26.12.07

“A (IN)UTILIDADE DA ARTE”

Oi, pedaços de carvão!

Sejam bem vindos(as)! Espero que esse espaço continue a servir de ponte entre nós, como, há alguns anos, ele já tem feito. Que essa ponte não seja apenas para transpor dificuldades, sanar dúvidas, mas também para nos aproximar também. Venho aqui não só como professora, mas como amiga também, disposta a ajudar vocês no que precisarem.

Para começar bem do comecinho, vou deixar um texto para ajudar na reflexão sobre "o que é e para quê estudar literatura?". É de Maria José Justino e foi publicado no livro Para Filosofar (da Editora Scipione, 3ª ed.). O texto todo se chama A admirável complexidade da arte, mas ele não está reproduzido integralmente aqui. O que você vai encontrar abaixo é uma parte desse texto, que tem um subtítulo: "A (in)utilidade da arte". Bom proveito!


Embora haja aceitação de que todos possam entender arte, outras perguntas permanecem: Para que serve a arte? O homem pode dispensá-la? A arte pode mudar o nosso comportamento?
(…)

O que significa este quadro?; O que este poema quer dizer. Estas interrogações são comuns diante de certas obras de arte.

Duas são as razões que impedem ou dificultam a comunicação entre o artista e o público. Uma se dá pelo fato de a obra apresentar o novo, o inusitado, que nem sempre é percebido de imediato. Outra, pelo fato de a arte se expressar numa linguagem especial: a dos sons, a das cores, a da poesia, ou seja, numa linguagem que escapa à camisa de força do racional. (…).

Muitos já endossaram esta idéia: “a arte começa onde a função termina”. De fato, ninguém tem necessidade de que uma poltrona seja artística ou bela para que possa nela se acomodar. (…)

A presença da arte parece indicar a insistência do homem em não abrir mão da inutilidade, o princípio do prazer superando o princípio utilitarista. É uma forma de afirmar a capacidade do devaneio e da imaginação. (…) De fato, se o homem fosse reduzido às suas necessidades primárias ou à dimensão utilitária, ele seria apenas um animal ou um monstro. Para responder sobre a eficácia da pintura de Tarsila do Amaral ou da música de Villa-Lobos, teríamos de admitir que, do ponto de vista prático, não servem para nada, são objetos inúteis (…); de outro ponto, situado acima dessa praticidade imediatista, a arte é a própria humanização e a nossa sensibilidade. Solicitamos da arte algo além do princípio prático, mas não apenas a beleza: queremos dela algo mais vital, mais próximo à emoção e ao prazer.


E para pensar mais um pouco:

"Continuo a pensar que quando tudo parece sem saída, sempre se pode cantar. Por essa razão escrevo.”
Caio Fernando Abreu

21.11.07

Castro Alves e revisão

Olá pessoinhas,

Último post do ano. Não vou ter como deixar mais nada para vocês, então, quem for fazer final e recuperação, busque outras fontes, porque não vai dar MESMO, infelizmente. Mas bora lá.

Castro Alves é o principal autor da terceira geração do Romantismo, a qual demonstra um movimento para a superação do individualismo sentimental dessa escola literária. Os românticos da geração condoreira deixam para trás o excesso de egocentrismo e descobrem o mundo além do próprio umbigo. Isso se manifestou, na poética castroalvina, principalmente através de dois elementos temáticos: a escravidão e o amor sensual.

Ser escritor romântico no fim do século XIX significava querer uma revolução social, o bem estar dos pobres e oprimidos e no Brasil isso significava ser abolicionista e republicano. Castro Alves abordou essa temática de duas formas: através da poesia épica, a qual estudamos no primeiro semestre, e através da poesia lírica. Neste último caso, existe um eu lírico que observa os sofrimentos de um escravo e que insere o leitor como um visualizador da cena. Às vezes, nessa observação, o eu lírico relata o que o escravo pensa, diz ou lamenta, o que acaba dando uma voz lírica no poema ao próprio personagem escravo. Esse expediente vocês podem encontrar no poema Tirana da escrava, disponível aqui mesmo na rede.

Já no caso da poesia amorosa essa superação do egocentrismo se dá, principalmente, por uma visão menos idealizada da mulher. Menos, eu disse, o que não quer dizer que não há idealização da figura feminina. O fato é que, embora em alguns poemas ainda frágil e pura, destaca-se em Castro Alves uma mulher objetiva, concreta, que corresponde ao desejo do amado, que tem, ela mesma, esse desejo, e que luta pela própria felicidade. Se em alguns textos ainda existe um voyerismo (como em Adormecida), em muitos outros há a realização daquilo que, para os ultra-românticos ficou só na imaginação e para os indianistas não acontecia porque não havia correspondência amorosa. Basta relermos Beijo eterno para isso ficar bem claro.

De Castro Alves é isso. Ficam aqui os comentários da ficha 11, especialmente para o 1º D, que não teve estas questões resolvidas em sala, o meu beijo e o desejo de boa prova. Não esperem a moleza do Conic não viu? :)

Para quem eu não encontrar, Feliz Natal, Feliz Ano Novo, Boas Férias, Bom Carnaval, Feliz Páscoa... Sejam felizes! E deixa eu ir que eu tenho uns trabalhos de literatura para corrigir aqui, sabe?

Beijos!!


Resolução das questões da ficha 11

Questão 1
Eu não lembro se frisei isso na turma D, a última ver este material comigo, mas creio que sim, pois o fiz em todas as turmas. Houve uma falha na estrofação do poema. Todos os versos que reproduzem a fala de Teresa ("E ela, corando, murmurou-me 'adeus', "E ela entre beijos, murmurou-me 'adeus' ") pertencem à estrofe anterior. Assim, a terceira estrofe começa em "Passaram tempos..." e vai até "Ela em soluços murmurou-me..." e a quarta estrofe é composta por todos os versos restantes no poema.

Estando isto bem claro, vamos à análise da terceira e da quarta estrofes. Na terceira, o eu lírico narra que seu relacionamento com Teresa era prazeroso e sensual, e que dura certo tempo, até o momento em que ele tem que viajar, voltar para casa, e eles se separam. Na estrofe seguinte ele relata o que ocorreu quando voltou de viagem: ele flagra Teresa, que se despedira dele "chorando mais que uma criança", com outro homem. Sutilmente o poeta expressa, por sinal, que o flagra foi de um momento de intimidade, já que as vozes deles "preenchiam de amor o azul dos céus". Nesta estrofe, Teresa repete a fala que lhe coube em todo poema, adeus. Mas este adeus é completamente diferente dos anteriores. Não se trata, aí de uma despedida temporária, mas de um adeus definitivo. Rompeu-se, portanto, o relacionamento amoroso dos dois amantes, com um adeus definitivo, já que Teresa substituiu o eu lírico por outro homem.

Este ato de Teresa, por sinal, é a principal diferença que se estabelece entre ela e as outras mulheres que vimos nos textos românticos até então. Teresa não fica eternamente à espera de seu único, grandioso e eterno amor. Ela é uma mulher prática, que encara toma as rédeas da própria vida e busca a própria felicidade. Foi-se um, veio o outro. Além disso, outros elementos que são típicos da mulher castroalvina e que a distinguem da mulher romântica tradicional é o fato de ela ser acessível, corresponder ao amor do eu lírico e de ter identidade concreta e ter voz no texto (semelhante à medida velha camoniana, não?). Estas considerações respondem à nossa questão 2.

Questão 3
Esta observa o uso das aspas no título do texto. Se observarmos o poema, o adeus final, aquele que encerra o relacionamento, é emitido por Teresa. As aspas têm, entre outras, a função de assinalar o discurso direto de um personagem num texto. Se retirarmos as aspas do título, parece que o texto é sobre um adeus dado a uma mulher chamada Teresa, e não feito por ela. Portanto, as aspas assinalam que o papel fundamental nesse texto é o de Teresa, pois o tema é justamente o adeus definitivo que ela dá ao eu lírico. Daí que se poderia dar como título também "O dia em que Teresa me deu um toco".

Questão 4
O gabarito é a letra D, todas as afirmações são verdadeiras. O item que pode levar ao erro, nessa questão, é o último, que é bastante capcioso, por sinal. Lembrem-se que Castro Alves é abolicionista e que deseja, através da sua poesia, levar as pessoas a aderirem à causa da abolição. Portanto, não podemos considerar que há desprezo, por parte dele, pela comoção do homem branco quanto à morte do escravo.

Questão 5
Essa daqui diz respeito ao culto à natureza, característica presente nas três gerações românticas, no texto em questão. Observe que os elementos da natureza estão em harmonia com o ecravo morto, acolhendo-o e lamentando-o. Portanto, a natureza age como berço de acolhimento e paz, que só a morte pôde trazer ao escravo.

Questão 6
A Castro Alves só podemos relacionar os itens 2 e 5. O primeiro diz respeito a Fagundes Varela. As obras principais de Castro Alves são Espumas Flutuantes (lírica), Os escravos (épica) e Gonzaga e a Revolução de Minas (teatro). O terceiro diz respeito a Gonçalves Dias e o quarto a Álvares de Azevedo.

Questão 7
A última questão, bastante capciosa, requer atenção. A resposta está no item D. Castro Alves nunca apresentou a mulher de forma vulgar. Se algum romântico se aproxima disso é Álvares de Azevedo, com as prositutas da face Caliban de sua produção. Mas nem mesmo elas são vulgares, mas sim personagens idealizadas em sua condição marginal. Mais importante, porém, do que entender que o item D é falso é saber porque os outros são verdadeiros. Então acompanhe:

a) A mulher é idealizada no poema em questão. Observe que ela é para ele uma camélia (flor) pálida (frágil) e formosa (bela). Há aquele ideal feminio de fragilidade, de evanescência.
b) O eu lírico está refletindo sobre o valor da vida e da morte. Portanto, há uma reflexão introspectiva, embora o trecho, isoladamente, não dê uma idéia tão clara de dúvida existencial. A UFV, nessa questão, falhou em limitar tanto o excerto, pois ele não expressa com clareza toda idéia que contém.
c) Esse item não gera dúvidas, pois menciona uma característica geral da obra de Castro Alves e também uma facilmente percebida no poema, afinal ele quer boiar no lago virgem que é o seio da mulher amada, ou seja, deseja tocá-lo, deitar-se sobre ele.
e) Também não é um item que gere dúvidas. Ao contrário da segunda geração, nesse poema o autor escolhe exaltar a vida e não a morte.

5.11.07

Romantismo - 1ª e 2ª geração

Pessoas,

Com 165 provas para entregar em 24h obrigatoriamente, senão minha cabeça será extirpada de meus ombros, paro aqui só para cumprir minha promessa e acalmar as senhoritas Beatriz e Ana Beatriz. Postagem sobre Romantismo bem aqui!

Vamos por partes e começando do começo: o contexto histórico.

O Romantismo surge na Europa, como estudamos no primeiro semestre, no fim do século XVIII, com a publicação de Os sofrimentos do jovem Werther, do alemão Goethe. É um movimento contemporâneo à independência dos EUA e à revolução francesa, movimentos que contestam a ordem pré-estabelecida de organização social, levam a burguesia ao poder político e iniciam o século XIX com uma grande fé no futuro da humanidade. Afinal, o que se desejava, depois de um século de Iluminismo, era liberdade, igualdade e fraternidade para todos.

Mas, porém, contudo, entretanto, todavia, não obstante... Rei morto é rei posto e o homem é o lobo do próprio homem, dizem o ditado. E a burguesia no poder não vai durar tanto tempo assim pregando a igualdade. Se todos forem iguais não existe mais poder, não é verdade.

E o que isso tem a ver com o que estudamos no Brasil? TUDO. Porque depois de lutar pela liberdade dos franceses e gostar muito de fazer isso o que é que os franceses, ou melhor, o francês da mão dentro do colete vai fazer? Napoleão vai levar a liberdade, a igualdade e a fraternidade à toda Europa, claro! Lutar contra os tiranos que oprimem o povo através da guerra e do sofrimento desse mesmo povo lembra um outro tiranozinho que conhecemos bem, não é mesmo? Ou seja: rei e presidente é tudo igual, só muda o nome e o endereço.

Apenas dois reis europeus se mantiveram a salvo de Napoleão: o rei da Inglaterra, protegido pela condição insular de suas terras e D. João VI, que fugiu com toda a corte para cá. No fim das contas, temos que dar graças a Napoleão, porque sem ele não teríamos no século XIX as condições propícias para os avanços sociais que a vinda da família real no proporcionaram, muito menos para os avanços culturais e para o próprio Romantismo brasileiro.

Que condições são essas? Hora, a urbanização do Rio de Janeiro, o investimento na estrutura da do administrativa do Estado, a criação de uma imprensa regular, a possibilidade de se imprimir livros diretamente no Brasil, a criação de cursos superiores de Direito, Belas Artes, Medicina... Vocês não assistem o quadro de Eduardo Bueno no Fantástico não é? :P

É claro que isso são as condições para o Romantismo nascer. Mas o bichinho teve uma incubação meio lenta. A família real chega aqui em 1808. Em 1822 nos tornamos independentes (pelo menos politicamente). Mas Romantismo, Romantismo mesmo, só em 1836, com a publicação de Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães (aquele que NÃO cai na prova!!!). Isto significa que o Romantismo é contemporâneo, na verdade, do II Reinado, do governo do Imperador D. Pedro II.

Atenção: tudo o que faz parte da vinda da família real portuguesa para o Brasil e do I Reinados, embora historicamente sejam anteriores ao Romantismo são considerados fatos integrantes de seu contexto, pois são elementos primordiais para sua ocorrência aqui.

Visto esses elementos de contexto histórico, vamos para as duas gerações que interessam. E primeiro pela primeira, para sermos bem óbvios aqui.

A primeira geração, também chamada de nacionalista ou indianista (isso quando não é chamada de nacionalista-indianista), tem como elemento de destaque ser nacionalista e indianista! Surpreendente isso, não é? Mas o fato é que o grande diferencial dela são esses temas mesmo. Isso porque no ponto de vista da lírica, da lírica amorosa pura, aquela que não está combinada com nenhum desses dois temas, o que sobra são as características gerais do Romantismo: o culto à natureza, o sentimento de solidão, o amor não revelado pela mulher amada, a idealização dessa mulher... A diferença mais palpável, além da combinação da temática indianista (como em Leito de Folhas Verdes - o poema da ficha, Beatriz e Ana Beatriz, que eu não vou colocar aqui para não tornar este post mais gigantesco do que vai ficar, mas que vocês acham pelo Google, o oráculo moderno) com a amorosa é o fato de que, ao contrário da segunda geração, existe serenidade na melancolia e na tristeza vividas nos textos da primeira geração. Gonçalves Dias até tem um poema em que ele afirma que se morre de amor (literalmente o título é Se se morre de amor), mas em nenhum momento existe o desejo da evasão pela morte. Morbidez é uma coisa exclusiva da segunda geração, ok?

Sobre Dias, duas coisas importantes a serem ressaltadas: é o único autor que estudamos que explora a temática amorosa do ponto de vista feminino (além de ser o único que faz isso do ponto de vista indígena, claro) e é aquele que se preocupa com a musicalidade e o ritmo dos poemas. Para atingir essa sonoridade textual, ele costuma usar a redondilha, a repetição de versos e de palavras e também a de sons de letras. E antes que alguém entre em desespero, NÃO vou cobrar de vocês métrica não. RELAXEM!

Sobre a segunda geração, acho que nem preciso me estender muito. Quem leu Lira dos Vinte Anos e Noite na Taverna já conheceu muito, na prática, do ultra-romantismo, ou mal do século, ou byronianismo, ou spleen. A segunda geração, ao contrário da primeira, ufanista, que acha que o Brasil é um país lindo, literalmente uma agradável terra de palmeiras onde canta o sabiá, não acredita muito nem no presente, quanto mais no futuro. O fato é que a segunda geração tem consicência que há uma discrepância muito grande entre o mundo como ele é e o mundo como os românticos desejam que ele seja: o mundo da igualdade, liberdade e fraternidade para todos. E essa consciência de que a vida não é exatamente tão maravilhosa assim faz com que esse pessoal procure, de todo jeito, fugir da realidade, ensimesmar-se. Já que o mundo não é como eles querem que seja, que se exploda o mundo: os ultra-românticos só querem saber de si, de seus sofrimentos, de suas angústias. E a única coisa que poderia dar alegria a essas criaturas é a realização através do amor.

Contraditoriamente, então, os artistas desse período vão manifestar um grande medo de amar. O amor é lindo no plano das idéias e é melhor que ele fique lá: essa é a atitude dominante desses escritores. Afinal, se ele sair do plano das idéias, que será daquele que só tem essa ilusão para se agarrar, se as coisas não derem certo? Sobra o vício, a bebida, a desilusão completa ou ainda a morte.

Essa incoerência romântica é a criadora das duas mais exploradas faces de Álvares de Azevedo, a face Ariel, a inocente, e a face Caliban, a amoral. As duas são tentativas de abordar a realidade do amor e do sofrimento sob os pontos de vista distintos que os níveis de desespero humano podem atingir. Sobra, ainda, a tal terceira, face, também chamada de irônica ou anti-romântica. Álvares, como todo artista romântico, era exagerado, e como todo ser humano inteligente, conseguia perceber o seu exagero, e como poucos seres humanos inteligentes, era capaz de fazer graça sobre si mesmo. Esse é o grande objetivo de sua face irônica: rir de si mesmo, deixar de lado aquilo que o Romantismo leva a sério demais, ridicularizar o exagero, o sentimentaloidismo, a idealização excessiva. No meio de muitos poetas excelentes, como o meu muito querido Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo se destaca não só pela sua pluralidade, mas também por conseguir ter uma consciência sobre o próprio movimento a que pertencia que nenhum outro manifestou: uma consciência racional e crítica.

É isso, amiguinhos (e hoje, especialmente, amiguinhas). Espero que tenha dado pro gasto. E dêem licença, agora, porque eu tenho que terminar de enlouquecer ali, tá bom? O que sobrar de mim encontra com vocês na quarta-feira.

Bejinhos e boa prova.

PS1. Bia, os livros indicados pela escola são muito bons. Não despere que você vai se dar bem.
PS2. Yuri, não pense que eu esqueci de você enquanto escrevi esse post não, tá? Só que as meninas precisavam de atenção especial hoje. Na próxima eu volto a citar você diretamente, com todo carinho que a sua saudação matinal de segundas e sábados, declarando o quanto você ama a minha aula, merece! :]

18.10.07

Análise de poemas

Fofinhos,

Como eu prometi, vou deixar, além da análise do poema de Gonçalves Dias Leito de folhas verdes, que foi na ficha 9, vou deixar um exemplo de análise de poema para vocês aqui. Espero que aproveitem não só a ajuda para terminarem o trabalho mas também curtam o texto!

Teresa
Manuel Bandeira

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo
.............................................................................................[nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

O poema Teresa, de Manuel Bandeira, faz parte do livro Libertinagem, o primeiro livro modernista do autor. Trata-se de um texto lírico-amoroso em que é narrada a descoberta amorosa da personagem do título pelo eu lírico. Esta descoberta acontece de forma banal, sem os arroubos de paixão romântica, o que quebra a expectativa do leitor de encontrar um grande história de paixão à primeira vista ou de encontrar uma grande musa por quem, mais à frente, o eu lírico irá se apaixonar.

Teresa, para o eu lírico, à primeira vista, parece burra. Burra, pois a cara parecia uma perna, compara o autor, um perna estúpida, ou seja, grosseira, inexpressiva. Depois, no entanto, o olhar sobre Teresa se aprofunda: é um olhar que investiga o olhar. O eu lírico olha no fundo dos olhos de Teresa, e enxega Teresa além da perna. Teresa tem olhos velhos, e enxergar a alma velha dentro dos olhos não só denota um interesse como perceber olhos velhos indica uma relação já mais terna. Teresa tem um corpo jovem, mas seu olhar demonstra sofrimento e/ou sabedoria. A casca estúpida de Teresa é deixada de lado, a partir da segunda estrofe, pois o que se assinala então é o paradoxo da identidade da personagem.

Por fim, na terceira estrofe, o eu lírico capitula diante de Teresa. O terceiro encontro é recheado por magia (os céus se misturam com a terra) e milagre (Deus caminha sobre a água), por uma descoberta de sensações profundas, misteriosas e grandiosas. É o momento em que o eu lírico não enxerga mais nada, o que denota uma impotência diante da visão de Teresa, sua perda de poder de reação. Neste verso, por sinal, Bandeira parafraseia, implicitamente, o dito popular "O amor é cego". Impossibilitado de ver, cego àquilo que enxergava até então (os defeitos de Teresa), o eu lírico está realmente apaixonado.

A forma sintética de expressão do poema, estruturado em tercetos, é característica do movimento ao qual Bandeira se junta a partir do livro Libertinagem. O Modernismo se demarca pelo abandono das convenções literárias, pela busca da linguagem coloquial, livre, apoética até. No plano da expressão do poema Teresa, isso ocorre na estruturação livre (e excessivamente longa até, no caso do último verso da segunda estrofe, o qual, precisa ser alinhado abaixo do verso, com o sinal [ indicando que pertence ainda ao verso anterior) de todos os seus versos, do uso de versos brancos em todo o poema e da quase total ausência de figuras de linguagem na construção textual. O poema de Bandeira se manifesta poeticamente muito mais pela associação de elementos inesperados ("a cara parecia uma perna") do que pela percepção de uma beleza divinizada na mulher amada ou na existência. Esta percepção de poesia naquilo que menos se espera, nas fontes mais incomuns do prosaismo, do cotidiano, também é uma forma de manifestação do Modernismo no poema, visto que uma característica desta escola é justamente desmistificar a poesia e conectá-la à vida cotidiana e prosaica do ser humano comum.

20.9.07

Arcadismo

Para terminar a revisão, vou deixar a postagem sobre Arcadismo, este movimento do século XVIII também chamado de Neoclassicismo ou Setecentismo.

O Arcadismo é um movimento que ilustra uma importante transição na história ocidental: a da sociedade aristocrática para a sociedade democrática. Sua história acompanha a formulação dos pensamentos iluministas e democráticos de filósofos como Jean-Jacques Rousseau, Voltaire e Diderot, que resultam nas insurreições políticas da burguesia, a qual se declara independente do jugo europeu (com a declaração da independência em todas as nações americanas - começando-se pelos Estados Unidos) e independente do jugo da aristocracia (o que ocorre na Revolução Francesa).

Este ideal de renovação e inovação na ordem social do mundo, na arte, vai se concretizar com a rejeição à estética elitista, confusa e prolixa do Barroco. Como referência, os autores árcades vão ter a sobriedade e o equilíbrio dos autores do Classicismo. E como avanço vão buscar uma linguagem mais simples e direta (inutilia truncat), a vida humilde - típica do povo, do bom selvagem de Rousseau, da grande massa que deve ter o poder - (aurea mediocritas) e o ambiente campestre (fugere urbem), onde esta vida humilde vai poder se manifestar plenamente, visto que longe do materialismo e superficialidade da corte.

Por estes motivos, e para buscar uma convenção, uma imagem única que traduza os ideais de simplicidade e humildade campestre, é que os autores do Neoclassicismo vão se inspirar no ambiente da Arcádia grega. Trata-se de uma aplicação da teoria de Rousseau: que tipo humano pode ser considerado puro de alma, pois está longe da civilização? Na Europa, a resposta encontrada é o pastor grego, que vive não apenas num ambiente propício à manutenção de sua nobreza de alma.

Aqui no Brasil, reproduzindo este convencionalismo da arte européia, nossos árcades também vão explorar a figura do pastor na poesia lírica. Já nos textos épicos dão o primeiro passo de brasilidade, de consciência sobre a identidade nacional, transformando este pastor no índio (que também vive, longe da civilização e dos apelos materiais, uma vida simples e humilde, em contato com a natureza).

Esta consciência de brasilidade, bem clara na poesia épica e satírica do Arcadismo, na lírica não se faz tão perceptível. Nossos autores, dos quais se destacam Cláudio Manoel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, reproduzem as mesmas convenções dos poemas árcades europeus, em que o pastor, eu lírico do poema, convida a pastora amada, em tom sóbrio (com contenção emocional), para desfrutarem do momento (carpe diem), já que, depois do Barroco, não se poderá esquecer mais que a vida é breve e que a juventude e os momentos felizes fatalmente acabarão.

O que diferencia, então, a poética árcade da barroca, se esse elemento do carpe diem é comum a ambas? Observe:

* Barroco -> é uma escola literária que se fundamenta na visão de mundo da Contra-Reforma. Daí que se expressa de forma exagerada, devido à grande tensão diante do principal dilema humano: aproveitar a vida terrena e seus prazeres ou se preparar, através da abstenção destes prazeres, para uma vida espiritual no paraíso?
Além disso seu público leitor é a elite aristocrática, o que torna sua expressão estética exagerada (usando muitas figuras de linguagem), rebuscada, elitista.

* Arcadismo -> é uma escola literária que se fundamenta na visão de mundo do Iluminismo, o qual, por sua vez, reproduz os ideais greco-romanos de equilíbrio, contenção dos exageros e de racionalismo. Não há dilemas na vida humana, porque através da razão e do equilíbrio o homem consegue ordenar e dosar todos os opostos, podendo, portanto, conciliar tanto a vida terrena e os desejos a ela relacionados, como a vida espiritual.
Visto que o público leitor deste movimento é a burguesia, sua expressão é simples, objetiva e direta, opondo-se, portanto, ao estilo Barroco, especialmente o cultista.

Além desses elementos, é importante lembrar também que os dois principais autores árcades brasileiros, Cláudio Manoel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, ilustram também os pontos de partida e o destino para o qual, futuramente, rumará a literatura brasileira, prestes a entrar na Era Nacional (quando o Arcadismo der lugar ao Romantismo). Cláudio Manoel da Costa, cujo estilo individual tem ecos do Seiscentismo, é o autor que melhor ilusta a cópia do convencionalismo europeu. Sua inspiração por uma mulher de perfil abstrato, a quem ele chama de Lise ou de Nise, é uma reprodução típica da literatura feita em Portugal e no restante da Europa, lembrando, inclusive, o estilo camoniano. Tomás Antônio Gonzaga, por sua vez, ilustra o que está por vir nos anos seguintes. A liberdade formal de algumas de suas liras (poemas líricos) em Marília de Dirceu será aprofundada pelos autores românticos, bem como a incorporação dos elementos de vivência pessoal (a prisão do poeta) à expressão artística (a segunda parte de Marília de Dirceu). Daí que muitos afirmam que Gonzaga é, também, um autor de influências pré-românticas.

É isso, gente. Ainda bem que pude deixar tudo aqui hoje. Espero que vocês possam aproveitar como apoio para o estudo. E estudem! ;)

Deixo, abaixo, o comentário das duas questões da ficha 7. Fiquem com Deus e façam uma boa prova sábado!


Ficha 7

Questão 1 - A questão pede que se apontem as afirmativas corretas. Analisemos cada uma então:

"A primeira estrofe do poema contrasta a agitação do ambiente urbano com a agitação do ambiente rural." -> Perfeita a análise. Nos dois primeiros versos, o eu lírico caracteriza um ambiente cansativo e barulhento, afirmando, nos versos seguintes, que prefere ir tentar a sorte no campo, para conseguir melhorar sua vida.

"O primeiro terceto critica a vida superficial do ambiente aristocrático, em que as aparências são valorizadas." -> Também está correta. A estrofe em questão menciona a valorização das roupas, a ostentação, a vaidade, e afirma que estas coisas são enganadoras.

"Seguindo o ideal de simplicidade na linguagem, o soneto marca-se pela ausência de metáforas e de hipérbatos." -> Parcialmente correta, parcialmente incorreta. Há, realmente, ausência de metáforas, mas não de hipérbatos, o que se pode perceber em versos como "Canse embora a lisonja ao que ferido / Da enganosa esperança anda magoado"

"O texto expressa uma inadaptação do eu lírico ao mundo que o rodeia." -> Esta afirmação resume bem a sensação do eu lírico na cidade e daí a sua procura pelo ambiente campestre.

"O princípio árcade predominante nas idéias deste soneto é “fugere urbem”." -> Como o princípio do fugere urbem significa "fugir da cidade", a afirmação é perfeitamente correta.

A única afirmação incorreta é o item 3, sendo, portando, correta a alternativa E.


Questão 2 - O comando da questão é idêntico ao anterior, então vamos seguir o mesmo procedimento.

"Possui versos descritivos repletos de idealização" -> Isso se comprova ao observarmos como a imagem de Marília é criada de forma perfeita, numa perfeição antinatural e exagerada, o que percebemos na relação entre a luz dos olhos de Marília e a luz do sol.

"Utiliza aspectos da natureza tropical para compor os traços físicos da amada, no que destoa da tradição descritiva do Arcadismo." -> Incorreto. Neve não é um elemento da natureza tropical.

"Exprime claramente o ideal do “carpe diem” " -> O texto faz apenas a descrição física de Marília. Não há nenhuma menção ao fato de aproveitarem a vida, o que torna a afirmação incorreta.

"Revela a preocupação em exaltar um ideal de vida simples." -> Incorreto, pelo mesmo motivo apontado no intem anterior.

"Não apresenta versos brancos." -> Correto. Os versos brancos são aqueles que não rimam com nenhum outro. Como todo o trecho apresenta rimas alternadas, a afirmativa é perfeita.

São corretas apenas as afirmações I e V, o que leva à alternativa A.

Gregório de Matos e Padre Vieira

Coisinhas mais lindas (e barulhentas) que eu tenho!
Acharam que eu ia abandonar vocês antes da prova? Vou não! Só vou ter que deixar tudo aqui hoje, de uma vez só, pois não terei outra brecha.

Vou começar esse post com Gregório de Matos e aproveito o espaço também para revisarmos a produção do Padre Antônio Vieira. No final, deixo o comentário dos exercícios das fichas destes dois autores.

Gregório de Matos é o principal poeta brasileiro do período barroco. Padre Antônio Vieira é um dos maiores expoentes da prosa doutrinária européia, e um escritor de textos não-literários estudado tanto na Literatura Brasileira como na Portuguesa, visto que, nascido em Portugal, morou no Brasil por muitos anos, dividindo sua formação educacional nos dois países. Portanto, enquanto Gregório só produz versos, Vieira só produz prosa não-literária.

Não produzindo literatura, portanto, não podemos dizer que há lirismo em Vieira. Mas, assim como a poesia lírica, seus sermões refletem uma visão de mundo a partir de um ponto de vista pessoal. A grande diferença, além da questão artística, é que enquanto a poesia lírica apenas externa esta visão, a prosa doutrinária (texto organizado em frases e parágrafos que tem o propósito de ensinar princípios religiosos) vai além: externa e tenta convencer o leitor/ouvinte que aquela é a visão de mundo que ele deve seguir.

Essa tentativa de convencimento do leitor é típica da corrente estética conceptista, da qual Vieira é o grande expoente no Brasil. O conceptismo (quevedismo, na Espanha) é a corrente estética do Barroco que privilegia o conteúdo do texto, suas idéias (conceitos - daí o nome) e busca a clareza do raciocínio. Para se assegurar desta clareza, os autores do conceptismo costmam usar muitos exemplos, analogias, comparações e alegorias. E Vieira, nos sermões, particularmente, usa também as perguntas retóricas, que são aquelas perguntas que encerram, no contexto, na verdade, uma afirmação.

Mas e aqueles textos de Gregório de Matos, que é cultista, em que predomina o conceptismo, Bianca?

Esse é um ponto ótimo para ser lembrado! Realmente, embora Gregório de Matos seja um autor cultista, em muitas de suas obras predomina o conceptismo. Geralmente estas obras são os poemas da lírica religiosa em que ele se dirige a Deus (importante notar que é quando Deus é o receptor do texto) e tenta convencê-lo a perdoar seus pecados. Como é necessário, para que o seu pedido seja atendido, que este "leitor presumido" possa acompanhar o raciocínio do eú lírico e ser envolvido por ele, Gregório, nestes poemas, enfatiza a clareza do conteúdo e, assim como Vieira, nos sermões, usa exemplos e comparações para ilustrar seu raciocínio.

Portanto, não só Vieira se aventura na apresentação do ponto de vista do homem seiscentista a respeito da relação do homem com Deus, como também Gregório de Matos fez isso. A diferença principal nessa relação com a religiosidade é que Vieira procura orientar os pecadores, enquanto Matos se posiciona como pecador que procura o perdão, a expiação espiritual (purificação através do sofrimento) e como homem que remoi a insignificância e fragilidade de ser homem, diante da onipotência e eternidade divina. O homem, na poesia religiosa de Gregório de Matos, é o , que está destinado a voltar a ser , a ser nada, enquanto Deus é a fonte da qual emana a eternidade. Oposição típica do Barroco, não é mesmo?

Além da poesia lírica religiosa, Gregório de Matos também se aventurou pela lírica amorosa, como já mencionei no post anterior, sobre Camões, e pela lírica filosófica. Na primeira, o autor vai registrar a oposição entre o desejo e a adoração neoplatônica, entre os dois tipos de amor de que Camões já falava, mas, desta vez, com uma tensão muito maior. Isto porque não apenas sucumbir ao desejo é vivenciar uma forma inferior de amor, como era para Camões, nos textos em que predominava a visão neoplatônica, mas especialmente porque, para o homem Barroco, sucumbir ao desejo é sucumbir ao pecado, é sujeitar-se ao inferno. Daí que, em muitos poemas amorosos, o Boca do Inferno afirma preferir ficar cego a ver a beleza da mulher amada e sentir-se tentado por ela, como no soneto abaixo:

Não vira em minha vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
E ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura:

Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma mulher, que em Anjo se mentia;
De um Sol, que se trajava em criatura:

Matem-me, disse eu, vendo abrasar-me,
Se esta a cousa não é, que encarecer-me
Sabia o mundo, e tanto exagerar-me:

Olhos meus, disse então, por defender-me,
Se a beleza heis de ver para matar-me,
Antes olhos cegeueis, do que eu perder-me.

Na lírica filosófica, por fim, Gregório de Matos expõe as angústias do homem barroco diante da fragilidade humana, da condição passageira de todas as coisas. Trata-se de uma primeira abordagem do tema do carpe diem, do Arcadismo, mas que ainda não é carpe diem, no Barroco. Isto porque carpe diem é aproveitar o momento, e o homem Barroco teme se aventurar por essa fruição e acabar cometendo pecado. No Barroco, essa questão do carpe diem é, na verdade, um lamento, não uma fruição: o poeta lamenta que as coisas sejam passageiras, que a beleza física se acabe e que tudo vá terminar em pó, em nada, como o próprio Gregório de Matos afirma num dos poemas filosóficos.

Uma dica: se a finitude do homem é apresentada num texto sem o uso de imagens religiosas ou a referência direta a Deus, trata-se de um poema da lírica filosófica de Gregório de Matos, ok?

Agora os comentários sobre as respostas das fichas 4 e 5.

Ficha 4

Questão 1 - A condição humana foi abordada no poema a partir de uma perspectiva religiosa, já que existe a referência direta à Igreja. Ilustra, portanto, ideais católicos e contra-reformistas, que excluem diretamente as respostas E e A. A primeira porque menciona "deuses", ou seja, politeísmo, paganismo. A segunda porque afirma que os valores divinos estão em falência, ou seja, que o homem não acredita no poder que emana de Deus, o que contraria a religiosidade do homem seiscentista.
Analisando, a partir desta eliminação, as alternativas restantes, a questão se torna mera interpretaçaõ de texto. Não há referência ao tipo de fim (inferno ou céu) que o homem terá. Portanto, o item C não atende à questão. Também não há referência, no texto de Gregório de Matos, a um comportamento caridoso. Isto elimina, também, o item D.
Resta, portanto, o item B. A interpretação feita nele é perfeita: o texto afirma que Deus faz o homem do pó e que, naquele dia (provavelmente a quarta-feira de cinzas), revela ao homem sua natureza insignificante e inconstante. O primeiro verso, por sua vez, demonstra a inconstância, a efermeridade da vida: o homem é terra e há de se tornar terra, ou seja, sua existência terrena vai passar e ele vai voltar à terra, através da morte, do enterro e da decomposição.

Questão 2 - Nesta questão, a eliminção pode começar a ser feita sem sequer haver a leitura do poema. Isto porque o culto à natureza, do itrem A, não é uma característica do movimento Barroco, e pode ser descartada imediatamente. Os itens B e E também, por dois motivos:

1 - Embora sejam recursos usados pelo Barroco, são também usados por muitas outras escolas literárias. As rimas alternadas não definem, em si, o período em que se produziu um texto. Já a aliteração é uma característica marcante de um movimento literário sim, mas do Simbolismo, que ocorreu no fim do século XIX e é assunto para vocês apenas no ano que vem.
2 - Nenhum deles foi usado no texto: as rimas são emparelhadas e não houve uso de aliterações.

Restam, pois, os itens C e D. O amor cortês pode aparecer no Barroco, como forma de amor neoplatônico e culto a uma dama inacessível. Asim são muitos poemas amorosos de Gregório de Matos. Mas a estrofe em questão não possui temática lírico amorosa, o que descarta a hipótese.

Confirmando a resposta, o item C menciona a forte presença de antíteses, figura de linguagem que, junto com o paradoxo, vai relacionar os opostos que formam a realidade e que foi ostensivamente usada no século XVII. Estas idéias opostas estão presentes no poema nos pares diz x noite, luz x sombras, tristeza x alegria. Perfeita, portanto, a resposta C.


Ficha 5

Questão 1 - O tema é a palavra de Deus, ou, mais precisamente, o frutificar da palavra de Deus. A questão é, porque, com tantos pregadores, não frutifica mais a palvra de Deus.

Questão 2 - Ele compara a palavra de Deus e os corações dos homens, à semente e aos caminhos, respectivamente.

Questão 3 - A citação direta à fala de Cristo: "Diz Cristo que a palavra de Deus frutifica cento por um". Este argumento de autoridade se baseia numa proposição de fé dogmática, a qual nenhum católico do século XVII vai contestar.

Questão 4 - Na nova comparação, ele introduziu um terceiro elemento, o pregador e através da repetição dos exemplos enfatiza a importância deste elemento no frutificar da palavra divina. A importância está no direcionamento argumentativo que o texto vai ter, pois Vieira afirma que a responsabilidade pelo pouco fruto da palavra de Deus não pode ser de Deus e também não é dos homens.

Questão 5 - Por eliminação, pode-se perceber que Vieira vai tentar comprovar que a culpa é do pregador.

Questão 6 - A chave para responder esta questão é identificar o que é idéia central e o que é idéia secundária. O item B é uma citação que o autor fez e que expressa a conclusão que ele tem sobre o assunto, mas que se aplica a uma situação específica. O item A express aa valiação que o autor faz a respeito de um tipo de ladrão, como ele identifica no texto.
O item C, por sua vez, mostra a opinião geral que o autor tem sobre o assunto, e que ele tenta comprovar através de elementos como os anteriores. Uma prova que o roubar pouco é culpa e o muito é grandeza é que os grandes imperadores são ladrões de cidades e reinos, e eles não são condenados por seus atos, enquanto que aqueles que roubam apenas um homem o são. Outra prova é o que acontece com eles: os grandes são poderosos e condenam os pequenos por isso. Portanto, o item C apresenta a visão geral do autor sobre o tema.

Questão 7 -
a) " Navegava Alexandre, o Grande, em uma poderosa armada a conquista a Índia quando foi trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores. Repreendeu-o muito Alexandre por andar em tão mau ofício; porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? "

b) "Não só são ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que vão se banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam exércitos e legiões ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força roubam e despojam os povos. "


31.8.07

Fichas 2 e 3 - Respostas dos exercícios sobre Camões

Ficha 2


Questão 1


Esta questão, assim como as demais desta ficha, exercitam a percepção das noções sobre amor-neoplatônico e amor-sensual que vemos desde o primeiro dia de aula do semestre. O item A questiona com qual dos tipos de realidade, a sensível (realidade em que se realiza o amor sensual) ou a inteligível (plano em que se realiza o amor neoplatõnico) o pedido para ver a mulher amada expressa. Ver é uma ação que depende dos sentidos, o que significa que se relaciona com o plano físico. Portanto, é uma ação sensível, isto é, ligada o mundo físico, das sensções.

O item B, por sua vez, questiona a certeza que o eu lírico tem a respeito do desejo de ver a amada. No questionamento, foi ressaltada a expressão "não sabe o que deseja". Se o eu lírico não sabe o que deseja, é lógico que ele está inseguro quanto ao seu desejo. O motivo da insegurança está em outro verso, também destacado no enunciado: "amor tão fino e tão delgado". Delgado, neste verso, tem o sentido de delicado. O amor que o eu lírico sente, portanto, é um amor delicado, puro, ou que pelo menos deseja se manter assim.


Questão 2

A partir da inversão do hipérbato (ou melhor, da desinversão do hipérbato), duas construções são possíveis: O desejo não quer logo o desejado e O desejado não quer logo o desejo. Como esta segunda é incoerente, percebemos que o que Camões afirma no verso, levando-se em consideração o contexto dele na estrofe, é que para manter perpétuo o estado do amor, ele não deve logo ser concretizado. O desejado, no poema, é a mulher amada, aquela a quem ele pediu para ver. E ele a rejeita, usando uma expressão do poema "por que não falte nunca onde sobeja", isto é, para que não falte nunca aquilo que sobra. Ele não quer vê-la (querendo) por que se ele não a vir, o desejo de vê-la vai se manter. Quanto mais longo o processo de conquista, quanto mais longa a ausência, maior é a saudade e maior é a felicidade de se ter quem se ama.


Questão 3

O item A relaciona a comparação que Camões fez entre o amor e a pedra que cai. Cair, para uma pedra, é uma ação inevitável, pois faz parte dos acontecimentos naturais. É lei da natureza que as coisas sejam atraídas para o chão. Portanto, para respoder a esta questão, é preciso refletir o que o texto afirmou ser inevitável, natural, para o amor. Além disso, a queda também tem uma conotação negativa. Cair significa falhar, não atingir o alto.

Considerando-se, então, tanto a naturalidade, a impossibilidade de agir contra a tal força e sua conotação negativa, a queda do amor é sua transformação em amor sensual.

O item B questiona qual é a solicitação que se faz no poema que ilustra essa transformação. No fim do poema, percebe-se que, indiretamente o eu lírico solicitou à mulher amada para vê-la, ou seja, não resistiu ao desejo, sucumbindo às leis naturais da relação amorosas (e, para os neoplatonistas, sucumbiu a uma baixeza, retirando do amor do plano perfeito das idéias).

O item C, por fim procura saber qual é a força natural que conduz o amor à queda. Trata-se do desejo físico pela mulher amada, que atrai o eu lírico a ela como atrai uma pedra ao chão.




Ficha 3



Sobre os textos 1 e 2


Questão 1 - O texto 1 foi escrito em medida velha e o texto 2 em medida nova.

Questão 2 - O texto 1 apresenta uma mulher mais concreta, pois revela suas características físicas e sua identidade, através de um nome, elementos que não apareceram no texto 2. Neste último nada sobre a mulher foi revelado.

Questão 3 - O texto 1. Nele as repetições estão marcadas no final de cada estrofe, como um refrão. Trata-se de um recurso típico dos textos medievais.

Questão 4 - Considerando-se as rimas toantes (imperfeitas), o esquema de rimas do texto 1 é: ABB ACCAABB CDDCCBB. O do texto 2 é: ABBA ABBA CDE CDE

Questão 5 - O raciocínio lógico é mais importante no texto 2. O texto 1 não passou por etapas lógicas de raciocínio, com princípio, meio e fim. Ele apenas descreve as roupas de Lianor que caminha descalça para a fonte através da relva ou grama. A ordem da descrição: pelos cabelos, mãos, roupas, não tem importância para a compreensão do texto. Já o texto 2 apresenta um raciocínio com início, meio e fim em que relações de causa e conseqüência estão bem marcadas.



Exercícios


Questão 1

Esta questão revê o conceito de paráfrase, que estudamos no primeiro semestre. A paráfrase é a relação de intertextualidade em que há uma relação harmônica entre os dois textos que se relacionam. No caso do texto de Sophia de Mello Breyner Andresen, a paráfrase da visão de amor camoniana é a do amor neoplatônico. Isto se comprova especialmente na conceituação do amor como um "lugar de imperfeição", que reflete a visão neoplatônica de que o mundo físico é imperfeito (e por isso inferior ao mundo inteligível), e no medo de sucumbir ao amor no plano da imperfeição manifesto na passagem"terror de te amar". O eu lírico tem medo de cair na baixeza (como afirmou Camões no poema do exercício da ficha anterior) do amor físico.


Questão 2

Falso - Não há a manifestação do desejo físico nestes versos, mas sim o culto ao amor idéia, visto que a relação amorosa se dá na imaginação.

Verdadeiro - A matéria é um elemento físico, que busca uma realização através daquilo que lhe dá consistência, a forma. Se o amor como matéria simples busca a forma, é porque ele precisa da realização no plano concreto, sensível.

Verdadeiro - Esta é a premissa que se estabelece nos quartetos, nos quais o poeta diz que de tanto pensar na pessoa amada, ela se torna uma parte dele e, sendo assim, ele não precisa tê-la no plano físico, pois já a tem como parte de sua alma.

Verdadeiro - O que acontece "por virtude do muito imaginar" acontece na relação do amador com a coisa amada.

Falso - O primeiro verso afirma apenas que no amor os amantes acabam se transformando no outro. Não houve nenhuma referência à busca pela perfeição, mas sim à busca pela incorporação do amado.




A lírica de Camões

Hello, gafanhotos!

Animados com a Festa do Folclore? É para ficar mesmo, é uma festa muito linda. Só lembrem que durante a aula tá rolando assunto novo, que vai cair na prova. E que, por sinal, as provas começam dia 17... É, depois do Recife Indoor!
Tá ruim? É coisa demais para fazer? Relaxa, que depois piora! Esperem o terceiro ano!

Passado o meu discurso irônico básico, que é para Yuri não sentir falta, vamos ao que interessa: a revisão da lírica classicista de Camões.

Como já vimos um pouco de Gregório em sala, posso adiantar algo que deve ajudar vocês a entender melhor Camões. Ele e Gregório de Matos, nosso poeta barroco, têm alguns traços em comum: ambos na lírica amorosa confrontam o amor-neoplatônico e o amor sensual, os dois produziram textos de ordem filosófica e ambos fazem uso da antítese e do paradoxo. E nisso aí as coincidências param, não só devido ao estilo individual desses artistas, mas também ao estilo da época em que viveram, que se projeta nas suas obras.

Como Classicista, Camões, mesmo diante dos dilemas existenciais e amorosos, apresenta um ponto de vista sereno. Isto porque o Classicismo é marcado por uma confiança na ciência, no equilíbrio, na razão. Mesmo o Classicismo português tendo influências medievais, estas afetaram mais a estética (na produção de poemas em medida velha). Os dilemas da existência humana e da vivência amorosa são apresentados de forma despersonalizada, direta, em linguagem muito mais simples do que a linguagem do Barroco.

Como assim "forma despersonalizada"?

Seguinte: no Classicismo, existe uma tendência de se buscar aquilo que é universal, as regras que valem para todos. Por isso vimos que Camões procura o Amor (com A maiúsculo) e a Mulher, que são as idéias perfeitas (e tome Platão nisso) que existem por trás da vivência particular do amor e por trás da existência de cada mulher. Quando Camões afirma que "Amor é um fogo que arde sem se ver" ele não fala de uma experiência amorosa que um eu-lírico particular tem com um amante específico. Ele fala que em todas as vivências do amor, este sentimento é contraditório. O amor é assim para todas as pessoas, em todos os lugares e em todos os tempos.

No caso da mulher, há um fenômeno semelhante. Lembrem-se que nos poemas em medida nova, Camões refere-se à mulher como Dama, Senhora. Ela não tem nome, não tem identidade, não é uma mulher em particular. Qualquer homem apaixonado pode fazer um ctrl+c ctrl+v e oferecer o poema de medida nova de Camões a qualquer mulher. O mesmo não acontece com a poesia camoniana de medida velha.

Não lembra o que é a poesia de medida nova e a de medida velha? Bora relembrar então:

* A poesia de Camões que tem estética medieval é a poesia em medida velha. Ela segue os padrões das cantigas de amor e de amigo do período medieval, estruturando-se em mote (tema, apresentado numas estrofe curta, geralmente um dístico - estrofe de dois versos - ou terceto - estrofe de três versos) e glosas, ou voltas (as demais estrofes que desenvolvem o tema). Os versos seguem a métrica medieval, a redondilha, e como inovação no conteúdo existe a apresentação de uma mulher concreta (com características físicas e nome - Lianor por exemplo) e uma expressão do amor por essa mulher concreta, ou, ainda, a expressão do amor que esta mulher sente - e isso NUNCA acontece na poesia em medida nova.

* Essa poesia em medida nova, portanto, é aquela que segue a estética classicista. Ela pode se estruturar em sonetos (poemas de 14 versos, geralmente distribuídos em dois quartetos e dois tercetos - forma conhecida como soneto italiano), oitavas (estrofes de oito versos) e sextinas (estrofes de seis versos). Seus versos seguem a métrica clássica, o verso decassílabo. O conteúdo desse tipo de texto, expresso em écoglas (poema de temática pastoril, estruturado em forma de diálogo), odes (poema elogioso e alegre) ou elegias (poema lamentoso e triste), é a expressão do amor-neoplatônico, que tende ao universalismo, e a reflexão filosófica sobre o desconcerto do mundo.

Feita a revisão, retomemos o ponto nevrálgico da distinção do estilo de Camões e de Gregório, que acaba sendo a distinção também do estilo do Classicismo e do Barroco.

Como eu já escrevi mais acima, a serenidade e a universalidade com que Camões trata os dilemas humanos são os pontos que claramente diferenciam este autor de Gregório de Matos (e o Classicismo do Barroco). Outro ponto também em que a oposição entre eles se faz sentir é na forma de construir o texto, é na linguagem. Mesmo usando em muitos dos seus textos a antítese e o paradoxo, a forma como Camões o faz é bem distinta da forma como o Barroco utiliza estes recursos. Isto porque o Classicismo deseja equilibrar o mundo, conciliar os contrários, enquanto o Barroco se angustia pela impossibilidade de fazê-lo. Observe como isso se dá com os dois exemplos abaixo:

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.


Acredito não ser difícil perceber que o primeiro texto exagera o uso das antíteses e dos paradoxos, enquanto o segundo não. No primeiro soneto, os contrários estão presentes praticamente em todos os versos, e o eu-lírico não consegue conciliá-los. Daí ele fazer uso, no segundo quarteto, de várias perguntas retóricas (aquelas que se faz para que o próprio autor tente responder no texto) que mostram seu desconforto frente aos opostos mencionados anteriormente. Por sinal, estas oposições serviram para ilustrar a idéia presente nos dois sonetos: a da fucagidade das coisas do mundo, da impermanência dos estados. Não só o primeiro soneto mostra desconforto diante desta realidade através do exagero estilístico e das perguntas retóricas, como ele também manifesta pessimismo, ainda que leve.

O segundo soneto, por sua vez, tem uma atitude bastante diferente. Note que além de as antíteses estarem em menor número e localizadas em apenas um pedaço do texto, o autor não demonstra angústia ou desconforto diante da realidade. Seu poema apenas faz uma constatação do que acontece na vida. A contenção emocional deste poema é típica da contenção emocional classicista, e típica da contenção emocional camoniana também.

Isto não quer dizer que Camões não expresse emoções em seus poemas. Apenas que ele faz isso de uma forma equilibrada, o que percebemos principalmente se confrontarmos seus textos com os de autores de escolas literárias que se pautaram na emocionalidade, como o Barroco e o Romantismo.


Por hoje é isso. Respostas das fichas de Camões durante o fim-de.
Beijinhos para vocês!

23.8.07

De volta à ativa

Olá, pessoas!

Tá vendo, Yuri, não chamei ninguém de monstrinho do pântano lindinho dessa vez. Sou uma professora menos sarcástica na volta das férias. Pelo menos um pouquinho! :P

Eu fiquei em falta com vocês nestas três semanas após o nosso retorno, mas compenso com as respostas das fichas 1, 2 e 3 todas de uma vez (rima toante bonitinha essa né?) e, no processo, uma revisão básica sobre os conteúdos desse quase primeiro mês de aula.

Comecemos então pela Ficha 1, da nossa poética aula sobre o amor na contemporaneidade com Anna Julia e Tchuchuca. Quando debatemos o texto em sala de aula, nós vimos que, resguardadas as disparidades de visão de mundo e da classe social que pretensamente representam, em comum as duas canções têm a declaração de um eu lírico à mulher amada (o que responde nossa questão 1). As disparidades encontram-se na atitude do eu lírico diante do universo feminino, seu modo de encarar o amor. Em Anna Julia, o eu lírico porta-se com admiração, não transparece desejo sexual e se oferece àquele relacionamento mesmo diante da impossibilidade de este se concretizar. Note bem que mesmo sabendo que ele não tem chance com a amada, o eu lírico afirma que irá tentar reconquistá-la (como, se ele nunca a teve "Nunca acreditei na ilusão de ter você pra mim", é que eu não sei).

Já em Tchuchuca, à primeira vista, a impressão que se tem é de que há total ausência de admiração, pois a letra consiste no pedido de contato sexual entre o eu lírico e a Tchuchuca. Se observarmos, no entanto, que o termo Tchuchuca não tem conotação depreciativa, que o diminutivo "pretinho" tem, no contexto, uma conotação carinhosa e que o outro apelido usado, Tigrão, demonstra uma relação de intimidade, não podemos afirmar que o eu lírico não se importa com os sentimentos de sua Tchuchuca. Pelo menos carinho ele promete que, com ele, ela terá.

Objeto de admiração no primeiro texto e de desejo no segundo, a mulher, em ambos os casos, não tem voz ou personalidade definida. Quem é Anna Julia e Tchuchuca, o que pensam sobre o mundo, não sabemos.

Como você pode perceber, as considerações acima respondem à questão 2.

A última questão da ficha questiona o sucesso que duas canções, com pontos de vista tão diferentes sobre a mulher (objeto de admiração e objeto de desejo sexual), obtiveram praticamente no mesmo período de tempo. O ritmo das duas é bastante distinto, portanto não pode ser uma justificativa consistente. A linguagem é popular, mas a de outras canções da mesma época também era e nem por isso se tornaram tão marcantes assim. Além disso, apenas a linguagem ser acessível não faz com que o público possa se identificar com duas visões de mundo tão distintas se, previamente, esta identificação já não existir. Assim, a conclusão mais lógica é que tanto uma quanto outra visão a respeito da mulher e do relacionamento amoroso são igualmente aceitas pela grande massa consumidora de música.

Estas duas visões, conforme estudamos na Ficha 2, fazem parte dos relacionamentos humanos há muito tempo. Já na Grécia antiga, o filósofo Platão percebeu que existem nos relacionamentos amorosos os dois componentes: o desejo sexual e a admiração metafísica (a admiração pela alma, pelos elementos imateriais que formam a pessoa). Para ele, não há nada de errado nisso, desde que o relacionamento não se baseie apenas no desejo. Segundo Platão, como o desejo está ligado a uma satisfação física, é um sentimento que se liga ao mundo sensível, o mundo físico, que é uma reprodução imperfeita de uma outra realidade, o mundo das idéias. Portanto, apenas o desejo físico é uma forma de relação superficial e imperfeita. Os seres humanos, para viverem o amor de forma plena, devem se aprofundar na admiração metafísica, no amor-idéia, que se liga ao plano existencial imaterial. O amor à humanidade em geral (como o amor de Cristo, que se sacrifica pela humanidade não como ela é, mas como ela pode vir a ser), o amor à pátria, o amor que ignora defeitos físicos, deficiências físicas, cognitivas, mentais, são exemplos dessas formas de amor-idéia, mais elevados do que o amor físico, porque ligados a uma realidade mais perfeita.

Repare que não há, na teoria de Platão, a rejeição pelo amor-desejo. Quem primeiro, no campo da filosofia, vai fazer essa rejeição é Plotino, um filósofo do século III que revisitou as teorias de Platão (por isso ele é chamado de neo-platônico). Plotino associou as idéias de Platão a certos elementos da moral cristã e transformou a distinção de Platão em oposição. Para Plotino o amor-desejo é uma forma baixa de amor, pecaminosa, porque se liga a um plano inferior de existência. O homem, para elevar-se, deve, necessariamente, abandonar o amor-desejo e vivenciar apenas o amor-idéia. Por isto, neste conceito de amor neoplatônico, o amor não precisa ser correspondido para que o amante se sinta feliz. Basta amar para que o amor seja realizado.

Como você pode perceber, esta dualidade, amor-desejo x amor-idéia, faz parte do pensamento ocidental desde as nossas raízes. A literatura não poderia, então, ser alheia a ele, e o reproduziu ao longo dos séculos, com maior ou menor ênfase no desejo ou na idéia, de acordo com a visão de mundo predominante na época. Mudaram-se os tempos, mas a essência do sentimento humano mais importante permaneceu praticamente inalterada. A alteração principal aconteceu na forma de expressá-lo, no conceito de estética dos movimentos artísticos que conformam a literatura brasileira desde a nossa colonização. E é justamente estas diversas formas de expressão em que vamos nos concentrar ao longo do semestre.

No próximo post, revisão sobre Camões e as respostas das fichas 2 e 3.

Beijinhos e bom restinho de fim de semana!

17.6.07

O Guarani

Olá pessoas,

Desculpem a ausência, mas estou me recuperando de uma crise brabinha de asma. Como ficou prometido um material sobre O Guarani para a aula de sábado, e promessa é dívida, olha os slides aí.

E antes que alguém se sinta seguro: é CLARO que o resumo NÃO está completo e é CLARO que só estudar por aqui NÃO é o suficiente para fazer a semestral. LEIAM o livro! : )

Beijinhos e até amanhã!


O Guarani é um livro que se insere, mutuamente, na classificação de indianista e histórica da prosa romântica. A produção do Romantismo em prosa não tem classificação em gerações, mas sim em temas: prosa urbana (ou de costumes), regionalista, histórica e indianista. O Guarani se encaixa nestas últimas duas porque recria elementos da história do Brasil (D. Antônio Mariz, por exemplo, realmente existiu, e se retirou do Rio de Janeiro para a Paraíba quando Portugal perdeu a independência e ingressou na União Ibérica) e faz a exaltação do índio "bom selvagem". Sendo um romance, apresenta várias inovações estruturais em relação aos textos narrativos que fizeram parte da Era Clássica da Literatura. Vamos relembrá-los:


Gêneros Literários da Era Clássica da Literatura:
· lírico
· dramático
· épico


Gêneros Literários da Era Moderna da Literatura:
· lírico
· dramático
· épico
· narrativo (romance, novela, conto, crônica)


Romance x Epopéia:

Estrutura:
1. Romance: prosa e capítulos
2. Epopéia: versos e cantos

Conteúdo:
1. Romance: variado, visa satisfazer a imaginação do leitor
2. Epopéia: texto de cunho nacionalista

Herói:
1. Romance: símbolo de humanidade, através da conquista individual satisfaz o desejo de conquista individual do leitor, através da cartase
2. Epopéia: símbolo da civilização, através da conquista individual promove uma conquista coletiva, satisfazendo o desejo de identidade nacional do seu povo.


Para ficar bem clara essa distinção em termos de conteúdo e da posição de herói, deixem-me esmiuçar esses elementos. A epopéia, como estudamos, é um texto que serve, principalmente, para se exaltar os feitos de uma nação, através da conquista de um herói que simboliza essa nação. Assim, quando Vasco da Gama conquista o oceano Atlântico em Os Lusíadas, a vitória não é só de Gama, mas de Portugal. O romance, porém, é individualista. Seu compromisso não é com uma nação, mas com o seu leitor. Por isso, é importante para ele que seus personagens possam projetar identificação não pelos leitores de uma nação apenas, mas por qualquer ser humano. É por isso que um romance inglês, francês ou alemão vão fazer sucesso em vários outros países: porque neles não se reconhece os conflitos que envolvem uma nação, mas os conflitos que envolvem qualquer ser humano. A conquista do herói romântico é individual, e, ao mesmo tempo, representa a satisfação do objetivo de qualquer pessoa. Peri, por exemplo, tem como único objetivo, em O Guarani, conquistar Cecília. É uma conquista individual, apenas, mas que representa o anseio de qualquer pessoa, de conquistar o amor de quem se gosta.

Sabendo disso, vamos aos elementos da obra e seu enredo.

1. Tempo: cronológico, em 1604, durante o período em que Portugal perde a independência política e forma a União Ibérica com a Espanha.

2. Espaço: estado da Paraíba, às margens do Rio Paquequer, afluente do rio Paraíba.

3. Narrador: onisciente, em 3ª pessoa.

4. Enredo: No início do século XVII, um dos fundadores do Rio de Janeiro, o fidalgo português D. Antônio de Mariz, em protesto contra a dominação espanhola (1580-1640), estabelece-se em plena floresta, construindo um verdadeiro castelo medieval, onde mora com sua família. Junto à sua casa, vive um bando de mais ou menos quarenta aventureiros. Estes homens entram no sertão, fazendo o contrabando de ouro e pedras preciosas e deixam-lhe um percentual.
Deles destacam-se dois: Álvaro de Sá, que ama respeitosamente Cecília ( e é amado por Isabel), e Loredano.
Um dia, Cecília é salva pelo índio Peri, um jovem cacique. Peri passa a viver então junto a eles, numa pequena cabana, pois tivera uma visão de Nossa Senhora, a qual lhe ordenara que a servisse e Ceci tinha as mesmas feições da Virgem Maria. Ceci sente medo do índio, mas depois de vários feitos que demonstram a devoção do índio percebe seu espírito nobre ("É um cavalheiro europeu no corpo de um selvagem").
Certo dia, por acidente, D. Diogo mata a filha do cacique dos aimorés. Os aimorés ("povo sem pátria e sem religião") querem vingança, exigindo em troca a vida de Ceci.
Peri, fiel aos portugueses, parte para o acampamento dos inimigos. Lá é preso e levado para o ritual antropofágico, mas ingere então poderosa dose de curare, um veneno terrível, pois, assim, quando os selvagens o devorassem, morreriam todos. É resgatado por Álvaro de Sá e diante da exigência de Ceci que ele tente se salvar, vaga pela floresta até encontrar o antídoto.
Loredano se amotina com os capangas e planeja matar toda a família, mas é desmascarado por Peri. Sem alternativa de resistência, D. Antônio chama o índio e diz que, se este se tornasse cristão, lhe confiaria a filha para que tentasse levá-la à civilização. O herói aceita e foge então com Ceci para o rio Paquequer onde escondera uma canoa. Ouve-se uma grande explosão.

Elemento de destaque na obra: o papel de índio
A leitura de O guarani seria superficial sem uma reflexão sobre a ideologia sobre a identidade indígena apresentada na obra. Há três elementos indígenas no texto de Alencar, que vão se chocar ideologicamente, representando aquilo que a sociedade do século XIX vai aceitar e condenar, ou seja, refletindo o que se entendia que seria o bom índio, que deve ser aceito, e o índio mau, que deve ser rejeitado. Veja só:

*Peri: protege Cecília, torna-se cristão, volta-se contra os povos indígenas, abandona a floresta (mas não se atreve a ir à cidade).
*Isabel: permanece sempre ao lado dos brancos, civilizada.
*Aimorés: antropófagos, vingativos, terríveis, devem ser mortos.

Assim, o índio aculturado, que vive com os brancos (como Isabel) ou que é a eles subserviente (como Peri é, de forma até religiosa, a Cecília), são os bons índios, por cuja felicidade e sucesso o leitor é levado a torcer. Já o índio "in natura", não aculturado, é o vilão perigoso, que deve ser morto porque é ameaçador. O índio que não sente necessidade de ser como branco ou estar junto a ele é rejeitado na obra e não há mal nenhum em sua morte, afinal ele não passa de um selvagem.

Esta ideologia é fruto histórico do apagamento das marcas de identidade do nosso indígena na literatura brasileira. O índio que começa o Quinhentismo, em sua cultura, alvo de admiração e preconceito, ao mesmo tempo, no Arcadismo se transforma no índio que precisa do homem branco para ser salvo (dos jesuítas, em O Uraguai, ou do pecado e do paganismo, em Caramuru) e, finalmente, no Romantismo, é o índio que se despe de sua cultura por ter um caráter naturalmente bom, e, por isso, é um ser civilizado, com quem se pode conviver harmoniosamente. Aquele que não se encaixar neste perfil é mau, é rejeitado pelo leitor, e terá seu fim trágico assegurado na obra.

Bom, é isso. Espero que ajude a leitura da obra.
Boas provas!

13.6.07

Identidade Nacional - A crítica social no Romantismo

Meus monstrinhos do pântano lindos!!!!

Ainda não completamente boa da tendinite, dormindo cinco horas por noite, terminando de reformular umas coisinhas lindinhas da nossa fofíssima prova semestral, volto aqui para deixar o último conteúdo visto em slide e que estava faltando aqui: a crítica social da geração abolicionista do Romantismo.

Para começar, lembrem-se que esta geração também se chama condoreira, em decorrência das referências constantes às aves de grande altitude (o condor em especial pela imponência e por ser uma ave sul-americana), que vêem melhor do que os outros animais. Como todo bom romântico, o pessoal da 3ª geração ainda "se acha". E se acha especial exatamente como estas aves: eles acreditam que enxergam melhor que os outros seres humanos, pois eles percebem os defeitos da sociedade e hasteiam a bandeira de luta para que as desigualdades sejam combatidas. Essa bandeira é justamente hasteada através da arte, um instrumento de modificação social, na perspectiva deles.

Outro nome para este mesmo grupo de escritores é geração hugoana, nome que se refere a Victor Hugo, grande escritor francês que inspira os nossos poetas. A grande obra prima de Victor Hugo é o romance Os miseráveis. Em sua produção se destaca também O corcunda de Notre-Dame. Ambas as obras defendem os excluídos da sociedade.

Essa preocupação social dos românticos da 3ª geração faz com que eles superem, em parte, o egocentrismo que marca o seu movimento literário. Em parte porque, embora os problemas dos outros (no Brasil, a vida sofrida dos escravos) se tornem mais importante do que os problemas pessoais dos autores, e embora eles procurem produzir uma arte engajada em causas sociais, eles ainda se percebem como o poeta-gênio iluminado por Deus e superior aos outros homens, único ser a ver as coisas como ela realmente são e destinado pelo seu dom a modificar o mundo.

Vimos em sala, também, sobre Castro Alves (1847 – 1871) que:

* O poeta dos escravos é baiano de nascimento e estudou Direito em Recife e São Paulo.
* Produziu poesia lírica e social (Espumas Flutuantes e A cachoeira de Paulo Afonso), poesia épica (Os escravos) e teatro (Gonzaga e a Revolução de Minas).
* Faleceu aos 24 anos em decorrência de um tiro no pé.
* Usa uma linguagem grandiosa:
**Gosto acentuado pelas hipérboles (exagero)
**Presença constante de espaços amplos (mar, céu, infinito, deserto)
**Grande carga emocional na denúncia dos problemas sociais (manifesta principalmente através de exclamações e de interjeições).

Para terminar, fiquem com um dos textos deste autor que foram lidos em sala. Mais textos dele estão disponíveis nos dois livros didáticos indicados no início do ano e na internet. As obras completas de Castro Alves, por exemplo, vocês podem encontrar no site Jornal de Poesia (recomendo muito!)

Navio negreiro (excerto)

III

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...


Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...


Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!


E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...

Fazei-os mais dançar!..."

6.6.07

Identidade nacional - A crítica social no Arcadismo

Olá, pequenos gafanhotos!

De volta a essa vida de nerd! Meu fofíssimo voltou da manutenção aparentemente lindo, cheiroso, novinho e sem danos! Espero que sem dano nenhum mesmo, mas não tem nem como confirmar por enquanto. Bora ver.

Aproveitem esse lapso da greve para estudar. Provavelmente as datas dos simulados estarão mantidas então botem pra quebrar nos estudos daqui pra segunda. E moderação no São João da Capitá: pouco sono e muito quentão fazem mal aos neurônios!

Vamos ao que interessa: devido à minha crise desinformatizada eu não consegui postar os slides da aula de Arcadismo. Aqui estão: divirtam-se! Vou esperar um pouco e amanhã eu posto os slides da aula sobre a 3ª geração do Romantismo e os trechos de texto. E no fim de semana fica a vez para o gabarito da ficha de revisão (quem não recebeu ainda vai receber, ok?)

Beijinhos e até o retorno!


A crítica social do século XVIII - Cartas chilenas e a Inconfidência Mineira

O contexto histórico de Portugal pós-União Ibérica não era dos mais promissores. Embora as idéias iluministas tenham finalmente chegado ao governo português, a estagnação econômica do país durante a regência espanhola deixou o Tesouro português em maus lençóis. O rei D. José I e seu primeiro-ministro, Marquês de Pombal, ambos no governo de 1750 a 1777 bem que tentaram a modernização do país, através de um governo déspota, mas o fato é que Portugal perdera, então, completamente, o brilho conquistado duzentos anos antes. Marcam o contexto português:

•D. José assume o reino e nomeia como primeiro-ministro o Marquês de Pombal (de 1750 a 1777).
•Despotismo esclarecido português.
•Destruição de Lisboa em terremoto (1755)
•Reformas de tendência iluminista. Expulsão dos jesuítas.
•Morte d D. José, queda de Pombal. Regência de Maria I, a rainha louca.


No Brasil, a situação também não é das melhores. As ruínas econômicas de Portugal se refletem diretamente na exploração que a corte aristocrática da Metrópole faz das riquezas da colônia. E tendo sido feita, na colônia, a descoberta de ouro, a exploração portuguesa, para manter o luxo e a pompa de sua elite, se fez sentir de forma cada vez mais sufocante. A insatisfação dos colonos foi se tornando cada vez mais inquietante e não tardou então para que os ideais democrátricos iluministas, que fundamentaram a Independência dos EUA (1776) e a Revolução Francesa (1789) se fizessem sentir aqui também. Infelizmente, nossa Conjuração Mineira (1789) foi sufocada antes de se efetivar qualquer manobra revolucionária.
Fizeram parte do contexto histórico brasileiro:

•Exploração do ouro na região de Minas Gerais.
•Urbanização do sudeste.
•Progresso econômico, advindo da necessidade administrativa.
•Esgotamento das Minas.
•“Arrocho” econômico: cobrança de pesados impostos para a ostentação da corte portuguesa. Derrama.
•Insatisfação social. Formação de grupos de discussão intelectual.
•Formação de um sistema literário brasileiro.
•Inconfidência Mineira (1789)

Neste contexto de insatisfação, a literatura se firma, como aconteceu no século anterior, como instrumento de manifestação da criticidade de seu povo. Agora, porém, há uma conquista que precisa ser assinalada: enquanto no Barroco temos a expressão de dois gênios individuais, em manifestações literárias esparsas, no Arcadismo constituem-se, finalmente, as três bases para a consolidação do nosso sistema literário: público consumidor, grupo de autores que compartilham ideais estéticos e circulação efetiva de textos literários escritos nas comunidades. No tocante à produção crítica quanto à nossa identidade, esses textos escritos são justamente os treze poemas que compuseram as Cartas chilenas, escritos por Tomás Antônio Gonzaga.
Sobre Gonzaga, não esqueça:

•Filho de um magistrado brasileiro, nasceu em Porto, Portugal. Retornou ao Brasil aos sete anos.
•Estudou com os jesuítas, na cidade da Bahia até os dezessete anos, quando volta a Portugal para estudar Direito em Coimbra.
•Ocupou importantes cargos jurídicos em Vila Rica.
•É o autor dos poemas líricos de Marília de Dirceu.
•Preso pelo envolvimento na Conjuração Mineira, ficou três anos detido numa prisão no Rio de Janeiro e depois foi condenado a dez anos de degredo em Moçambique.
•Casou-se com a filha de um rico traficante de escravos moçambicano e dada a influência do sogro voltou a ocupar postos importantes na burocracia portuguesa.
•Morreu no continente africano.

Sobre as Cartas chilenas, lembre-se de que:

• São a compilação incompleta de 13 poemas satíricos que circularam entre 1787 e 1788.
•O autor usa o pseudônimo Critilo e se dirige a Doroteu (identidade atribuída a Cláudio Manoel da Costa) criticando Fanfarrão Minésio (o governador Luís da Cunha Meneses).
•A maior importância deste texto é o painel social e político que ele descreve. Assim como a sátira de Gregório de Matos no século XVII, Gonzaga nos mostra a fragilidade da estrutura política colonial e os abusos praticados pelo governador da capitania de Minas.


Para não confundir as Cartas chilenas com a sátira de Gregório de Matos, fique atento aos seguintes aspectos:

•Os poemas que compõem as cartas chilenas são anônimos. Gregório declamava seus textos publicamente.
•Gregório faz uso de textos curtos, como o soneto. A estrutura das Cartas chilenas é de um poema longo, sem estrofação e com muitos versos brancos.
•O Boca do Inferno fazia uso de palavras de baixo calão em muitos de seus textos, além de ridicularizar quem criticava por seus defeitos. O texto de Gonzaga é sóbrio na linguagem e na crítica, embora também faça ataque pessoal.


Para terminar, os dois trechos que vimos em sala:

A lei do teu contrato não faculta
que possas aplicar aos teus negócios
os públicos dinheiros. Tu, com eles,
pagaste aos teus credores grandes somas!
Ordena a sábia Junta que dês logo
da tua comissão estreita conta;
o chefe não assina a portaria,
não quer que se descubra a ladroeira,
porque te favorece, ainda à custa
dos régios interesses, quando finge
que os zela muito mais que as próprias rendas.
Por que, meu Silverino?


***********************************************
Agora, Fanfarrão, agora falo
contigo, e só contigo. Por que causa
ordenas que se faça uma cobrança
tão rápida e tão forte contra aqueles
que ao Erário só devem tênues somas?
Não tens contratadores, que ao rei devem
de mil cruzados centos e mais centos?
Uma só quinta parte que estes dessem,
não matava do Erário o grande empenho?
O pobre, porque é pobre, pague tudo,
e o rico, porque é rico, vai pagando
sem soldados à porta, com sossego!
Não era menos torpe, e mais prudente,
que os devedores todos se igualassem?
Que, sem haver respeito ao pobre ou rico,
metessem no Erário um tanto certo,
à proporção das somas que devessem?
Indigno, indigno chefe! Tu não buscas
o público interesse. Tu só queres
mostrar ao sábio augusto um falso zelo,
poupando, ao mesmo tempo, os devedores,
os grossos devedores, que repartem
contigo os cabedais, que são do reino.

23.5.07

Identidade nacional - A crítica social no Barroco

O Barroco é o principal movimento artístico do século XVII. É considerado a arte da Contra-Reforma, pois sua visão de mundo está profundamente ligada à angústia existencial do homem cristão. Esse caráter se manifesta de maneira mais clara na poesia lírica de Gregório de Matos, que será estudada no segundo semestre. Por agora, como nosso recorte temático se concentra nas visões da literatura colonial e romântica a respeito da identidade nacional brasileira, vamos nos afastar desse caráter mais próprio do Barroco para estudar um elemento particular da produção literária de Gregório: a poesia satírica.

Os poemas satíricos remontam desde o início da literatura. A arte sempre serviu para, não só exaltar sentimentos pessoais, mas também denunciar a realidade à sua volta. E é exatamente isso que a sátira procura fazer. Às vezes ácida, às vezes bem-humorada, ela expressa a desaprovação que o artista tem de um indivíduo, um comportamento ou uma situação em geral. Está presente nas piadas, nas charges, nas esquetes humorísticas de televisão.

No caso da sátira de Gregório de Matos, há uma relação direta com as cantigas de escárnio e de maldizer medievais. O movimento Barroco, de uma maneira geral, resgata uma visão de mundo teocêntrica e medieval, e Gregório de Matos não se afasta dessa tendência, nem na produção lírica nem na satírica. Há, porém, uma liberdade formal muito maior em seus textos satíricos, visto que são considerados mais populares, menos sérios. O que não é, necessariamente, se afastar da tradição medieval: essas cantigas de escárnio e de maldizer não seguiam modelos rígidos, justamente por serem produzidas por artistas populares, de rua. Característica que Gregório de Matos manteve não só na forma mais livre de seus textos como na perfomance que fazia para que viessem a público - ele os declamava em praça pública, nas ruas de Salvador.

Não vou me alongar mais. Deixo para vocês os slides que foram vistos em sala de aula. Na dúvida, gritem!


Contexto histórico em Portugal:

•União Ibérica
•Sebastianismo
•Absolutismo
•Estagnação de Portugal
•Acirramento da Contra-Reforma

Contexto histórico no Brasil:

•Comércio extensivo da cana-de-açúcar
•Exploração da colônia
•Formação das primeiras cidades
•Invasões holandesas no nordeste

Pe. Antônio Vieira (1608-1697)


•Português, veio para o Brasil com 7 anos de idade.
•Padre jesuíta, ordem na qual ingressou aos 15 anos.
•Conselheiro de D. João IV e mediador político e representante econômico de Portugal
•Sua produção se compõe, principalmente de cartas e sermões, sendo de maior destaque estes últimos.
•Criticou a presença de holandeses em Pernambuco (por serem invasores e calvinistas), defendeu os índios e os judeus, o que o indispôs com muitos, principalmente com os pequenos comerciantes, os colonos que escravizavam índios e até com a Inquisição.
•Foi condenado à prisão por dois anos pelo Tribunal da Santa Inquisição.
•“Vieira era, então, o homem mais odiado de Portugal. E quanto mais era odiado pela Inquisição, mais a desafiava” (Ana Maria Miranda, no romance Boca do Inferno ).

Trecho do Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda (1640)

Finjamos pois — o que até fingido e imaginado faz horror, finjamos que vem a Bahia e o resto do Brasil a mãos dos holandeses: que é o que há de suceder em tal caso? Entrarão por esta cidade com fúria de vencedores e de hereges; não perdoarão a estado, a sexo nem a idade; com os fios dos mesmos alfanjes medirão a todos. Chorarão as mulheres, vendo que se não guarda decoro à sua modéstia; chorarão os velhos, vendo que se não guarda respeito às suas cãs; chorarão os nobres, vendo que se não guarda cortesia à sua qualidade; chorarão os religiosos e veneráveis sacerdotes, vendo que até as coroas sagradas os não defendem; chorarão, finalmente, todos, e entre todos mais lastimosamente os inocentes, porque nem a estes perdoará — como em outras ocasiões não perdoou — a desumanidade herética. Sei eu, Senhor, que só por amor dos inocentes dissestes vós alguma hora que não era bem castigar a Nínive. (...)
Entrarão os hereges nesta igreja e nas outras; arrebatarão esta custódia em que agora estais adorado dos anjos; tomarão os cálices e vasos sagrados, e aplicá-los-ão a suas nefandas embriaguezes. Derrubarão dos altares os vultos e estátuas dos santos, deformá-las-ão a cutiladas, e metê-las-ão no fogo, e não perdoarão as mãos furiosas e sacrílegas nem as imagens tremendas de Cristo crucificado, nem as da Virgem Maria. Não me admiro tanto, Senhor, de que hajais de consentir semelhantes agravos e afrontas nas vossas imagens, pois já as permitistes em vosso sacratíssimo corpo; mas nas da Virgem Maria, nas de vossa Santíssima Mãe, não sei como isto pode estar com a piedade e amor de Filho.
No Monte Calvário esteve esta Senhora sempre ao pé da cruz, e com serem aqueles algozes tão descorteses e cruéis, nenhum se atreveu a lhe tocar nem a lhe perder o respeito. Assim foi e assim havia de ser, porque assim o tínheis vós prometido pelo profeta: Flagellum non apropinquabit tabernaculo tuo *. Pois, Filho da Virgem Maria, se tanto cuidado tivestes então do respeito e decoro de vossa Mãe, como consentis agora que se lhe façam tantos desacatos? Nem me digais, Senhor, que lá era a pessoa, cá a imagem. Imagem somente da mesma Virgem era a Arca do Testamento, e só porque Oza a quis tocar, lhe tirastes a vida. Pois, se então havia tanto rigor para quem ofendia a imagem de Maria, por que o não há também agora? (...)


Gregório de Matos Guerra, o Boca do Inferno (1633-1696)

•Baiano, estudou no Colégio dos Jesuítas em Salvador e depois cursou Direito em Coimbra .
•Seus poemas satíricos, cujo alvo principal eram o governador Antônio de Souza Menezes, o Braço de Prata, renderam-lhe um período de degredo em Angola, do qual só retornou sob a condição de não produzir mais sátiras e não regressar a Salvador.
•Sua sátira o aproxima dos poetas populares da Idade Média.
•Era irreverente como pessoa e como artista: chocava-se pessoalmente com a falsa moral baiana e usava em suas sátiras palavras de baixo calão; tinha comportamento indecoroso e em suas denúncias não se curvava ao poder de autoridades políticas ou religiosas.
•Na sátira não poupou palavrões e foi além do mero português de baixo calão: inaugurou o uso de uma língua diversificada, cheia de termos indígenas e africanos, gírias e expressões locais
•Temas principais estão a crítica ao governador, ao clero, aos comerciantes, à sociedade e à cidade.


Os poemas de Gregório de Matos não foram intitulados por ele. As glosas (referências de tema que passam a agir como título de um texto) que receberam foram dadas pelos estudiosos da obra do Boca do Inferno a partir do século XIX. Não deixarei as glosas dos textos, alguns dos poemas que vimos em sala. Para mais textos, vocês podem consultar o site Jornal de Poesia (www.secrel.com.br/jpoesia). Lá é só buscar no menu da letra G o nome do autor. Muita coisa que não pôde ser vista em sala, por n motivos está lá!


Senhor Antão de Souza Meneses,
Quem sobe o alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.

A fortunilha autora de entremezes
Transpõe em burro o Herói, que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo o homem desce,
Que discreta a fortuna em seus revezes.

Homem (sei eu) que foi Vossenhoria,
Quando pisava da fortuna a Roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.

Pois vá descendo do alto, onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser homem embaixo, do que burro em cima.



A cada canto um grande conselheiro,
que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem governar sua cozinha,
e podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um freqüentado olheiro,
que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
para a levar à Praça, e ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
trazidos pelos pés os homens nobres,
posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados,
todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia.

20.5.07

Auto da Festa de São Lourenço

Quando eu prometo, eu cumpro. E aqui aos 45 do segundo tempo (ou melhor, do domingo, quinze minutinhos para daqui a pouco ser amanhã) eu deixo aqui as respostas da ficha sobre o auto de Anchieta que estudamos na última segunda-feira. Até daqui a algumas horas!

Compreendendo a estrutura do texto

Questão 1 - Logicamente nem tudo o que foi escrito por Anchieta na peça será dito pelos atores. Mesmo uma leitura feita sem tanta atenção reconhece isso. Os trecho que não pertencem às falas dos personagens são as rubricas da peça. São instruções sobre o que se deve fazer em que momento, como devem ser os figurinos, o cenário, a iluminação. Como o teatro de Anchieta é rústico e feito em condições precárias, nas rubricas do trecho que lemos estão apenas indicações sobre o assunto da peça e sobre as ações dos atores. Em peças mais sofisticadas, o autor indica o que imaginou para a sonoplastia, maquiagem, efeitos especiais, etc.
A diferença que há entre a rubrica e as falas e a forma como são grafadas no texto. A rubrica precisa ser destacada para que os integrantes da peça não tenham dificuldade, na leitura, de separá-las do texto que será interpretado. Freqüentemente a rubrica será escrita entre parênteses e em itálico, como aconteceu na ficha de vocês, mas pode vir destacada de outras maneiras: uma fonte diferente, um parágrafo destacado (se ela for muito longa).

Questão 2 - A obra simboliza o conflito entre a moral cristã e a moral indígena e representa, através do personagem do anjo e da ação dos santos, a ação da moral cristã sobre o indígena através da pregação dos padres. Para Anchieta o essencial é incutir no índio a idéia de que aquilo que ele, Anchieta, em sua moral cristã, é pecado trará ao índio conseqüências negativas, enquanto agir segundo o que acredita o homem branco trará conseqüências positivas.

Questão 3 - O teatro de Anchieta é muito simples e precisa ser simples dadas as condições de sua produção. Por isso mesmo os tipos humanos são clicherizados, facilmente reconhecíveis. Dividindo-se em protagonistas (mocinhos) e antagonistas (bandidos) os personagens vivem seus conflitos, com a vitória do bem sobre o mal no desfecho da peça. Do lado dos mocinhos (protagonistas) estão os anjos e os santos católicos, neste trecho da peça. Do lado dos bandidos (antagonistas), os demônios. No restante da peça há outros personagens e todos se dividirão nestes dois pólos.

Questão 4 - Como o intuito de Anchieta é catequisar o indígena, o desfecho da peça visa alcançar este intento. Daí a necessidade de demonstrar a força dos elementos cristãos sobre os pagãos. Ser vitorioso, na cultura indígena, é ser honrado, valoroso. Assim Anchieta criava no índio a expectativa de ser vencedor como os personagens eram, o que facilitava a inculcação dos valores católicos.

Questão 5 - O efeito pretendido por Anchieta era a conversão indígena. Portanto, o provável é que após a encenação os índios que dela participaram ou a ela assistiram pedissem para serem batizados e convertidos, ou, no mínimo, se mostrassem mais receptivos à doutrina católica.