23.2.06

As repostas dos exercícios

Como eu prometi para quem perdeu a correção dos últimos exercícios, vou deixar aqui as respostas deles e os gabaritos das questões de vestibular. Se alguém deixou de anotar quais são, fica aqui, mais uma vez: na edição nova, página 113, questões 8, 9, 10 e 12.

Exercícios do Livro sobre a Carta de Caminha

1. A resposta desta questão 1 está no primeiro excerto da Carta, o texto 1. O que Caminha alegou como causa para o não entendimento é o barulho feito pelas ondas do mar quebrando na praia. Claro que isso é conversa para português dormir: o verdadeiro motivo era o fato de índios e portugueses falarem línguas completamente desconhecidas uns dos outros.
Mais importante até do que perceber isto é nos perguntarmos porque Caminha escolhe uma desculpa tão esfarrapada para algo tão óbvio. Simples: admitir que não consegue se comunicar com um selvagem é o mesmo que se igualar a ele. E os portugueses precisavam ser superiores.


2. A resposta desta questão 2 está no segundo excerto da Carta, o texto 2. Estar sentado e bem vestido para receber um povo desconhecido era uma atitude, na Europa, típica das autoridades. Cabral, o capitão-mor, reproduz este comportamento, como uma forma de comunicação não-verbal para os índios de que ele era a autoridade ali. Esta atitude, porém, não fazia parte do código cultural dos indígenas e eles simplesmente a ignoraram. O fato de não cumprimentarem Cabral demonstra, mais uma vez, o choque entre as duas culturas.

3. Tanto no texto 2 como no texto 3, Caminha menciona ouro e prata, questionando a existência destes metais. Se recordarmos os motivos das grandes navegações e a exploração das colônias no continente americano, lembraremos que a extração de metais preciosos foi um dos objetivos dos europeus. Os metais preciosos estavam rareando na Europa e era preciso encontrar novas fontes. Cientes disto, os navegadores foram instruídos a buscar sinais de sua existência.


4. Visto que não havia indícios concretos de ouro, prata e ferro, era preciso encontrar uma outra serventia para a colônia. No primeiro trecho, Caminha inaugura a idéia "em se plantando tudo dá": a presença de tantas águas era indício de fertilidade nas terras, que poderiam ser aproveitadas para o cultivo e o povoamento.
No segundo trecho, Caminha sugere que o rei promova a catequização dos índios nas terras descobertas. Este interesse é particularmente importante em Portugal e Espanha, países em que a Contra-Reforma foi mais forte.

5. Se liguem neste tipo de questão, é bem típica de prova. Os versos de Camões são um trecho de "Os lusíadas", a epopéia da história Portugal. Epopéia é um longo poema épico, gênero literário narrativo em que se conta a história de grandes heróis. Em "Os lusíadas", Camões conta a história de Portugal até o ponto máximo, a navegação de Vasco da Gama até as Índias pela rota do Atlântico. Vejam só: luso = português.
No trecho do poema, se destrincharmos a linguagem poética, temos a seguinte afirmação: Camões se propõe a cantar uma série de eventos e "também as memórias gloriosas daqueles reis que expandiram a Igreja e o domínio português através da extirpação do paganismo em terras africanas e asiáticas".
Ou seja, assim como Caminha, Camões justifica o imperialismo português pela expansão da fé e a civilização de terras selvagens. Uma desculpa bem parecida com a de um certo presidente que diz estar, com a guerra, livrando o mundo da semente do terrorismo...

6. O cartum de Laerte enfatiza a reação dos índios à chegada dos portugueses, retratando, portanto, uma visão do colonizado. Os índios acham inusitado o jeito de ser português: a fala, as roupas...


Correção dos exercícios da Ficha de Aula com o auto de Achieta "Recebimento do Pe. Marçal Beliarte"

1. O conflito entre a cultura portuguesa e a religião católica e a cultura e a religião indígenas. Para superá-lo os jesuítas lançaram mão da literatura de catequese.

2. Trata-se de um aproveitamento da cultura indígena que era feito para conseguir a identificação da platéia com a representação. Se não houvesse este aproveitamento, a platéia não conseguiria se projetar na estória contada e a representação não conseguiria mobilizar a vontade dos índios de se converterem.

3. O teatro de catequese era bastante rústico, simples. Observe que há poucas rubricas (notações do autor para atores e diretores que substitui o narrador do texto épico) e que nenhuma delas menciona o cenário ou o figurino da encenação.

4. O teatro era usado pelos jesuítas para a conversão do índio, narrando a expulsão de demônios através do poder de um índio batizado que manipula elementos da cultura portuguesa (como a espada). Na Idade Média, o teatro era usado pela Igreja para propagar a fé através da narração da vida dos santos e milagres de Cristo.


Gabarito das questões de vestibular

8 - C
A letra A é falsa porque nem sequer a intenção estética, primeira condição para termos literatura, existia nesse período. Quanto mais um sistema literário desenvolvido.
A letra B é falsa porque as produções listadas no enunciado "cartas, tratados descritivos, relatórios e textos catequéticos" pertence ao Quinhentismo, não ao Barroco nem ao Arcadismo.
A letra D é falsa porque o indianismo é a exaltação do índio típica do período Romântico. Já durante o Quinhentismo, o índio é um selvagem inocente ou pecador, mas um selvagem, alguém a ser civilizado, convertido, porque diferente e "inferior".
A letra E é falsa porque não pode haver espírito nacionalista em estrangeiros que acabam de chegar a uma terra visando, meramente, lucrar sobre ela. O Brasil nem sequer era nação, os brasileiros ainda estavam por começar a se formar. Este espírito nacionalista só vai surgir entre nós com o advento da independência.

9 - E
Nem é preciso discutir as proposições: basta reler o texto 3 do exercício sobre a Carta.

10 - B
A primeira proposição é perfeitamente correta. Se considerarmos que "o artista vai aonde o povo está", ou seja, que o artista vai estar junto com as aglomerações urbanas, vamos ter a presença deste artista estreitamente ligada à exploração da colônia (primeiro com a cana e depois com o ouro).
A segunda proposição é incorreta porque não houve dramaturgia no período setecentista.
A terceira proposição é incorreta por causa do comentário "ausência de intenção pedagógica". Os autos de Anchieta e toda a literatura de catequese são textos de cunho pedagógico, pois visam ensinar ao indígena o catolicismo.

12 - C
A questão é idêntica à questão 8. Erro do material de vocês.


Por hoje é isso. Bom carnaval para todos!

21.2.06

Um pouco da visão do índio

Vou deixar para vocês, hoje, um pouco da visão dos nossos indígenas no século XVI. O registro foi feito por um francês que esteve aqui no Brasil no período quinhentista. Seu nome era Jean de Léry. Ele deixou muitas informações sobre a forma de organização da sociedade indígena e suas crenças religiosas. O excerto que vou deixar para vocês mostra os postos de vista do indígena sobre a sociedade européia coletados por Léry em uma conversa com um velho índio tupinambá. Perceba que não apenas os colonizadores tinham julgamentos sobre a cultura "selvagem" (denominação que em si só já encerra um julgamento de valor) como também os índios julgavam - aprovando ou não - os costumes portugueses. Isto nos ajuda a apagar um pouquinho da memória a idéia de que o índio era (é, ainda, para alguns) um inocente sem a menor capacidade crítica e, por isso, facilmente manipulável.

"Devo começar pela descrição de uma das árvores mais notáveis e apreciadas entre nós por causa da tinta que dela se extrai: o pau-brasil, que deu nome a essa região. Essa árvore, a que os selvagens chamam de arabutan, engalha como o carvalho de nossas florestas e algumas há tão grossas que três homens não bastam para abraçar-lhes o tronco. (...)
Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar o seu arabutan. uma vez um velho perguntou-me: Por que vindes vós outros, maírs e perôs (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Nçao tendes madeira em vossa terra? respondi que tínhamos muita mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele o supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual faziam eles com seus cordões de algodão e suas plumas.
Retrucou o velho imediatamente: e porventura precisais de muito? - Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitso navios voltam carregados. - Ah! retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: Mas esse homem tão rico de que me falas não morre? - Sim, disse eu, morre como os outros.
Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: e quando morrem para quem fica o que deixam? - Para seus filhos, se os têm, respondi; na falta desses para os irmãos ou parentes mais próximos. - Na verdade, continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontear riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados"

Sabe a fama de "preguiçoso", "indolente" dos índios? Vem daí, desse estágio de harmonia com a natureza que não cobra dela mais do que ela pode dar. E sabe a fama de "trabalhador", "previdente", "civilizado" dos colonizadores? Cinco séculos depois resultou em poluição, queda drástica da biodiversidade, efeito estufa...
Só para nos lembrarmos que isso de quem é e quem não é civilizado é só uma questão de ponto de vista.
Essa semana eu ainda deixo os gabaritos das questões de vestibular sobre Quinhentismo. Depois do carnaval já começamos o Barroco!

Cheiro pra todo mundo e até a próxima!!

14.2.06

Para ajudar quem tem a edição antiga

Alguns alunos que têm a ediçao antiga do livro didático de Cochar e Cereja me pediram ajuda para começar os estudos. Como eu não estou levando as duas edições para a sala, vou dar essa assessoria aqui, certo?
O assunto "Quinhentismo" está no capítulo 5, a partir da página 74. As questões sobre literatura de informação que já resolvemos na edição nova são praticamente as mesmas, só muda a última, pois o texto não-verbal é diferente. A edição nova tem um cartum de Laerte que mostra os índios rindo dos portugueses, na praia, com as caravelas ao fundo. A antiga, por sua vez, usa uma tira de Luís Fernando Veríssimo, da série "As Cobras" (de que eu gosto muito, por sinal). Na tira, uma cobrinha se aproxima de outras duas e pergunta: "Pesquisa! Devolver o Brasil aos índios, sim ou não?". As outras duas se entreolham e uma delas indaga de volta: "Eles devolvem os espelhinhos?".
A questão pede que se expliquem a desigualdade de condições culturais e tecnológicas que havia entre índios e portugueses no período do "descobrimento". A reflexão sobre este tema, a partir da pergunta da última cobrinha, leva-nos a perceber a manipulação que os colonizadores fizeram dos silvícolas (índios) através da tecnologia. O espelho era algo supérfluo e inútil na terra conquistada (ninguém tinha lá muito tempo para ficar se "embonecando" por aqui, se não havia centros urbanos e, principalmente, se a noção de belo da sociedade que viria ser a brasileira ainda eram duas, completamente diferentes). Mas para os índios era uma novidade e tanto. A tecnologia tanto serviu para que a colonização fosse pacífica (manipulando-se os índios através do oferecimento de utensílios estranhos à sua cultura - estranhos e inúteis) como também para a conquista pela força (afinal, os portugueses tinham armas de fogo e até canhões em sua esquadra).
Por hoje é isso.
Um cheiro e até mais!

7.2.06

No início dos tempos

O Quinhentismo, como começamos a ver, é o período em que se começa a escrever sobre o Brasil. Essa escritura tem dois objetivos principais: informar Portugal sobre como é a natureza e o homem que vive na nova terra e catequizar as populações indígenas. É por isso que, de acordo com o objetivo do texto, classificamos a produção desse período de literatura de informação ou literatura de catequese.
Quer dizer que não houve, então, literatura propriamente dita sendo produzida neste período? Não é que não houve, mas não sobre o Brasil e muito menos por brasileiros (já que ainda estávamos em formação e o acesso a cultura era restrito às pessoas que iam a Portugal se educar). Esta produção só vai acontecer no século XVII.
O que é importante saber sobre o Quinhentismo? Bem, o que se destaca neste período é a visão que os portugueses apresentam, em seu texto, sobre o indígena, sua cultura e sobre a natureza do nosso país. Estes elementos são tão importantes que vão ser revisitados, resgatos posteriormente, durante o Romantismo (segunda metade do séc. XIX) e o Modernismo (principalmente na primeira fase do movimento, entre 1922 e 1930).
Hoje, eu vou deixar para vocês um trechinho da obra de Pero de Magalhães Gândavo, História da província de Santa Cruz. Neste trecho, Gândavo faz uma descrição do físico, dos hábitos de comportamento e da moral dos indígenas. Repare que ele apresenta, mais ou menos explícita, de acordo com o texto, uma visão negativa dos silvícolas. Para Gândavo, eles são “machos” e “fêmeas”, não “homens” e “mulheres”, o que os desumaniza. Além disto perceba a quantidade de características negativas enumeradas no texto (deixarei as passagens demarcadas em negrito para ajudar você a localizá-los).
Boa leitura!
Um cheiro,
Bianca

Estes índios são de cor baça, e cabelo corredio; têm o rosto amassado, e algumas feições dele à maneira de chinês. Pela maior parte são bem dispostos, rijos e de boa estatura; gente mui esforçada, e que estima pouco morrer, temerária na guerra e de muito pouca consideração: são desagradecidos em grande maneira, e mui desumanos e cruéis, inclinados a pelejar, e vingativos por extremo. Vivem todos mui descansados sem terem outros pensamentos senão de comer, beber, e matar gente, e por isso engordam muito, mas com qualquer desgosto pelo conseguinte tornam a emagrecer, e muitas vezes pode deles tanto a imaginação que se algum deseja a morte, ou alguém lhe mete em cabeça que há de morrer tal dia ou tal noite não passa daquele termo que não morra. São mui inconstantes e mudáveis: crêem ligeiro tudo aquilo que lhes persuadem por dificultoso e impossível que seja, e com qualquer dissuasão facilmente o tornam logo a negar. São mui desonestos e dados à sensualidade, e assim se entregam aos vícios como se neles não houvera razão de homens: ainda que todavia seu ajuntamento os machos e fêmeas têm o devido resguardo, e nisto mostram ter alguma vergonha.

2.2.06

Um bom começo!

Olá, pessoal! Esta é uma nova experiência para mim, usar um blog como ferramenta de ensino. Num primeiro momento eu aqui pretendo deixar para vocês resumos, textos extras, orientações, exercícios e correções de exercícios além dos que vamos trabalhar normalmente em sala. Deixo um espaço aberto para vocês, nos comentários, poderem fazer sugestões e tirar dúvidas. A atualização provavelmente será semanal, mas dependendo do andamento da nossa disciplina, pode haver mais de uma na semana.
Hoje, para começar, eu vou deixar um pouco mais sistematizado o assunto da nossa primeira aula: o que é literatura e qual é a sua função.Convencionalmente, vamos estabelecer que para haver literatura, é preciso existir a intenção de se fazer uma obra de arte com a palavra. Isto é o que chamamos de intenção estética. É esta intenção que recria na obra de arte, a realidade, sob o ponto de vista do projeto artístico do seu autor. É por isso que, embora possamos ter obras de arte a respeito de acontecimentos reais, elas são sempre uma recriação da realidade. Mesmo que o autor queira ser o mais objetivo possível nessa recriação, sempre há algo na sua obra que vai transparecer a interpretação que ele mesmo deu ao seu tema.
Esta intenção estética se torna palpável, observável, no trabalho com a língua que o escritor faz quando escreve um texto literário. De acordo com o que, em sua época e em seu projeto pessoal, é considerado o "belo" da palavra, o escritor vai fazer usos especiais da língua. Esse "uso especial" vai se realizar no uso da conotação (sentido figurado das palavras) e das figuras de linguagem.
E qual é a função da literatura? Um escritor dos anos 80 de que gosto muito, Caio Fernando Abreu, certa vez disse que "Os escritores, os ficcionistas e os poetas são os biógrafos da emoção". Isso significa que além do proveito pessoal que podemos ter da literatura, existe um proveito no estudo da história do homem. Enquanto conhecemos os fatos e a formação das sociedades através da História, conhecemos como o homem que viveu aqueles fatos e naquela sociedade percebia a si mesmo e ao mundo através da Literatura. A História nos conta o quê; a Literatura, como.
Primeiro post grande... Prometo tentar ser mais objetiva nos próximos.Cheiro pra todo mundo e até semana que vem!