13.8.06

O Uraguai e A Missão

O que vocês não me pedem de possível que eu não tento fazer? Deixo sim considerações sobre o filme que assistimos sexta e sobre os elementos da ficha com o roteiro de trabalho. Vamos lá?

Quem assistiu ao filme com atenção, não terá dificuldades em perceber que há uma nítida oposição em relação a quem é o grande vilão das guerras guaraníticas, se comparada sua história à de O Uraguai. Jamais poderíamos dizer que o jesuíta é o inescrupuloso que quer a todo custo poder, como Basílio da Gama retrata no padre Balda e no sacrílego Baldeta. Se alguém é vilão em A missão é o governo português, que ordena a luta, e o governo espanhol, que poderia ter agido em defesa dos índios, mas que não o faz para poder lucrar com a venda e a compra ilegal de escravos.
A Igreja encuralada pela sua perda cada vez maior de poder na Europa, se omite, tentando manter ainda a ordem dos jesuítas viva, tanto em Portugal (o Marquês de Pombal, em 1750 ainda não havia expulsado os jesuítas - o que foi apenas questão de tempo) como no restante da Europa. Acaba sendo um pouco "vilãzinha", visto que se preocupa com o poder. Mas não podemos esquecer que a tentativa sustentava missões ainda em outros lugares, já que não afrontava a Espanha nem Portugal, não dando motivos para o extermínio da ordem.
O exército, como vocês devem lembrar, não queria lutar. E isso é dito claramente por um dos soldados. O comandante (pena que Gomes Freire de Andrade não receba o crédito) lembra que é uma questão de dever. Neste ponto, o filme reforça a visão crítica da guerra apresentada pelo poema, ainda que por motivos diferentes faça a crítica.
E o índio? Mocinho, sim, mas um mocinho diferente. Observem: o índio de O Uraguai é moralmente superior e um herói moral que não precisa de brancos para se defender. Afinal, a guerra foi vencida, segundo Basílio da Gama, pela vantagem tecnológica portuguesa. O que se confirma se lembrarmos que as guerras guaraníticas duraram 17 anos. O nativo sabia usar a natureza em seu favor para guerrear. Porém, em A Missão, o índio aculturado na Missão de São Miguel logo é vencido pelos portugueses e na Missão de São Carlos ele conta com a defesa do jesuíta. Aliás, não era essa a função dos jesuítas, proteger o índio da escravidão? Um pobre ser desgarrado da cultura católica, destinado ao inferno, para os preceitos da época, que precisava ser protegido como se protege um animal em uma reserva ecológica. Coitado do índio sem o jesuíta: não ia nem saber cantar em latim, nem tocar violino! Coisas tão úteis na selva, não é mesmo?

Bom, acho que isso ajuda vocês, não é mesmo? Se precisarem de mais, mandem um recado por aqui, um sinal de fumaça para o email ou usem e abusem do atendimento na escola.

Beijo pra todo mundo e até a próxima!

9.8.06

Missões - Crônica de um Genocídio

Tanto A Missão quanto O Uraguai podem ser entendidos como crônicas, no sentido de registro histórico, do genocídio dos povos guaranis que habitavam a região ainda indefinida de sul do Brasil, norte do Uruguai. Mas o tíulo desse post não é especificamente sobre nenhum desses dois textos de que já falamos e sim sobre um livro acerca do mesmo assunto, de Décio Freitas. Missões - Crônica de um Genocídio é, aliás, o nome deste material, não-ficcional, que trata justamente das questões políticas, sociais e históricas que envolveram a atuação dos padres jesuítas dentro das missões, sua relação com os índios, e a ação final das coroas portuguesa e espanhola.
Fica aqui uma dica de leitura para quem quiser se aprofundar mais sobre o tema. E, para dar mais água na boca, fiquem com alguns trechos da resenha feita pela revista "Aventuras na História" sobre o livro de Freitas. O link para o texto completo da resenha, no fim do post.
Ah, e para não perder o costume: beijo pra todo mundo e até a próxima!


Você olha para o mundo de hoje e vê: montes de desempregados sem perspectiva de trabalho; crianças sem escola nem lugar para dormir, descartadas do mundo. Milhões sem acesso à mínima educação, menos ainda à arte e à cultura. Fome de um lado, superabundância do outro. Guerras em nome de interesses privadíssimos. Dispondo de indignação moral, mesmo que de pouca, qualquer um tem vontade de fazer alguma coisa, nem que seja apenas sonhar com um mundo menos injusto. Por exemplo: uma sociedade de pleno emprego, em que não haja as vergonhosas filas nas madrugadas à procura de uma empreguinho humilhante. Escola e saúde para todo mundo, crianças bem tratadas, com sala de aula, roupa, atenção. Ninguém com fome e ninguém com riqueza acumulada para ostentação. Progresso tecnológico, desenvolvimento artístico, alfabetização para todos.
Todos nós brasileiros já ouvimos falar no colégio que essa utopia igualitária já existiu. Floresceu por décadas, antes de ser destruída em uma guerra pra lá de violenta, bárbara. Foi a realização dessa utopia, conhecida genericamente como Missões, que levou o historiador Décio Freitas a um de seus mais conhecidos livros, publicado pela primeira vez em 1982, quando a miséria brasileira nem era tão explícita quanto agora, quando mal saíamos da ditadura militar e buscávamos alternativas de futuro, quando fazia o maior sentido retomar experiências luminosas do passado para confrontar a obscuridade do presente.

(...)
As Missões, também chamadas "reduções", sujeitaram o índio, que passou a viver em vilas organizadas, a praticar a monogamia, a trabalhar em horários certos, a prover o futuro de médio prazo, a ser católico.
O outro lado lembra, porém, coisas positivas: se a questão era preservar a cultura dos índios, ele diz que os jesuítas fizeram isso: aprenderam seu idioma, descreveram sua gramática e, com ela, ensinaram futuras gerações. E mais: se as Missões sujeitavam os índios antes livres, caçadores, poligâmicos, que plantavam somente o que comeriam nos tempos imediatos, sem preocupação com o futuro, elas também significaram uma alternativa concreta de vida. Fora delas, o que aconteceu realmente com os guaranis e outros tantos povos indígenas? Foram exterminados, regra geral, ou se aculturaram na marra, passando a viver a vida dos brancos sem a menor chance de preservar o que quer que fosse.

(...)
Passados para domínio português, os padres e índios tiveram de deixar as Missões. Os índios resistiram ainda depois de os jesuítas terem aceitado a transferência imposta por Madri. Mas foram chacinados, em guerra sistemática e moderna, comandada por Gomes Freire de Andrade, figura que ganhou um enorme elogio literário em O Uraguai, poema épico de Basílio da Gama que perpetuou uma interpretação ufanista, pró-lusitana e antijesuítica. Décio diz que os padres "imaginaram erroneamente que a própria Companhia de Jesus, um dos baluartes do colonialismo, permitiria que ultrapassassem os limites dos interesses do colonialismo". Em compensação, "as alternativas do colonialismo não deram melhor resultado: produziram, simplesmente, a genocida extinção dos guaranis", escreveu.

Leia a resenha completa em http://historia.abril.uol.com.br/edicoes/13/obraprima/conteudo_historia_47205.shtml#top