinho. Obrigada por aquilo que eu sei que vocês vão me ensinar este ano.
E para terminar, como não poderia deixar de ser, afinal este é um espaço para Literarizar a vida, transformar tudo em literatura, vou deixar com vocês um trechinho de algo que eu gosto muito. Espero que vocês gostem também!
Um xêro!
No silêncio da noite, caminhei em vossas ruas, e meu espírito entrou em vossas casas,
E vossos corações bateram em meu coração, e vosso hálito soprou sobre a minha face, e eu conheci todos vós.
Sim, conheci vossa alegria e vossa dor, e em vossos sonos, vossos sonhos foram meus sonhos.
E muitas vezes estive entre vós, como um lago entre as montanhas.
Refleti os picos em vós, e as encostas íngremes, e até mesmo os rebanhos de vossos pensamentos e vossos desejos.
E ao meu silêncio, chegou o riso de vossos filhos em riachos, e o desejo de vossos jovens em rios.
E quando chegaram a mim, os riachos e os rios não cessaram de cantar.
Mas ainda mais doce que o riso e maior que o desejo, veio a mim
O que era ilimitado em vós;
O vasto homem, dentro do qual sois apenas celas e força;
Ele, em cujo cântico todo o vosso cantar é apenas pulsar silencioso.
É neste vasto homem que sois vastos,
E foi contemplando-o que contemplei a vós e vos amei.
(...)
Dei menos que uma promessa, mas vós fostes ainda mais generosos.
me destes minha profunda sede de vida.
Certamente, não há presente maior para um homem do que aquele que transforma todos os seus objetivos em lábios sedentos e toda a vida em uma fonte.
E nisto está minha honraria e minha recompensa -
Quando venho à fonte para beber, encontro a própria água, viva e sedenta:
E ela bebe a mim enquanto eu a bebo
Gibran Khalil Gibran, O profeta
17.11.08
Justiça parcialmente feita
Não dava para mudar a prova. Isso não vai voltar. Mas uma parte da injustiça cometida contra vocês foi corrigida! Ainda bem!
UPE anula mais uma questão do vestibular seriado
Publicado em 17.11.2008, às 12h36
UPE anula mais uma questão do vestibular seriado
Publicado em 17.11.2008, às 12h36
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Do JC OnLine
A Comissão de Concursos da Universidade de Pernambuco (Conupe) decidiu, na manhã desta segunda-feira (17), anular mais uma questão da prova do vestibular seriado, realizada no último domingo (16). A questão 7 de português foi invalidada porque o assunto abordado não integra o conteúdo programático previsto para o exame.
(...)
De acordo com a assessoria de comunicação da UPE, os pontos referentes às duas questões anuladas serão redestribuídos.
Fonte: JC Online.
16.11.08
Em três palavras, em seteversões
Versão 1:
Eu estou indignada!
Versão 2:
Isto é absurdo!
Versão 3:
Isto é vergonhoso!
Versão 4 :
Que foi isso?!!!
Versão 5:
Vamos contestar já!
Versão 6:
Impossível ficar assim!
Versão 7:
Não somos palhaços!
Eu estou indignada!
Versão 2:
Isto é absurdo!
Versão 3:
Isto é vergonhoso!
Versão 4 :
Que foi isso?!!!
Versão 5:
Vamos contestar já!
Versão 6:
Impossível ficar assim!
Versão 7:
Não somos palhaços!
13.11.08
Um beijo e boa sorte
Gente,
Minha vida tá mais bagunçada do que caminhão de mudança. Vocês não têm noção do que é vida de professor nessa reta final de conclusão de ano letivo. Não vai dar para deixar revisão da épica árcade do jeito que vocês merecem e, para não fazer bem feito, é melhor não fazer.
Mas eu não poderia deixar de vir aqui deixar o meu beijo e o o meu boa sorte para domingo. Vão para essa prova com AQUELE sorriso confiante e arrasem. E se for o caso, cantem um pouquinho na hora do prova, para lembrar de mim e rir de verdade. Já pensaram na pressão sobre os outros? =)
Fica o meu beijo, o meu boa sorte, as minhas saudades que as minhas turmas 2008 vão deixar e, de brinde, a letra das musiquinhas para quem não pegou. Em algumas turmas só deu para ver uma música, em outras duas, em algumas as três. Quem quiser orientação, procura o pessoal das turmas A, B e C: lá eu grasnei todas! :)
Ah, preciso dar um crédito especial. A Melô do Barroco não é minha não, viram? Um professor amigo meu me ensinou, e eu sei que não é dele também, mas não sei onde foi que ele descobriu a danada. Se alguém conhecer o dono da idéia original, me avisa para eu deixar o crédito aqui, tá?
Melô do Quinhentismo
Bianca Campello
Olho pra frente e vejo
Um índio pelado que vai passando
Ele é pecador ou é inocente
Eu vou me perguntando
Junto com esse índio
tem uma natureza sensacional
Que terra, que gente é
Essa estranha demais
Quinhentismo, quinhentismo
Quinhentismo, como é esse país?
Quinhentismo, quinhentismo
Quinhentismo, como é esse país?
Texto de informação é
Documento para o rei
Texto de catequese
Converte o índio
Isso eu já sei
Caminha exaltou o índio e falou
Do ouro que não achou
Anchieta com teatro e poesia
O índio mudou
Quinhentismo, quinhentismo
Quinhentismo, como é esse país?
Quinhentismo, quinhentismo
Quinhentismo, como é esse país?
Melô do Barroco
(Autoria desconhecida)
O Barroco é dualidade e oposição
Luta entre o corpo e a alma, a fé e a razão
Na Idade Média era teocentrismo
E no Renascimento era antropocentrismo
O Barroco é o conflito
Entre o céu e o inferno
Crise entre o efêmero e o eterno
Linguagem complexa como forma de expressão
Já que a vida é curta
Carpe diem, meu irmão
Mas a consciência clama por perdão
A alma quer o céu e o corpo a perdição
Gregório de Matos foi
O Boca do Inferno
E o Padre Vieira é bom de verbo
Dormir e acordar é uma antítese, eu sei
Dormir acordado é paradoxo, captei
Jogo de palavras chamamos de cultismo
E jogo de idéias é conceptismo
Melô do Arcadismo
Bianca Campello
Hoje tem feta no campo
Pois aqui é o que há
Nesse lugar tranquilo
Vou a vida aproveitar
Marília Dirceu cantou
Mas Gonzaga o nome é
Usou pseudônimo
Pra parecer um pastor, vê lá
Vem ver,
A linguagem se transformar
Tudo agora simples é
A "sôra" mandou estudar
Estudou, estudou, estudou, estudou
E vai rolar a festa, vai rolar
Nesse seriado eu vou arrasar
E vai rolar a festa, vai rolar
Nesse seriado eu vou arrrasar!
Minha vida tá mais bagunçada do que caminhão de mudança. Vocês não têm noção do que é vida de professor nessa reta final de conclusão de ano letivo. Não vai dar para deixar revisão da épica árcade do jeito que vocês merecem e, para não fazer bem feito, é melhor não fazer.
Mas eu não poderia deixar de vir aqui deixar o meu beijo e o o meu boa sorte para domingo. Vão para essa prova com AQUELE sorriso confiante e arrasem. E se for o caso, cantem um pouquinho na hora do prova, para lembrar de mim e rir de verdade. Já pensaram na pressão sobre os outros? =)
Fica o meu beijo, o meu boa sorte, as minhas saudades que as minhas turmas 2008 vão deixar e, de brinde, a letra das musiquinhas para quem não pegou. Em algumas turmas só deu para ver uma música, em outras duas, em algumas as três. Quem quiser orientação, procura o pessoal das turmas A, B e C: lá eu grasnei todas! :)
Ah, preciso dar um crédito especial. A Melô do Barroco não é minha não, viram? Um professor amigo meu me ensinou, e eu sei que não é dele também, mas não sei onde foi que ele descobriu a danada. Se alguém conhecer o dono da idéia original, me avisa para eu deixar o crédito aqui, tá?
Melô do Quinhentismo
Bianca Campello
Olho pra frente e vejo
Um índio pelado que vai passando
Ele é pecador ou é inocente
Eu vou me perguntando
Junto com esse índio
tem uma natureza sensacional
Que terra, que gente é
Essa estranha demais
Quinhentismo, quinhentismo
Quinhentismo, como é esse país?
Quinhentismo, quinhentismo
Quinhentismo, como é esse país?
Texto de informação é
Documento para o rei
Texto de catequese
Converte o índio
Isso eu já sei
Caminha exaltou o índio e falou
Do ouro que não achou
Anchieta com teatro e poesia
O índio mudou
Quinhentismo, quinhentismo
Quinhentismo, como é esse país?
Quinhentismo, quinhentismo
Quinhentismo, como é esse país?
Melô do Barroco
(Autoria desconhecida)
O Barroco é dualidade e oposição
Luta entre o corpo e a alma, a fé e a razão
Na Idade Média era teocentrismo
E no Renascimento era antropocentrismo
O Barroco é o conflito
Entre o céu e o inferno
Crise entre o efêmero e o eterno
Linguagem complexa como forma de expressão
Já que a vida é curta
Carpe diem, meu irmão
Mas a consciência clama por perdão
A alma quer o céu e o corpo a perdição
Gregório de Matos foi
O Boca do Inferno
E o Padre Vieira é bom de verbo
Dormir e acordar é uma antítese, eu sei
Dormir acordado é paradoxo, captei
Jogo de palavras chamamos de cultismo
E jogo de idéias é conceptismo
Melô do Arcadismo
Bianca Campello
Hoje tem feta no campo
Pois aqui é o que há
Nesse lugar tranquilo
Vou a vida aproveitar
Marília Dirceu cantou
Mas Gonzaga o nome é
Usou pseudônimo
Pra parecer um pastor, vê lá
Vem ver,
A linguagem se transformar
Tudo agora simples é
A "sôra" mandou estudar
Estudou, estudou, estudou, estudou
E vai rolar a festa, vai rolar
Nesse seriado eu vou arrasar
E vai rolar a festa, vai rolar
Nesse seriado eu vou arrrasar!
13.10.08
Arcadismo - Façade d'une révolution
Olá pessoas,
Eu demoro, mas pelo menos na semana da prova eu dou um jeito de aparecer aqui. Essa coisa do TEMPO tá matando, viu? Não sei quanto a vocês, mas eu quero FÉRIAS! :P
Bom, já que tempo não é algo que está nos sobrando muito ultimamente, vamos ao que interessa, não é verdade? Ok, fechem os olhos, visualizem a entrada de vocês numa máquina do tempo e vamos fazer uma viagem de volta a o fim do século XVIII. Engraçado isso de falarmos que o Arcadismo é o movimento artístico do século XVIII, se ele só começa no fim do século. É que as datas de fim de século são ligadas à realidade brasileira (1768, ano da publicação de Obras poéticas, de Cláudio Manoel da Costa) e portuguesa (1756, ano da fundação da Arcádia Lusitana). Mas o movimento mesmo começou em 1690, na Itália. Portanto, ele vai desde a década final do século XVII e percorre todo o século XVIII, o que justifica sua classificação. E visto que o século XVIII vai de 1701 a 1800 (lembram que contamos o século pelo seu último ano?), o nome Setecentismo também é válido para designar esta escola literária.
E por que a Itália vai ser o berço inicial do movimento? Pelo mesmo motivo que foi lá que floresceu a Renascença: o profundo enraizamento da cultura italiana na cultura greco-latina e seus princípios de racionalidade e harmonia. Veja bem: se o Renascimento (e o movimento artístico que a ele se refere, o Classicismo) surge na Itália para resgatar os valores da Antigüidade Clássica (Grécia e Roma), em oposição à cultura medieval que imperava até então, nada mais natural que, tempos depois, haja o mesmo processo. Afinal, a cultura medieval e a cultura do século XVII são muito parecidas: as duas estão fortemente imbuídas de religiosidade cristã-católica, preocupam-se com o espírito humano e em como atingir a pureza de espírito necessária para uma vida após a morte no Paraíso. Se é na Itália, pela relação que este país tem com a cultura greco-latina, que surge o primeiro movimento de oposição a essa perspectiva de mundo, a arte do Classicismo, nada mais natural que seja lá que esse movimento se repita no século XVIII. Daí também o termo Neoclassicismo: resgate dos valores artísticos do Classicismo do século XVI.
Ficou difícil de entender? Pense no pêndulo, aquele, de que eu falo tanto... O pêndulo da cultura ocidental, que vai oscilando entre razão e emoção. Faça o seguinte: estique seu braço para a frente, com a mão em direção ao monitor. Agora dobre o cotovelo. Mova sua mão, com o cotovelo dobrado, para a esquerda. Esse é o primeiro eixo do seu pêndulo, o da razão. No eixo da razão está a primeira perspectiva de mundo marcante na cultura ocidental, a da Antigüidade Clássica. Agora mova sua mão para a direita, em oposição ao primeiro eixo. Parabéns, você encontrou o eixo da emoção: seja bem vindo à Idade Média. Agora volte para o eixo da razão, avançando mais de mil anos na história. Saindo do eixo emocional, voltamos a ser racionais, com o Renascimento e sua arte, o Classicismo. Cansados de sermos racionais, nos voltamos ao eixo da emoção e resgatamos os valores medievais com o Barroco. E como o pêndulo vai e volta, quando a angústia do Barroco já cansou nossa beleza, voltamos a ter as rédeas de nossa própria existência, sendo racionais, antropocêntricos e valorizando a ciência como forma de compreender o mundo: tornamo-nos Neoclassicistas.
Acho que agora deu para entender o porquê de este movimento ter o nome de Neoclassicismo e de Setecentismo, não é? Só falta entendermos seu terceiro nome: Arcadismo.
O termo Arcadismo é de uso quase exclusivo para a definição da literatura dos Setecentos. Ele se deve ao batismo das academias literárias com o título de Arcádias. Essas academias já existiam no século XVII, durante o Barroco. Era nelas que os poetas europeus se reuniam para discutir técnicas de poesia e mostrar suas composições em saraus que eram bastantes competitivos. Naquela época, o poeta que compusesse os textos mais desafiadores da linguagem, com maior inventidade poética, mais palavras difíceis e rebuscamentos de expressão, mais desafiadores à compreensão do leitor (ou seja, os mais difíceis), era considerado o melhor. Só que com o passar do tempo, eles exageraram tanto no rebuscamento que a coisa começou a ser considerada de mau gosto. Esse processo é muito natural. Ou você sempre que vê uma foto dos seus pais vestidos para uma festa quando tinham a sua idade não acham aquilo MUITO BREGA?
Pois bem. As academias existiam já desde o século XVII. E nessa época elas eram academias. No século XVIII, alguém, que achava que essa história de rebuscar muito a linguagem artística era coisa velha e brega, e que apreciava a linguagem simples e elegante da poesia clássica de Virgílio e Anacreonte (grandes expoentes da literatura romana e grega), achou que deveria fundar uma academia completamente diferente das que existiam. Um clube descolado, só para gente que embarcasse na nova onda de fazer uma arte completamente diferente da que se fazia na época. E uma academia assim tinha que ter um nome descolado. Como esses dois poetas falavam tanto em campo e coisa e tal, e esse campo era principalmente o da Arcádia, a região da Grécia famosa por seus pastores e rebanhos, lá veio uma idéia: o nome descolado, que vai representar bem quem somos e do que gostamos vai ser esse: Arcádia. Eu fico imaginando isso como escolher um nome de banda de rock daquelas bem pops. E como logo depois sempre vem as marias-vai-com-as-outras que adoram imitar quem lança moda, tome a pipocar academia com o nome de Arcádia aqui e ali. E daí veio o nome Arcadismo: o estilo de poesia cultivado dentro das arcádias.
Como uma legítima banda pop (pense numa boy band), cuja fórmula vai se repetindo e se repetindo até a exaustão, com um monte de clones espalhados por aí, lá se foi o Arcadismo virar uma epidemia literária. Claro que não com a velocidade globalizada de hoje em dia, mas que ele virou febre, virou. Todo o mundo (ocidental, claro) foi incorporando aquele estilo. E um dos principais lugares para essa febre foi a França. Por quê? Por causa da Révolution, oras!
O que a Révolution Française tem a ver com Arcadismo... Tá, senta que lá vem a História. Com H mesmo, que eu sou das antigas. E vou sofrer para tirar o trema de agüente e o acento de herói. Saco isso de mudarem a minha língua, tão bonitinha que ela é como é!
Na França, o Neoclassicismo se destacou principalmente na pintura. A poesia francesa desse período não é das mais grandiosas. Mas foi lá que a arte se uniu aos preceitos filosóficos de uma corrente de pensamento racional e cientificista, características que, em si, já resgatavam os preceitos greco-latinos de busca pela razão e o equilíbrio. Estou falando do Iluminismo Francês, que uniu a arte a um propósito ético e pedagógico. Na França, simplificar a forma do texto deixou de ser uma mera contestação de uma teoria do belo e passou a ser algo maior: a busca por uma forma mais ética de existência, a oposição a um modo de vida opulento, luxuoso, aristocrático. Afinal, se uns vivem em profundo luxo, é porque muitos vivem em grande miséria.
A união de uma busca por uma nova forma de arte (Arcadismo) com a busca por uma nova forma de vida (Iluminismo) resultou num contexto social de grandes transformações. Seguindo os princípios da filosofia humanista dos gregos, que diziam que todo ser humano é dotado de razão, os Iluministas vão acabar entendendo que, em essência, todo ser humano é igual ao outro. Cai, então, por terra, toda uma teoria que sustentava o modo de governo vigente: o Absolutismo Monárquico.
Vê só.... Por que uma pessoa é "absoluta"? Por que ela é superior aos outros, não é? Era isso que dizia o princípio do Absolutismo Monárquico. O rei era quem era e podia o que podia porque ele era superior a todos os seres humanos de seu reino. E o que tornava o rei superior? Ele nascer rei. Por quê? Por que ele havia sido escolhido por Deus para ser rei. Tinha o direito divino. E ponto.
Mas... Se todo ser humano é dotado de razão, a característica que nos diferencia dos animais... E se isso faz com que todo ser humano seja, em essência, igual ao outro. Não tem essa de o rei poder porque ele é rei. Ele vai ter que justificar seu poder por outra coisa. E vai começar a justificar com a seguinte brilhante idéia: ele sabe mais. Ele é esclarecido. Quem é esclarecido sabe usar melhor sua razão que quem não é, porque tem mais conhecimento. Todos podem se tornar esclarecidos, mas nem todos são e quem é mais esclarecido tem mais capacidade que os outros. Bem lógico e racional isso, né?
E democrático, também. Porque, tecnicamente, você pode promover testes, formas para saber quem é mais esclarecido e todos podem concorrer a isso. Olha a raiz da democracia. Pena que na teoria.
Se todos os seres humanos são iguais entre si, então devemos ser solidários uns com os outros, combatendo as injustiças. Devemos ser solidários como irmãos que se apoiam uns nos outros. A igualdade leva ao princípio da fraternidade, e isso significa buscar condições melhores de vida para todos.
E a liberdade? Ah, a liberdade é o bem supremo de um ser humano. Ser livre é um direito inalienável, como prevê a Declaração dos Direitos do Homem, o documento mais importante da Révolution e também a Constituição Americana, decretada com a Declaração da Independência da terra do tio Sam. E não é só liberdade no sentido de ir e vir, mas, principalmente, liberdade para pensar, para se expressar, e para dirigir por si mesmo o curso da própria vida. A liberdade que a razão dá ao homem porque, com ela, ele pode decidir seu destino sozinho, por si mesmo, sem uma consciência externa (na figura de um padre em seu sermão, por exemplo) dizendo-lhe o que é certo e o que é errado.
Se por sermos iguais, devemos todos ser fraternos, devemos também lutar para que todos sejam livres, em todos os níveis de liberdade que existem. Devemos levar àqueles menos afortunados a possibilidade de tomarem as rédeas de suas próprias existências e combater aqueles que impedem que as pessoas sejam livres e dignas em igualdade. Devemos combater as elites aristocráticas.
E o que poesia tem com isso? Tudo. Simplificando a linguagem (inutilia truncat), ao invés de escrever para essa elite, o Arcadismo possibilita que todos possam desfrutar da poesia com igualdade. Assumindo a imagem do pastor que vive em aurea mediocritas (uma vida preciosa em sua simplicidade), o poeta é solidário com os pobres (tá, que pobreza não é miséria, mas pelo menos você dizer que dá para ser feliz sendo pobre é um alento para quem é miserável, não é mesmo?). E divulgar isso através dessa literatura de ideal revolucionário não deixa de ser uma forma de tentar conseguir para essas pessoas liberdade, pois ela não precisa mais seguir aquele terrível teorema em voga então de que é impossível se mudar o destino de uma pessoa.
Viram que combinação feliz. O pastor, que já era uma figura querida porque os árcades queriam imitar Virgílio e Anacreonte, ganha ainda mais valor, porque os árcades vão querer ser solidários ao povo. Bonitinho né? Pena que artificial. Afinal, quem escreve, nessas sociedades européias e brasileira, no século XVIII, é quem tem dinheiro para ser esclarecido. E quem tem esse dinheiro acha lindo que se fale em igualdade social. Desde que não se mexa com o dele.
Resumindo no que deu isso: um grande artificialismo. Por que poeta árcade que é poeta árcade acha lindo ir viver em simplicidade num lugarzinho tranqüilo (locus amoenus), numa casinha no campo (fugere urbem), aproveitando a vida. Desde que, é claro, não mexa no dele. Ou vocês acham que os senhores bacharéis foram pegar na enxada e saíram de seus confortáveis casas na cidade?
Acabou-se que a teoria era linda, mas a prática era tão complicada... E ficou a coisa só como convenção. Quem quer defender o Iluminismo na poesia, entra numa Arcádia, adota um pseudônimo de pastor e manda brasa nos versos. Como alguém que faz um fake no Orkut só para poder entrar numa comunidade qualquer lá e mandar bala com o que escreve. Depois, essa criatura desliga o computador e vai ser quem é de verdade. Depois, os árcades fechavam os livros e cadernos e tudo voltava a ser como era antes. Ou, como diria o grande Guimarães Rosa, punha-se a fábula em ata.
Bom, por hoje é isso. Vou-me. Cansada, com sono e estressada. E ainda vou ter que corrigir prova no fim de semana que vem. Eu mereço. Minha mãe me avisou. Bem que minha mãe avisou.
E não, não é só eu passar vocês. Eu não passo ninguém. Vocês que se passam. Ou, como diria Bianca Ramoneda, na crônica Cotidiano (do meu adorado livro Só): Cada passo vocês se passam. Ou não, diria Caetano.
Excesso de citações no fim do post. Eu tô é com sono mesmo. Beijinhos!
Eu demoro, mas pelo menos na semana da prova eu dou um jeito de aparecer aqui. Essa coisa do TEMPO tá matando, viu? Não sei quanto a vocês, mas eu quero FÉRIAS! :P
Bom, já que tempo não é algo que está nos sobrando muito ultimamente, vamos ao que interessa, não é verdade? Ok, fechem os olhos, visualizem a entrada de vocês numa máquina do tempo e vamos fazer uma viagem de volta a o fim do século XVIII. Engraçado isso de falarmos que o Arcadismo é o movimento artístico do século XVIII, se ele só começa no fim do século. É que as datas de fim de século são ligadas à realidade brasileira (1768, ano da publicação de Obras poéticas, de Cláudio Manoel da Costa) e portuguesa (1756, ano da fundação da Arcádia Lusitana). Mas o movimento mesmo começou em 1690, na Itália. Portanto, ele vai desde a década final do século XVII e percorre todo o século XVIII, o que justifica sua classificação. E visto que o século XVIII vai de 1701 a 1800 (lembram que contamos o século pelo seu último ano?), o nome Setecentismo também é válido para designar esta escola literária.
E por que a Itália vai ser o berço inicial do movimento? Pelo mesmo motivo que foi lá que floresceu a Renascença: o profundo enraizamento da cultura italiana na cultura greco-latina e seus princípios de racionalidade e harmonia. Veja bem: se o Renascimento (e o movimento artístico que a ele se refere, o Classicismo) surge na Itália para resgatar os valores da Antigüidade Clássica (Grécia e Roma), em oposição à cultura medieval que imperava até então, nada mais natural que, tempos depois, haja o mesmo processo. Afinal, a cultura medieval e a cultura do século XVII são muito parecidas: as duas estão fortemente imbuídas de religiosidade cristã-católica, preocupam-se com o espírito humano e em como atingir a pureza de espírito necessária para uma vida após a morte no Paraíso. Se é na Itália, pela relação que este país tem com a cultura greco-latina, que surge o primeiro movimento de oposição a essa perspectiva de mundo, a arte do Classicismo, nada mais natural que seja lá que esse movimento se repita no século XVIII. Daí também o termo Neoclassicismo: resgate dos valores artísticos do Classicismo do século XVI.
Ficou difícil de entender? Pense no pêndulo, aquele, de que eu falo tanto... O pêndulo da cultura ocidental, que vai oscilando entre razão e emoção. Faça o seguinte: estique seu braço para a frente, com a mão em direção ao monitor. Agora dobre o cotovelo. Mova sua mão, com o cotovelo dobrado, para a esquerda. Esse é o primeiro eixo do seu pêndulo, o da razão. No eixo da razão está a primeira perspectiva de mundo marcante na cultura ocidental, a da Antigüidade Clássica. Agora mova sua mão para a direita, em oposição ao primeiro eixo. Parabéns, você encontrou o eixo da emoção: seja bem vindo à Idade Média. Agora volte para o eixo da razão, avançando mais de mil anos na história. Saindo do eixo emocional, voltamos a ser racionais, com o Renascimento e sua arte, o Classicismo. Cansados de sermos racionais, nos voltamos ao eixo da emoção e resgatamos os valores medievais com o Barroco. E como o pêndulo vai e volta, quando a angústia do Barroco já cansou nossa beleza, voltamos a ter as rédeas de nossa própria existência, sendo racionais, antropocêntricos e valorizando a ciência como forma de compreender o mundo: tornamo-nos Neoclassicistas.
Acho que agora deu para entender o porquê de este movimento ter o nome de Neoclassicismo e de Setecentismo, não é? Só falta entendermos seu terceiro nome: Arcadismo.
O termo Arcadismo é de uso quase exclusivo para a definição da literatura dos Setecentos. Ele se deve ao batismo das academias literárias com o título de Arcádias. Essas academias já existiam no século XVII, durante o Barroco. Era nelas que os poetas europeus se reuniam para discutir técnicas de poesia e mostrar suas composições em saraus que eram bastantes competitivos. Naquela época, o poeta que compusesse os textos mais desafiadores da linguagem, com maior inventidade poética, mais palavras difíceis e rebuscamentos de expressão, mais desafiadores à compreensão do leitor (ou seja, os mais difíceis), era considerado o melhor. Só que com o passar do tempo, eles exageraram tanto no rebuscamento que a coisa começou a ser considerada de mau gosto. Esse processo é muito natural. Ou você sempre que vê uma foto dos seus pais vestidos para uma festa quando tinham a sua idade não acham aquilo MUITO BREGA?
Pois bem. As academias existiam já desde o século XVII. E nessa época elas eram academias. No século XVIII, alguém, que achava que essa história de rebuscar muito a linguagem artística era coisa velha e brega, e que apreciava a linguagem simples e elegante da poesia clássica de Virgílio e Anacreonte (grandes expoentes da literatura romana e grega), achou que deveria fundar uma academia completamente diferente das que existiam. Um clube descolado, só para gente que embarcasse na nova onda de fazer uma arte completamente diferente da que se fazia na época. E uma academia assim tinha que ter um nome descolado. Como esses dois poetas falavam tanto em campo e coisa e tal, e esse campo era principalmente o da Arcádia, a região da Grécia famosa por seus pastores e rebanhos, lá veio uma idéia: o nome descolado, que vai representar bem quem somos e do que gostamos vai ser esse: Arcádia. Eu fico imaginando isso como escolher um nome de banda de rock daquelas bem pops. E como logo depois sempre vem as marias-vai-com-as-outras que adoram imitar quem lança moda, tome a pipocar academia com o nome de Arcádia aqui e ali. E daí veio o nome Arcadismo: o estilo de poesia cultivado dentro das arcádias.
Como uma legítima banda pop (pense numa boy band), cuja fórmula vai se repetindo e se repetindo até a exaustão, com um monte de clones espalhados por aí, lá se foi o Arcadismo virar uma epidemia literária. Claro que não com a velocidade globalizada de hoje em dia, mas que ele virou febre, virou. Todo o mundo (ocidental, claro) foi incorporando aquele estilo. E um dos principais lugares para essa febre foi a França. Por quê? Por causa da Révolution, oras!
O que a Révolution Française tem a ver com Arcadismo... Tá, senta que lá vem a História. Com H mesmo, que eu sou das antigas. E vou sofrer para tirar o trema de agüente e o acento de herói. Saco isso de mudarem a minha língua, tão bonitinha que ela é como é!
Na França, o Neoclassicismo se destacou principalmente na pintura. A poesia francesa desse período não é das mais grandiosas. Mas foi lá que a arte se uniu aos preceitos filosóficos de uma corrente de pensamento racional e cientificista, características que, em si, já resgatavam os preceitos greco-latinos de busca pela razão e o equilíbrio. Estou falando do Iluminismo Francês, que uniu a arte a um propósito ético e pedagógico. Na França, simplificar a forma do texto deixou de ser uma mera contestação de uma teoria do belo e passou a ser algo maior: a busca por uma forma mais ética de existência, a oposição a um modo de vida opulento, luxuoso, aristocrático. Afinal, se uns vivem em profundo luxo, é porque muitos vivem em grande miséria.
A união de uma busca por uma nova forma de arte (Arcadismo) com a busca por uma nova forma de vida (Iluminismo) resultou num contexto social de grandes transformações. Seguindo os princípios da filosofia humanista dos gregos, que diziam que todo ser humano é dotado de razão, os Iluministas vão acabar entendendo que, em essência, todo ser humano é igual ao outro. Cai, então, por terra, toda uma teoria que sustentava o modo de governo vigente: o Absolutismo Monárquico.
Vê só.... Por que uma pessoa é "absoluta"? Por que ela é superior aos outros, não é? Era isso que dizia o princípio do Absolutismo Monárquico. O rei era quem era e podia o que podia porque ele era superior a todos os seres humanos de seu reino. E o que tornava o rei superior? Ele nascer rei. Por quê? Por que ele havia sido escolhido por Deus para ser rei. Tinha o direito divino. E ponto.
Mas... Se todo ser humano é dotado de razão, a característica que nos diferencia dos animais... E se isso faz com que todo ser humano seja, em essência, igual ao outro. Não tem essa de o rei poder porque ele é rei. Ele vai ter que justificar seu poder por outra coisa. E vai começar a justificar com a seguinte brilhante idéia: ele sabe mais. Ele é esclarecido. Quem é esclarecido sabe usar melhor sua razão que quem não é, porque tem mais conhecimento. Todos podem se tornar esclarecidos, mas nem todos são e quem é mais esclarecido tem mais capacidade que os outros. Bem lógico e racional isso, né?
E democrático, também. Porque, tecnicamente, você pode promover testes, formas para saber quem é mais esclarecido e todos podem concorrer a isso. Olha a raiz da democracia. Pena que na teoria.
Se todos os seres humanos são iguais entre si, então devemos ser solidários uns com os outros, combatendo as injustiças. Devemos ser solidários como irmãos que se apoiam uns nos outros. A igualdade leva ao princípio da fraternidade, e isso significa buscar condições melhores de vida para todos.
E a liberdade? Ah, a liberdade é o bem supremo de um ser humano. Ser livre é um direito inalienável, como prevê a Declaração dos Direitos do Homem, o documento mais importante da Révolution e também a Constituição Americana, decretada com a Declaração da Independência da terra do tio Sam. E não é só liberdade no sentido de ir e vir, mas, principalmente, liberdade para pensar, para se expressar, e para dirigir por si mesmo o curso da própria vida. A liberdade que a razão dá ao homem porque, com ela, ele pode decidir seu destino sozinho, por si mesmo, sem uma consciência externa (na figura de um padre em seu sermão, por exemplo) dizendo-lhe o que é certo e o que é errado.
Se por sermos iguais, devemos todos ser fraternos, devemos também lutar para que todos sejam livres, em todos os níveis de liberdade que existem. Devemos levar àqueles menos afortunados a possibilidade de tomarem as rédeas de suas próprias existências e combater aqueles que impedem que as pessoas sejam livres e dignas em igualdade. Devemos combater as elites aristocráticas.
E o que poesia tem com isso? Tudo. Simplificando a linguagem (inutilia truncat), ao invés de escrever para essa elite, o Arcadismo possibilita que todos possam desfrutar da poesia com igualdade. Assumindo a imagem do pastor que vive em aurea mediocritas (uma vida preciosa em sua simplicidade), o poeta é solidário com os pobres (tá, que pobreza não é miséria, mas pelo menos você dizer que dá para ser feliz sendo pobre é um alento para quem é miserável, não é mesmo?). E divulgar isso através dessa literatura de ideal revolucionário não deixa de ser uma forma de tentar conseguir para essas pessoas liberdade, pois ela não precisa mais seguir aquele terrível teorema em voga então de que é impossível se mudar o destino de uma pessoa.
Viram que combinação feliz. O pastor, que já era uma figura querida porque os árcades queriam imitar Virgílio e Anacreonte, ganha ainda mais valor, porque os árcades vão querer ser solidários ao povo. Bonitinho né? Pena que artificial. Afinal, quem escreve, nessas sociedades européias e brasileira, no século XVIII, é quem tem dinheiro para ser esclarecido. E quem tem esse dinheiro acha lindo que se fale em igualdade social. Desde que não se mexa com o dele.
Resumindo no que deu isso: um grande artificialismo. Por que poeta árcade que é poeta árcade acha lindo ir viver em simplicidade num lugarzinho tranqüilo (locus amoenus), numa casinha no campo (fugere urbem), aproveitando a vida. Desde que, é claro, não mexa no dele. Ou vocês acham que os senhores bacharéis foram pegar na enxada e saíram de seus confortáveis casas na cidade?
Acabou-se que a teoria era linda, mas a prática era tão complicada... E ficou a coisa só como convenção. Quem quer defender o Iluminismo na poesia, entra numa Arcádia, adota um pseudônimo de pastor e manda brasa nos versos. Como alguém que faz um fake no Orkut só para poder entrar numa comunidade qualquer lá e mandar bala com o que escreve. Depois, essa criatura desliga o computador e vai ser quem é de verdade. Depois, os árcades fechavam os livros e cadernos e tudo voltava a ser como era antes. Ou, como diria o grande Guimarães Rosa, punha-se a fábula em ata.
Bom, por hoje é isso. Vou-me. Cansada, com sono e estressada. E ainda vou ter que corrigir prova no fim de semana que vem. Eu mereço. Minha mãe me avisou. Bem que minha mãe avisou.
E não, não é só eu passar vocês. Eu não passo ninguém. Vocês que se passam. Ou, como diria Bianca Ramoneda, na crônica Cotidiano (do meu adorado livro Só): Cada passo vocês se passam. Ou não, diria Caetano.
Excesso de citações no fim do post. Eu tô é com sono mesmo. Beijinhos!
23.8.08
Gregório de Matos - o lirismo de uma boca maldizente
Hello, hello, hello
Povinho meu. Cá estamos de novo, em pleno fim-de, pensando em prova. C' est la vie. Depois piora! :P
Fique de postar sobre Gregório hoje e não posso deixar de comentar que estou aqui com o filme de Ana Carolina (não a cantora, a diretora de cinema) Gregório de Mattos. É uma produção nacional de 2002 muito interessante, com o poeta Waly Salomão (falecido de câncer em 2003, aos 59 anos de idade), no papel do bardo baiano, e Marília Gabriela. É interessantíssimo ver a atuação de Waly Salomão, grande poeta contemporâneo, que com certeza vocês conhecem sem conhecer (ele é o co-autor de canções como Assaltaram a Gramática, dos Paralamas, e Vapor Barato, música que Zeca Baleiro e o Rappa gravaram) . Ele, poeta popular do século XXI, foi uma ótima escolha para fisicalizar o poeta popular do século XVII. Poeta popular é poeta popular em todas as épocas, boemia não é uma escola literária para ser datada. Até eu, que tenho dificuldades seríssimas em acompanhar um poema só de ouvido me deleitei com as declamações de Salomão. Juro que dá para visualizar o que pode ser que tenha sido Mattos, ali, numa re-vivência que só a arte permite acontecer.
O que pode ter sido Mattos porque ninguém sabe exatamente quem ou o que Gregório de Mattos foi. O consenso geral, mais interessante para nossa imaginação, é que ele foi um poeta libertino, que vagava com viola às costas, meio bêbado, declamando suas sátiras e poesias pornográficas inclementemente pelas ruas de Salvador. Mas há quem defenda que ele não foi nada disso. Que o fato de sua sátira ser tão mordaz se justifica pela proximidade dela com as cantigas de maldizer medievais, que eram exatamente assim.
Pode ser um e outro. Mas acaba sendo é o primeiro. Morto o homem, resta a obra e o personagem que ele se faz nela. E é muito mais encantador esse personagem meio louco, destemido, do que um burocrata que se atém às regras de desenvolvimento de cada gênero literário que se produzia.
O importante dessa divergência toda sobre quem e como Gregório de Matos (ou Mattos, segundo a grafia da época) era é que ela se baseia justamente no dilaceramento da personalidade poética dele. É no mínimo intrigante como aquele homem que produzia poemas líricos de temática religiosa tão contritos também é o mesmo escritor que produz sátiras tão contundentes. A "musa", como os poetas dessa "Era Clássica da Literatura" (séculos XVI, XVII e XVIII, quando a poesia é consumida pela aristocracia) chamavam a inspiração e a própria arte poética, de Mattos é a "musa praguejadora", tão ciente daquilo que é certo, tão auto-consciente de seus próprios erros e vícios (na lírica religiosa há sempre a consciência de que o autor é um pecador destinado ao inferno, a não ser se salvo pela misericórdia divina), que não permite passarem a limpo os vícios e erros daqueles que o cercam. Religião, amor, filosofia e sátira são, portanto, faces complementares de uma mesma consciência do mundo, os lados de uma mesma moeda, que conhece todas as experiências do viver humano sobre a Terra. E, principalmente, que sabe quais dessas experiências são elevadas e destinam o homem a ser melhor do que é, e quais tornam o homem pior do que ele é. Por isso a necessidade da sátira: ridendum castigate mores, lembram?
Dois lados da vida, duas vivências poéticas- a lírica e a satírica - duas formas poéticas - a clássica e a medieval. A vida barroca é dupla, tensionada em opostos que se tenta, sem sucesso, harmonizar. Assim também é a obra poética de Gregório. O amor, nos sonetos (forma clássica), tende ao espiritualismo; nos textos de forma medieval, à sensualidade. Se há espiritualismo e sensualidade nos sonetos, cria-se o conflito dezejo x refreamento, e lá vem a construção da mulher como um ser paradoxal, anjo e demônio. Paradoxo que nas sátiras surge na figura das freiras por quem o eu-satírico/pornográfico manifestava desejo. A religião é encarada, nos textos de estrutura medieval, com sincero sentimento de humildade perante Deus e de consciência de sua condição submissa a ele; nos sonetos, vem imbuída de um racionalismo que disseca a relação homem x Deus de forma sempre a favorecer o homem. Já que Deus é onipotente e perfeito e o homem, no pólo oposto, é limitado e imperfeito, a vantagam de Deus sobre o homem favorece o pecador, pois é Deus, por sua superioridade, que tem o dever sobre o homem, sua criatura, sua responsabilidade. A filosofia, presente quase que unicamente nos sonetos, é assinalada pela consciência da condição miserável do homem na Terra, destinado que está ao sofrimento e à morte, porque é efêmero, como são efêmeras todas as coisas.
E a sátira? É a manifestação política, em que não interessam mais os vícios desse eu, mas dos outros. É nela que Matos denuncia todos os elementos da Bahia, poupando, segundo ele, em versos de profunda ironia, apenas os nobres "porque o nobre, enfim, / é quem honra tem".
Dois lados da vida, duas vivências, duas formas poéticas... Mas um estilo, que se permeia com mais ou menos intensidade em todos essas facetas artísticas e pessoais. E como é esse estilo pessoal do autor? É aquele que, por ser poeta barroco, recorre ao paradoxo, à antítese, ao hipérbato para se expressar, e por ser poeta popular, se vale do trocadilho, da ambigüidade. E que também, por ser poeta barroco, gosta de usar palavras preciosas, vocabulário rebuscado, e por ser poeta popular, gosta de apelar, também, para a linguagem popular, naquilo que tem de mais expressivo e marcante: os palavrões. E o cada coisa em seu lugar só valendo para esse último item, pois, se não há na poesia lírica a presença dos palavrões, todo o resto pode ser encontrado em qualquer gênero, temática e forma.
Esses são elementos básicos da poesia de Gregório, os básicos mesmo. Para saber mais, só tem um jeito: fuçar a obra dele. Por isso, deixo aqui um link para o site que considero que melhor organizou a obra de Gregório. Se joguem nele!
Povinho meu. Cá estamos de novo, em pleno fim-de, pensando em prova. C' est la vie. Depois piora! :P
Fique de postar sobre Gregório hoje e não posso deixar de comentar que estou aqui com o filme de Ana Carolina (não a cantora, a diretora de cinema) Gregório de Mattos. É uma produção nacional de 2002 muito interessante, com o poeta Waly Salomão (falecido de câncer em 2003, aos 59 anos de idade), no papel do bardo baiano, e Marília Gabriela. É interessantíssimo ver a atuação de Waly Salomão, grande poeta contemporâneo, que com certeza vocês conhecem sem conhecer (ele é o co-autor de canções como Assaltaram a Gramática, dos Paralamas, e Vapor Barato, música que Zeca Baleiro e o Rappa gravaram) . Ele, poeta popular do século XXI, foi uma ótima escolha para fisicalizar o poeta popular do século XVII. Poeta popular é poeta popular em todas as épocas, boemia não é uma escola literária para ser datada. Até eu, que tenho dificuldades seríssimas em acompanhar um poema só de ouvido me deleitei com as declamações de Salomão. Juro que dá para visualizar o que pode ser que tenha sido Mattos, ali, numa re-vivência que só a arte permite acontecer.
O que pode ter sido Mattos porque ninguém sabe exatamente quem ou o que Gregório de Mattos foi. O consenso geral, mais interessante para nossa imaginação, é que ele foi um poeta libertino, que vagava com viola às costas, meio bêbado, declamando suas sátiras e poesias pornográficas inclementemente pelas ruas de Salvador. Mas há quem defenda que ele não foi nada disso. Que o fato de sua sátira ser tão mordaz se justifica pela proximidade dela com as cantigas de maldizer medievais, que eram exatamente assim.
Pode ser um e outro. Mas acaba sendo é o primeiro. Morto o homem, resta a obra e o personagem que ele se faz nela. E é muito mais encantador esse personagem meio louco, destemido, do que um burocrata que se atém às regras de desenvolvimento de cada gênero literário que se produzia.
O importante dessa divergência toda sobre quem e como Gregório de Matos (ou Mattos, segundo a grafia da época) era é que ela se baseia justamente no dilaceramento da personalidade poética dele. É no mínimo intrigante como aquele homem que produzia poemas líricos de temática religiosa tão contritos também é o mesmo escritor que produz sátiras tão contundentes. A "musa", como os poetas dessa "Era Clássica da Literatura" (séculos XVI, XVII e XVIII, quando a poesia é consumida pela aristocracia) chamavam a inspiração e a própria arte poética, de Mattos é a "musa praguejadora", tão ciente daquilo que é certo, tão auto-consciente de seus próprios erros e vícios (na lírica religiosa há sempre a consciência de que o autor é um pecador destinado ao inferno, a não ser se salvo pela misericórdia divina), que não permite passarem a limpo os vícios e erros daqueles que o cercam. Religião, amor, filosofia e sátira são, portanto, faces complementares de uma mesma consciência do mundo, os lados de uma mesma moeda, que conhece todas as experiências do viver humano sobre a Terra. E, principalmente, que sabe quais dessas experiências são elevadas e destinam o homem a ser melhor do que é, e quais tornam o homem pior do que ele é. Por isso a necessidade da sátira: ridendum castigate mores, lembram?
Dois lados da vida, duas vivências poéticas- a lírica e a satírica - duas formas poéticas - a clássica e a medieval. A vida barroca é dupla, tensionada em opostos que se tenta, sem sucesso, harmonizar. Assim também é a obra poética de Gregório. O amor, nos sonetos (forma clássica), tende ao espiritualismo; nos textos de forma medieval, à sensualidade. Se há espiritualismo e sensualidade nos sonetos, cria-se o conflito dezejo x refreamento, e lá vem a construção da mulher como um ser paradoxal, anjo e demônio. Paradoxo que nas sátiras surge na figura das freiras por quem o eu-satírico/pornográfico manifestava desejo. A religião é encarada, nos textos de estrutura medieval, com sincero sentimento de humildade perante Deus e de consciência de sua condição submissa a ele; nos sonetos, vem imbuída de um racionalismo que disseca a relação homem x Deus de forma sempre a favorecer o homem. Já que Deus é onipotente e perfeito e o homem, no pólo oposto, é limitado e imperfeito, a vantagam de Deus sobre o homem favorece o pecador, pois é Deus, por sua superioridade, que tem o dever sobre o homem, sua criatura, sua responsabilidade. A filosofia, presente quase que unicamente nos sonetos, é assinalada pela consciência da condição miserável do homem na Terra, destinado que está ao sofrimento e à morte, porque é efêmero, como são efêmeras todas as coisas.
E a sátira? É a manifestação política, em que não interessam mais os vícios desse eu, mas dos outros. É nela que Matos denuncia todos os elementos da Bahia, poupando, segundo ele, em versos de profunda ironia, apenas os nobres "porque o nobre, enfim, / é quem honra tem".
Dois lados da vida, duas vivências, duas formas poéticas... Mas um estilo, que se permeia com mais ou menos intensidade em todos essas facetas artísticas e pessoais. E como é esse estilo pessoal do autor? É aquele que, por ser poeta barroco, recorre ao paradoxo, à antítese, ao hipérbato para se expressar, e por ser poeta popular, se vale do trocadilho, da ambigüidade. E que também, por ser poeta barroco, gosta de usar palavras preciosas, vocabulário rebuscado, e por ser poeta popular, gosta de apelar, também, para a linguagem popular, naquilo que tem de mais expressivo e marcante: os palavrões. E o cada coisa em seu lugar só valendo para esse último item, pois, se não há na poesia lírica a presença dos palavrões, todo o resto pode ser encontrado em qualquer gênero, temática e forma.
Esses são elementos básicos da poesia de Gregório, os básicos mesmo. Para saber mais, só tem um jeito: fuçar a obra dele. Por isso, deixo aqui um link para o site que considero que melhor organizou a obra de Gregório. Se joguem nele!
21.8.08
Comentário das questões - Fichas de exercícios 13 e 15
Ficha de exercícios 13
Questão 1
Gabarito: C
Comentários:
Vieira afirma que para ele "não há escravo que não seja matéria de profunda meditação". Portanto, impossível pensar que ele afirma não existirem escravos no Brasil. O que ele percebe é que há escravos mais miseráveis que os outros "e mais quando vejo os mais miseráveis".
Vieira defendeu a abolição dos escravos indígenas, não dos escravos negros. No texto, o atingir a liberdade não é mencionado, a não ser na segunda vida, a vida espiritual.
Vieira reitera, no segundo parágrafo do texto, vários elementos que mostram que os escravos são homens como todos os outros. São filhos do mesmo Adão e da mesma Eva, suas almas foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo e seus corpos nascem e morrem os de todos os homens livres.
Os escravos estão todos, segundo Vieira, "devotos e festivais diante dos altares da Senhora do Rosário".
Questão 2
Gabarito: C
Comentários:
As torturas mórbidas descritas por Vieira foram aplicadas aos mártires da igreja católica, pelos romanos. Não se relacionam com nenhuma realidade do inferno.
O Barroco não busca o prazer, mas a contrição. A dramaticidade e a tensão entre os opostos não permite que esta arte atinja a harmonia.
Fique ligado! Essa questão pedia os itens INCORRETOS!
Questão 3
Item A
O tema, contido no tópico frasal (primeira declaração do texto), é o não fazer fruto da palavra de Deus. Isso signfiica que provavelmente o excerto é do Sermão da Sexagésima.
Item B
Os elementos que Vieira quer diferenciar são "pregador" e "o que prega". Para isso ele mostra a diferença entre "semeador" e "o que semeia", "soldado" e "o que peleja", "governador" e "o que governa". A diferença, para ele, é que enquanto uns têm apenas o título, e não executam aquilo que se espera da função, os outros, embora não tenham esta função social, são aqueles que realmente se tornam soldados, governadores e semeadores, porque é a ação que define o homem e seu caráter.
Questão 4
Item A
Um texto com função conativa/apelativa é um texto que visa convencer o leitor a fazer alguma coisa ou pensar de alguma forma. Para fazer isso ele usa argumentos e emprega verbos no modo imperativo.
Item B
Reparai
Item C
Modo imperativo, 2ª pessoa do plural
Questão 5
Gabarito: E
Comentários:
Usar os peixes como exemplo das ações humanas é uma alegoria. A afirmação "Os homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes que se comem uns aos outros" encerra em si uma comparação. O texto de Vieira usa seus recursos estilísticos e estéticos para persuadir o ouvinte, sempre.
Para se tentar convencer alguém, é preciso haver esse "de quê" a respeito do qual a pessoa precisa ser convencida. O homem barroco, no Brasil e em Portugal, deve ser convencido a ter uma vida contrita, ligada a Deus, com profunda introspecção religiosa. Esse é um resgate de um comportamento medieval, que se opõe à mistura de influências pagãs (greco-romanas) e medievais que aconteceu no Renascimento.
Para atingir a dramaticidade basta o apelo às emoções, coisa que Vieira sempre faz. E exercer uma didática moralizante é tentar ensinar o homem aquilo que é certo.
A cobiça humana é citada textualmente, um tema fácil de identificar. O conceptismo é a vertente estética de Vieira.
Questão 6
Gabarito: E
Comentários:
Vieira é um padre católico apostólico romano durante a vigência da Contra-Reforma. Ele não se liga a ideais antropocêntricos, renascentistas, nem acredita que a ambição humana é algo positivo.
No trecho, a expressão "maior que" forma uma comparação.
Ficha de exercícios 15
Questão 1
Gabarito: A
Comentários:
O texto não possui temática religiosa. As informações a respeito da poesia religiosa do século XVII (ou seja, barroca) estão incorretas, pois descrevem uma preocupação típica do Quinhentismo.
A poesia neoclássica é a poesia do século XVIII, do movimento conhecido como Neoclassicismo ou Arcadismo. Portanto, já não se relaciona a Gregório de Matos. Além disso, não há n texto uma tendência pedagógica, pois o eu satírico não intenta ensinar como se deve proceder, apenas criticar o comportamento que existe na sociedade de sua época.
Como o texto não possui temática religiosa, não pode se relacionar com a temática do pecado e do perdão.
Se o texto é barroco, não pode ser neoclássico. As reflexões de Gregório de Matos sobre o perfil moral baiano nunca possuem tom lírico (sentimentalista), mas sempre satírico.
Questão 2
Gabarito: B
Comentários
O poeta comenta no texto que Salvador se tornou próspera, mas não de que maneira isso aconteceu. Portanto, não atribuiu essa prosperidade a nenhuma razão específica.
Matos não repudia os portugueses como colonizadores, mas como usurpadores dos bens da colônia, e não nesse texto, mas em outros poemas. Da mesma forma, ele não defende índios e negros. Sua sátira tem muitas conotações preconceituosas contra os negros, os mestiços e os índios, o que ele demonstra no poema ao mostrar que essa prosperidade e nobreza da Bahia é falsa, por se basear nos escravos e nos gentios.
Questão 3
Gabarito:FVFFF
Comentários:
O eu poético não prega a insanidade, a loucura. O que ele chama de insanidade é o fato de o comportamento errado do ser humano ser mais forte e mais perene do que o comportamento correto. Contra esse comportamento ele se manifesta, lamentando que assim sejam as leis do mundo e que o errado prevaleça sobre o certo.
A visão de Matos sobre a Bahia nunca é complacente, maleável, condescendente, benigna.
Se o texto se esgotar no tempo e no espaço, não se pode perceber que a realidade que ele descreve vale para o momento atual, ou outros momentos da existência humana. E, claro, isso não é verdade.
O individualismo acaba sendo postivo, porque significa não andar como os outros, ou seja, errado. Mas também há a percepção de que essa é a atitude mais difícil, e que mais cômodo é para o indivíduo não ser sério (sisudo) e se tornar louco (errado) como os demais.
Questão 4
Gabarito: D
Comentários:
Aqui vale mais comentar o próprio gabarito, já que é a única afirmação incorreta. O Barroco é um movimento espiritualista, não materialista. Sua visão de mundo é pautada na fé e na emoção, e não na razão.
Questão 5
Gabarito:D
Comentários:
Embora na primeira estrofe, ou seja, o primeiro quarteto, também haja havido a disseminação, ou seja, o lançamento de termos, não há alternativa que mencione os dois quartetos e o primeiro terceto. As palavras lançadas são Sol, Luz, formosura e alegria, mencionadas nas duas primeiras estrofes e recolhidas na terceira. Por falta de gabarito melhor, fica o item D.
Questão 6
Gabarito: B
Comentários:
Embora mencione as religiosas e as festividades de caráter religioso, este não é um texto religioso, já que a ambigüidade da palavra passarinhos satiriza o celibato das freiras.
As décimas são as estrofes de 10 versos. Elas não costumam dispensar a rima, seguindo, geralmente, o esquema ABBAACCDDC, em que rimas interpoladas e emparelhadas (AA, BB, CC) se misturam. Isso vocês podem comprovar na décima da ficha e nos textos religiosos de origem medieval da ficha anterior.
Não houve uso de antítese no texto.
Questão 7
Gabarito: D
Comentários:
A única alternativa em que já o uso de antítese é a D, que por sinal é a única em que o excerto pertence a um poema de Gregório. O primeiro texto não consegui descobrir a fonte; o segundo faz parte de um belíssimo soneto de Carlos Drummond de Andrade; o terceiro, pela sua musicalidade e espiritualismo transcendente é um texto de características simbolistas, movimento da transição do século XIX para o século XX; o último possui uma relação profunda com o cotidiano, irreverente, típica do Modernismo, movimento do século XX.
Questão 8
Gabarito: A
Comentários:
Versos com linha reta e pura seguem a ordem direta, não o hipérbato. O soneto é cultista, portanto, não tem clareza de forma.
As imagens são complexas, paradoxais. Não há bucolismo, ou seja, a representação do espaço sereno do campo.
Como as imagens são paradoxais, não podem ser verdadeiras. Um rio de neve não se converte em fogo de verdade. A expressão é rebuscada e não natural. E o Barroco é emocional, não racional.
Não há ordem, há confusão, expressa no hipérbato. Não há harmonia, pois não há equilíbrio nas emoções. Não há razão, mas emoção profunda. O Barroco se opõe ao Renascimento.
Questão 1
Gabarito: C
Comentários:
Vieira afirma que para ele "não há escravo que não seja matéria de profunda meditação". Portanto, impossível pensar que ele afirma não existirem escravos no Brasil. O que ele percebe é que há escravos mais miseráveis que os outros "e mais quando vejo os mais miseráveis".
Vieira defendeu a abolição dos escravos indígenas, não dos escravos negros. No texto, o atingir a liberdade não é mencionado, a não ser na segunda vida, a vida espiritual.
Vieira reitera, no segundo parágrafo do texto, vários elementos que mostram que os escravos são homens como todos os outros. São filhos do mesmo Adão e da mesma Eva, suas almas foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo e seus corpos nascem e morrem os de todos os homens livres.
Os escravos estão todos, segundo Vieira, "devotos e festivais diante dos altares da Senhora do Rosário".
Questão 2
Gabarito: C
Comentários:
As torturas mórbidas descritas por Vieira foram aplicadas aos mártires da igreja católica, pelos romanos. Não se relacionam com nenhuma realidade do inferno.
O Barroco não busca o prazer, mas a contrição. A dramaticidade e a tensão entre os opostos não permite que esta arte atinja a harmonia.
Fique ligado! Essa questão pedia os itens INCORRETOS!
Questão 3
Item A
O tema, contido no tópico frasal (primeira declaração do texto), é o não fazer fruto da palavra de Deus. Isso signfiica que provavelmente o excerto é do Sermão da Sexagésima.
Item B
Os elementos que Vieira quer diferenciar são "pregador" e "o que prega". Para isso ele mostra a diferença entre "semeador" e "o que semeia", "soldado" e "o que peleja", "governador" e "o que governa". A diferença, para ele, é que enquanto uns têm apenas o título, e não executam aquilo que se espera da função, os outros, embora não tenham esta função social, são aqueles que realmente se tornam soldados, governadores e semeadores, porque é a ação que define o homem e seu caráter.
Questão 4
Item A
Um texto com função conativa/apelativa é um texto que visa convencer o leitor a fazer alguma coisa ou pensar de alguma forma. Para fazer isso ele usa argumentos e emprega verbos no modo imperativo.
Item B
Reparai
Item C
Modo imperativo, 2ª pessoa do plural
Questão 5
Gabarito: E
Comentários:
Usar os peixes como exemplo das ações humanas é uma alegoria. A afirmação "Os homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes que se comem uns aos outros" encerra em si uma comparação. O texto de Vieira usa seus recursos estilísticos e estéticos para persuadir o ouvinte, sempre.
Para se tentar convencer alguém, é preciso haver esse "de quê" a respeito do qual a pessoa precisa ser convencida. O homem barroco, no Brasil e em Portugal, deve ser convencido a ter uma vida contrita, ligada a Deus, com profunda introspecção religiosa. Esse é um resgate de um comportamento medieval, que se opõe à mistura de influências pagãs (greco-romanas) e medievais que aconteceu no Renascimento.
Para atingir a dramaticidade basta o apelo às emoções, coisa que Vieira sempre faz. E exercer uma didática moralizante é tentar ensinar o homem aquilo que é certo.
A cobiça humana é citada textualmente, um tema fácil de identificar. O conceptismo é a vertente estética de Vieira.
Questão 6
Gabarito: E
Comentários:
Vieira é um padre católico apostólico romano durante a vigência da Contra-Reforma. Ele não se liga a ideais antropocêntricos, renascentistas, nem acredita que a ambição humana é algo positivo.
No trecho, a expressão "maior que" forma uma comparação.
Ficha de exercícios 15
Questão 1
Gabarito: A
Comentários:
O texto não possui temática religiosa. As informações a respeito da poesia religiosa do século XVII (ou seja, barroca) estão incorretas, pois descrevem uma preocupação típica do Quinhentismo.
A poesia neoclássica é a poesia do século XVIII, do movimento conhecido como Neoclassicismo ou Arcadismo. Portanto, já não se relaciona a Gregório de Matos. Além disso, não há n texto uma tendência pedagógica, pois o eu satírico não intenta ensinar como se deve proceder, apenas criticar o comportamento que existe na sociedade de sua época.
Como o texto não possui temática religiosa, não pode se relacionar com a temática do pecado e do perdão.
Se o texto é barroco, não pode ser neoclássico. As reflexões de Gregório de Matos sobre o perfil moral baiano nunca possuem tom lírico (sentimentalista), mas sempre satírico.
Questão 2
Gabarito: B
Comentários
O poeta comenta no texto que Salvador se tornou próspera, mas não de que maneira isso aconteceu. Portanto, não atribuiu essa prosperidade a nenhuma razão específica.
Matos não repudia os portugueses como colonizadores, mas como usurpadores dos bens da colônia, e não nesse texto, mas em outros poemas. Da mesma forma, ele não defende índios e negros. Sua sátira tem muitas conotações preconceituosas contra os negros, os mestiços e os índios, o que ele demonstra no poema ao mostrar que essa prosperidade e nobreza da Bahia é falsa, por se basear nos escravos e nos gentios.
Questão 3
Gabarito:FVFFF
Comentários:
O eu poético não prega a insanidade, a loucura. O que ele chama de insanidade é o fato de o comportamento errado do ser humano ser mais forte e mais perene do que o comportamento correto. Contra esse comportamento ele se manifesta, lamentando que assim sejam as leis do mundo e que o errado prevaleça sobre o certo.
A visão de Matos sobre a Bahia nunca é complacente, maleável, condescendente, benigna.
Se o texto se esgotar no tempo e no espaço, não se pode perceber que a realidade que ele descreve vale para o momento atual, ou outros momentos da existência humana. E, claro, isso não é verdade.
O individualismo acaba sendo postivo, porque significa não andar como os outros, ou seja, errado. Mas também há a percepção de que essa é a atitude mais difícil, e que mais cômodo é para o indivíduo não ser sério (sisudo) e se tornar louco (errado) como os demais.
Questão 4
Gabarito: D
Comentários:
Aqui vale mais comentar o próprio gabarito, já que é a única afirmação incorreta. O Barroco é um movimento espiritualista, não materialista. Sua visão de mundo é pautada na fé e na emoção, e não na razão.
Questão 5
Gabarito:D
Comentários:
Embora na primeira estrofe, ou seja, o primeiro quarteto, também haja havido a disseminação, ou seja, o lançamento de termos, não há alternativa que mencione os dois quartetos e o primeiro terceto. As palavras lançadas são Sol, Luz, formosura e alegria, mencionadas nas duas primeiras estrofes e recolhidas na terceira. Por falta de gabarito melhor, fica o item D.
Questão 6
Gabarito: B
Comentários:
Embora mencione as religiosas e as festividades de caráter religioso, este não é um texto religioso, já que a ambigüidade da palavra passarinhos satiriza o celibato das freiras.
As décimas são as estrofes de 10 versos. Elas não costumam dispensar a rima, seguindo, geralmente, o esquema ABBAACCDDC, em que rimas interpoladas e emparelhadas (AA, BB, CC) se misturam. Isso vocês podem comprovar na décima da ficha e nos textos religiosos de origem medieval da ficha anterior.
Não houve uso de antítese no texto.
Questão 7
Gabarito: D
Comentários:
A única alternativa em que já o uso de antítese é a D, que por sinal é a única em que o excerto pertence a um poema de Gregório. O primeiro texto não consegui descobrir a fonte; o segundo faz parte de um belíssimo soneto de Carlos Drummond de Andrade; o terceiro, pela sua musicalidade e espiritualismo transcendente é um texto de características simbolistas, movimento da transição do século XIX para o século XX; o último possui uma relação profunda com o cotidiano, irreverente, típica do Modernismo, movimento do século XX.
Questão 8
Gabarito: A
Comentários:
Versos com linha reta e pura seguem a ordem direta, não o hipérbato. O soneto é cultista, portanto, não tem clareza de forma.
As imagens são complexas, paradoxais. Não há bucolismo, ou seja, a representação do espaço sereno do campo.
Como as imagens são paradoxais, não podem ser verdadeiras. Um rio de neve não se converte em fogo de verdade. A expressão é rebuscada e não natural. E o Barroco é emocional, não racional.
Não há ordem, há confusão, expressa no hipérbato. Não há harmonia, pois não há equilíbrio nas emoções. Não há razão, mas emoção profunda. O Barroco se opõe ao Renascimento.
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