9.11.06

Gabarito da prova e comentários

Como eu prometi, deixo aqui o gabarito da prova do dia 08/11.

A primeira questão, discursiva, pediu que vocês detectassem qual é a característica do Romantismo de que fala aquele trecho do prefácio do livro de Gonçalves Dias. Observem que eu não pedi características desse autor, mas sim a que surge nesse trecho específico. Um olhar mais atento conseguiria encontrar na passagem "não têm a uniformidade nas estrofes porque menosprezo regras de mera convenção" o desprezo romântico aos moldes clássicos. Isso pode ser expresso nas repostas com "liberdade de expressão artística", "iconoclastia", "desprezo às convenções artísticas", "desprezo aos modelos clássicos". Não há nenhuma outra característica além dessa no texto apresentado.

A segunda questão apresentou quatro trechos de poemas. O primeiro pertence a "I-Juca Pirama", pertencendo, portanto, à primeira geração. Isso poderia ser detectado nas referências "arco", "tapuia" e "tapir", de referência ao universo indígena. Portanto, as alternativas A e D ficam excluídas da lista de possibilidades.
O segundo trecho pertence ao poema "Se eu morresse amanhã", de Álvares de Azevedo, e a repetição do refrão que dá título ao poema já apresenta a morbidez e o fascínio da morte típicos da geração ultra-romântica. Assim, o texto II confere com o solicitado, o que elimina a alternativa E.
O terceiro trecho pertence ao poema "Medo de Amar", de Casimiro de Abreu. A referência que o eu-lírico faz ao medo da mulher amada também é uma característica típica da segunda geração e associar texto e característica já nos conduz à alternativa B.
Por fim, o quarto trecho pertence ao poema "Bandido Negro", de Castro Alves. Seu vocabulário com a palavra "algemas" faz já menção à temática libertária característica da terceira geração. Portanto, este trecho fica de fora das possibilidades de resposta correta.

A terceira questão contrasta dois textos distintos de Álvares de Azevedo, um pertencente à sua face Ariel e o outro à terceira face, a auto-irônica. Portanto, as percepções do eu-lírico sobre o amor são completamente distintas, e qualquer alternativa que aponte semelhanças completas entre eles está errada. Isto exclui a alternativa D e E. A alternativa A está incorreta pois considera que a poesia da face Ariel de Azevedo apresenta uma realização amorosa completa entre os amantes, o que não ocorre na 2ª geração romântica. A alternativa B está incorreta porque considera que NÃO há rebaixamento do tema amoroso, sendo que a ironia sobre o tema o faz. Por fim, resta a alternativa C, correta, visto que a relação amorosa, na face Ariel de Azevedo, é sempre incompleta, platônica.

A última questão solicitou a correspondência entre os textos e as características apresentadas. O texto A, de Gonçalves Dias, enfatiza bastante a relação do eu-lírico com a natureza. Portanto, corresponde à evasão na natureza. O texto B, de Casimiro de Abreu, apresenta como temática principal a tristeza. Portanto, correponde à melancolia. O texto C, de Junqueira Freire, enfatiza o desejo de morte. Portanto, relaciona-se à evasão pela morte. O texto D, de Gonçalves Dias, expressa a saudade da pátria durante o exílio. Portanto, relaciona-se ao saudosismo. Por fim, o texto E apresenta no trecho "Vivi na solidão" a consciência de solidão, fechando a relação dos textos com as características.

22.10.06

Romantismo

Olá, pessoas.

Eu gostaria de ter deixado esse post aqui antes, para atender às solicitações de vocês, mas não foi possível. Provinhas e alguns trabalhos para corrigir fazem isso com o fim-de-semana de uma pessoa :P. De qualquer jeito, cá estamos.

Para quem ainda não aterrisou: prova depois de amanhã sobre ROMANTISMO. Do contexto histórico à segunda geração, cai tudo! E aqui fica uma pequena revisão.

O Romantismo vai inaugurar, na segunda metade do século XIX (1836 a 1881 no Brasil), a arte de expressão burguesa. Embora o movimento árcade já tenha, no período anterior, hasteado, no campo ideológico, a bandeira dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que fundamentam as revoluções burugesas (Revolução Francesa, Revolução Industrial e Independência das Colônias Americanas), a forma de se fazer arte (todas elas, plásticas, cênicas, verbais) era pautada nos ideais clássicos da Antigüidade Greco-Romana, e que foi extensamente repetido pela aristocracia. Assim, esteticamente, até o Arcadismo, as artes eram muito mais voltadas para o ideal aristocrático de beleza (ficando a Idade Média e o Barroco com alguns elementos de apresentação da arte popular, apenas). Somente no movimento romântico que a estética da arte vai se alterar para representar a concepção de belo da buguesia (nova classe no poder).

Essa concepção vai se pautar pela ênfase na liberdade de criação, que chega à iconoclastia (quebra dos modelos pré-existentes) e à tese da expressão livre do gênio, crença que procurava assegurar a originalidade do texto através da não-revisão deste quando concluído. Isso faz com que a arte romântica oscile entre momentos grandiosos e outros de péssima qualidade.

Junto a essa liberdade criadora, liberdade de expressão, predomina também a busca pelo mundo ideal preconizado pelo lema da revolução francesa na arte romântica. Por isso os personagens do romantismo vão ser tipos cuja diferença de caráter sempre será bastante demarcada. Mocinhos são mocinhos mesmo, perfeitos estetica e moralmente. E os vilões serão sempre a escória total da humanidade, sem nenhum traço de humanização, perdão ou virtude. Pessoas e sentimentos estarão, neste movimento, sempre retratados de maneira completamente parcial e exagerada. O amor, tema tão caro aos românticos, é a mola propulsora do mundo, que pode transformar um homem num louco ou num santo, de acordo com seu caráter original.

Neste momento, uma pausa para não haver a confusão propiciada pelo nome do movimento. Romantismo vem de romance, mas romance nesse caso não é sinônimo de história de amor (essa conotação só foi atribuída depois, e por causa do movimento). Romance é uma estrutura narrativa que foi particularmente desenvolvida nesse período. Lembram da epopéia? Era o gênero narrativo lido feito pela aristocracia. Para se opor a ela, os românticos se dedicarão ao romance: gênero narrativo em prosa, de estrutura mais simples e cujos personagens são centrados nos tipos comuns do cotidiano.

Voltando à programação normal, vamos revisar um pouco das duas primeiras gerações. As distinções entre elas são bastante evidentes: a primeira assinala-se pelo indianismo, a exaltação da pátria e de sua natureza peculiar; a segunda ressalta-se pela melancolia, pela tristeza, pelo pessimismo e a vontade de fugir da realidade. Enquanto há um otimismo e uma utopia inerentes aos românticos indianistas/nacionalistas, os ultra-românticos (ou byronianos, ou geração mal-do-século) apresentam um profundo desgosto pela vida, que ora os faz desejar a morte, ora se manifesta na busca pelos vícios, pelo exílio voluntário numa vida decadente e cínica.

Já que ainda é domingo e há um pouquinho de tempo, aqui fica uma dica de dois filmes que podem ajudar vocês a entenderem um pouquinho melhor o espíritos desses dois grupos de poetas. Pocahontas e Moulin Rouge :P. É sério! O primeiro vai exaltar a natureza americana, a vida natural dos índios, sua bondade natural, seu desapego material, sua perfeição de caráter. No segundo temos em Christian (olha só, Cristão) apaixonado por Satine (Satânica... oposição interessante), um ingênuo escritar que se envolve com uma criatura do "sub-mundo" de Paris. Por esse amor, Christian se envolve profundamente no ambiente decadente do bordel, cai nas garras do absinto (bebida de poder tão destrutivo que matou muita gente e se tornou ilegal) e se torna um pária (como o vemos no início do filme). Observem que enquanto Christian é ingênuo (como a face Ariel de Álvares de Azevedo), a realidade que ele vê é rica, colorida, feliz. Quando Christian perde sua ingenuidade (como a face Caliban de Azevedo), essa realidade passa a ser cinza, escura, decadente.

É isso. Espero ter ajudado.
Até a próxima!

7.10.06

Instruções de apoio para o trabalho e exemplos

Demorou mais do que eu gostaria a oportunidade para que eu pudesse sanar as últimas dúvidas de vocês, mas finalmente estou podendo redigir este post.

Primeira coisa: relaxem! Vocês estão complicando mais o trabalho do que ele realmente é. A reescritura não é um tratado de pós-graduação, nem estou exigindo de vocês uma linguagem rebuscada. A linguagem que vocês devem usar deve ser coerente com a ambientação que vão dar ao diário, essa é a única exigência. Se vocês planejaram fazer um diário informal, podem fazer uso de uma linguagem informal também, com gírias e abreviações até. Só tenham o cuidado de fazer com que essa informalidade seja coerente, também, de acordo com o perfil desse eu-lírico (a idade dele, por exemplo).

Segundo: como um diário é um texto pessoal, me primeira pessoa, usem essa primeira pessoa sim! Como eu falei em sala, a premissa do trabalho é: como Cecília Meireles teria organizado o planejamento do Romanceiro da Inconfidência durante sua viagem à região de Ouro Preto através de anotações em um diário? Ou seja: à medida que ela conhece o ambiente e o pesquisa, quais são as imagens que ela começa a selecionar para produzir os poemas? É claro que nem tudo que está no planejamento necessariamente está no livro: podem faltar idéias, sobrar ou ela pode, ao longo do diário, mudar de opinião e modificar a forma que havia planejado para produzir um poema X.

Abaixo vou deixar um exemplo para vocês de como organizar um capítulo (data) do diário. Para vocês não se perderem, nele está a reescritura do Romance VIII ou Do Chico-Rei. Por favor, não copiem. A originalidade é um dos critérios de correção do trabalho de vocês. E, lembrando: entrega dia 17/10.

Qualquer dúvida, mandem um comentário por aqui que eu respondo assim que puder.

Até mais,
Bianca


20/04/1940

Os folclores que compõem essa cidade são realmente incríveis. Contaram-me hoje a história do Chico-Rei e ela é tão pitoresca que não poderia deixar de transformar em poema.

Dizem que o Chico-Rei era um escravo do Congo, rei de seu povo e que aqui trabalhou na mineração do ouro. Conseguiu, de algum modo, alforriar o próprio filho, mas ele mesmo, embora fosse um líder dos outros escravos, não conseguiu a própria liberdade.

É interessante... isso de liberdade é tão presente na história e nas estórias daqui! Os homens buscaram o ouro, buscaram os diamantes, buscaram a independência, sempre querendo liberdade, liberdade e sempre sendo sufocados pelos poderosos. Quando penso nisso me vem a imagem de um grande tigre, um tigre que ruge, que assusta, que devora os que tentam alcançar a liberdade... Acho que posso usar isso: o tigre ruge e o Chico-Rei conta sua história, sua falta de liberdade. Talvez eu possa mostrar no fim do poema que todos, no fim das contas, eram explorados, escravos. Cativos.

4.10.06

Ciclo do diamante, ciclo da liberdade e Destinos

Continuando a transposição dos slides para vocês, deixo aqui os slides sobre os dois últimos ciclos do Romanceiro: o ciclo do diamante e o ciclo da liberdade.

Até sexta-feira, no máximo, deixo para vocês aqui um exemplo de como estruturar o trabalho. Tentarei também emitir cópias para entregar a vocês na próxima semana. Lembrando, como vocês já devem saber, a data de entrega do trabalho ficou para o dia 17/10, a terça-feira após o feriado.


Ciclo do diamante:
O ciclo do diamante é narrado principalmente através da história de Chica da Silva, de seu amante, o contratador Fernandes e do Conde de Valadares. Trata-se de uma passagem relativamente breve, em que o rio Tejuco, fonte de diamantes da época (e por isso, atual Diamantina) lamenta a sorte de seus personagens. Rio e homens, em nova união da natureza com o ser humano, vão compartilhar o lamento.

O fim do ciclo do diamante traz os maus presságios que intitulam o último romance antes da mudança de cenário. Chega-se a hora de se fundarem as Arcádias e da palavra liberdade começar a ser espalhada na região. Neste romance, o eu-lírico critica a vilania dos fidalgos “que reinam mais que a Rainha” e a exploração abusiva da região “Sobre o tempo vem mais tempo. / Mandam sempre os que são grandes: / e é grandeza de ministros / roubar hoje como dantes. / Vão-se as minas nos navios... / Pela terra despojada, / ficam lágrimas e sangue”.


Ciclo da liberdade:

Com o Cenário após o Romance XIX insinua-se o mau tempo vindouro para a liberdade, freqüentemente retratada como luz, assim como a razão. A névoa “chega, envolve as ruas, / move a ilusão de tempos e figuras” e “vai formando / nublados reinos de saudade e pranto.”

A este Cenário lúgubre, segue-se a Fala à antiga Vila Rica e os romances que contam a criação das Arcádias, templo para nascerem as idéias, que vão se espalhando no fim das estrofes como se espalharam pela cidade. A idéia de liberdade se espalha e leva o povo a tentar ter sua própria riqueza, ainda que através de diamantes extraviados.

Morre um príncipe de Portugal, filho de D. Maria I, a rainha louca, e esta é também uma esperança que morre. Nas exéquias (ritos fúnebres) do príncipe, muita agitação. Alguma coisa está sendo tramada - "já ninguém quer ser vassalo". Por isso as idéias começam a se transformar em ações e a formular a bandeira da Inconfidência. Inicia-se a semana santa de 1789 e, com ela, a caracterização dos personagens envolvidos: o Alferes (Tiradentes), Joaquim Silvério, Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Marília, o Embuçado (personagem folclórico cuja veracidade não se conhece, que teria tentado salvar Cláudio Manoel da Costa) além dos tipos populares da cidade: as velhas piedosas, os tropeiros, as pilatas (prostitutas), as sentinelas, os delatores, e personagens menores do período (Francisco Antônio, o sapateiro Capanema, o padre Rolim).

Sem seguir uma ordem cronológica clara, os poemas vão se alternando, apresentando os diversos pontos de vista sobre os mesmos eventos.

Com os romances dedicados aos personagens vão se alternando ainda os que narram os eventos (conversas indignadas, seqüestros de bens, sentenças, o leilão dos bens de Tiradentes, seu enforcamento – em 21 de abril de 1792, três anos depois de ser preso - e esquartejamento) e os poemas avaliativos (Fala aos pusilânimes, Do jogo de cartas, Das palavras aéreas, Da reflexão dos justos).

Ambição gera injustiça.
Injustiça, covardia.
Dos heróis martirizados
nunca se esquece a agonia.
Por horror ao sofrimento,
ao valor se renuncia.

E, à sombra de exemplos graves,
nascem gerações opressas.
Quem se mata em sonhos, esforço,
mistérios, vigílias, pressas?
Quem confia nos amigos?
Quem acredita em promessas?
Que tempos medonhos chegam,
depois de tão dura prova?

Quem vai saber, no futuro,
o que se aprova ou reprova?
De que alma é que vai ser feita
essa humanidade nova?


Epílogo:

O Epílogo, como já estudamos ao nos debruçarmos na estrutura do texto épico, é a parte final de um poema narrativo, na qual o narrador (ou eu-lírico, no caso do texto de Cecília) faz uma avaliação final dos eventos por ele contados. Este epílogo, porém, ao invés de ser apenas um poema, compõe-se de vários, os quais contam os destinos dos personagens envolvidos. Podemos, por isso, também chamar esta parte de Destinos.

Novamente a transição do ciclo da liberdade para o epílogo é feita através de um Cenário. Trata-se de um ambiente ermo, abandonado e já sem vida, como ficaram as Minas após as penas aos inconfidentes (as mortes e os degredos).

Seu início se dá com as falas dos maldizentes, que comentam o destino dos inconfidentes e, depois, o destino de Gonzaga, que, após prisão na masmorra da Ilha das Cobras foi degredado para a África negra (Moçambique), onde se casou com Juliana Mascarenhas. Neste epílogo apresenta-se também o destino de Marília (Maria Dorotéia), inconformada com as notícias do casamento. Ela se desfigurou pelo tempo (olha o carpe diem!) e pela Inconfidência e finaliza o poema com seu testamento.

Outro destino apresentado é o de Alvarenga Peixoto (também poeta, cujo pseudônimo era Alceu, desterrado em Angola ), Dona Bárbara Eliodora, sua "estrela do norte" e de Maria Ifigênia, filha do casal.

A eles segue-se uma mudança de cenário para se apresentar o destino de D. Maria I, que mandara executar os inconfidentes da sua coroa, acaba se tornando prisioneira do seu próprio destino: ela que executava tantos, com masmorras , desterros, forcas, torna-se prisioneira da loucura.

Por fim, vem a Fala aos Inconfidentes mortos, avaliação final dos eventos narrados, num cenário desolador e triste, quando nada mais resta dos sonhos e ideais pretéritos.

Treva da noite,
lanosa capa
nos ombros curvos
dos altos montes
aglomerados...
Agora, tudo
jaz em silêncio:
amor, inveja,
ódio, inocência,
no imenso tempo
se estão lavando...
não, não se avistam
Grosso cascalho

da humana vida...
(e covardias!)
vão dando voltas
no imenso tempo -
à água implacável
do tempo imenso,
rodando soltos,
com sua rude
miséria exposta...

Parada noite,
suspensa em bruma:
os fundos leitos...
Negros orgulhos,

Mas, no horizonte
ingênua audácia
do que é memória
e fingimentos
da eternidade,
e covardias
referve o embate
de antigas horas,
de homens antigos.

E aqui ficamos todos contritos,
a ouvir na névoa
o desconforme,
submerso curso
dessa torrente do purgatório...

Quais os que tombam,
em crimes exaustos,
quais os que sobem,
purificados?

Agora, tudo jaz em silêncio: amor, inveja, ódio, inocência, no imenso tempo se estão lavando, declara a poetisa na Fala aos inconfidentes mortos. No horizonte eterno há de ficar sempre o anseio de liberdade, e só o purgatório do tempo está apto às ações vis e nobres dos homens da terra.

29.9.06

Voltando ao Romanceiro da Inconfidência

Como eu prometi, volto a postar os slides sobre o Romanceiro da Inconfidência. Se houver tempo, no fim de semana, eu posto um exemplo de adaptação de um dos poemas para a estrutura do diário. Só não vale copiar: critividade é um dos critérios para a atribuição da nota! :)

Os ciclos

Podemos dividir os fatos que compõem a narrativa de “Romanceiro da Inconfidência” em três partes ou ciclos:
a) ciclo do ouro;
b) ciclo do diamante;
c) ciclo da liberdade (ou da Inconfidência)

Todos estes ciclos envolvem a ascensão e a queda dos elementos. Notem que há uma gradação de valor nos elementos: ouro, diamante, liberdade. Como o ouro e o diamante, a liberdade brilhou intensamente nas Minas Gerais, mas como o ouro e o diamante, a liberdade trouxe desgraças, masmorras e mortes.


Ciclo do ouro

Fala inicial: apresenta a proposta geral do Romanceiro. O eu-lírico se apresenta dentro das cenas que comporão a história, com uma percepção mesmo física do que acontece (sinto, percebo, vejo, avisto). Ocorre aqui uma espécie de materialização desse eu-observador, que relata o que encontra em momento presente, mas já conhecedor dos fatos em sua totalidade. Os julgamentos e o convite à reflexão são típicos de passagens como

Ó meio dia confuso,
ó vinte-e-um de abril sinistro,
que intrigas de ouro e de sonho
houve em tua formação?
Quem ordena, julga e pune?
Quem é culpado e inocente?
Na mesma cova do tempo
cai o castigo e o perdão.
Morre a tinta das sentenças
e o sangue dos enforcados...
-liras, espadas e cruzes
pura cinza agora são.
Na mesma cova, as palavras,
o secreto pensamento,
as coroas e os machados,
mentira e verdade estão.

Ó grandes muros sem eco,
presídios de sal e treva,
onde os homens padeceram
sua vasta solidão...

Não choraremos o que houve,
nem os que chorar queremos:
contra as rocas da ignorância
rebenta nossa aflição.

Choraremos esse mistério,
esse esquema sobre-humano,
a força, o jogo, o acidente
da indizível conjunção
que ordena vidas e mundos
em pólos inexoráveis
de ruína e exaltação.

Ó silenciosas vertentes
por onde se precipitam
Inexplicáveis torrentes,
por eterna escuridão.


Cenário: apresenta o passeio do eu-lírico pela cidade de Vila Rica. Nesta passagem, o eu-lírico se conecta com o passado, vislumbrando os acontecimentos de outrora nos detalhes da cidade e da paisagem. O cenário (os lugares da cidade) e o eu-lírico compartilham os mesmos sentimentos e lembranças, numa fusão do eu com a paisagem que muito lembra a fusão dos árcades com o espaço natural.

Passei por entre as grotas negras, perto
dos arroios fanados, do cascalho
cujo ouro já foi todo descoberto.
As mesmas salas deram-me agasalho
onde a face brilhou de homens antigos,
iluminada por aflito orvalho.
De coração votado a iguais perigos,
vivendo as mesmas dores e esperanças,
a voz ouvi de amigos e inimigos.
Vencendo o tempo, fértil em mudanças,
conversei com doçura as mesmas fontes,
e vi serem comuns nossas lembranças
Da brenha tenebrosa aos curvos montes,
do quebrado almocafre aos anjos de ouro
que o céu sustém nos longos horizontes,
tudo me fala e entende do tesouro
arrancado a estas Minas enganosas,
com sangue sobre a espada, a cruz e o louro.
Tudo me fala e entendo: escuto as rosas
e os girassóis destes jardins, que um dia
foram terras e areias dolorosas,
por onde o passo da ambição rugia;
por onde se arrastara, esquartejado,
o mártir sem direito de agonia.

Romances: começam com a busca pelas jazidas até sua descoberta, envolvendo as lutas e mortes que se deram no processo, provocadas pela ambição desmedida. Depois, a partir da descoberta de Ouro Preto (e conseqüente fundação de Vila Rica), aprofunda-se o olhar sobre a cobiça e a ganância dos homens, que, no início, matava animais, florestas e vai se alastrando, como doença, até se matar tudo que há no caminho. É uma doença que se perpetua no tempo, atravessando as gerações “E gerações e mais gerações de netos afundariam nesse abismo” e atingindo a sociedade de modo a se registrar em seu folclore (é o ouro que cria o tipo folclórico “caçador feliz”. É o ouro que provoca o assassinato da donzela pela mão de seu pai) e em sua história (o assassinato de Felipe dos Santos morto e esquartejado pela fúria do Conde de Assumar). O Brasil é então apenas o menino adormecido, mas já prenuncia nesse herói a força e a coragem do Alferes inconfidente.
A partir daí, oscilam os elementos históricos factuais com os registros do cotidiano e da sociedade da época do ciclo do ouro. O romance “Da transmutação dos metais” brinca com o mito medieval dos alquimistas e o romance “De Nossa Senhora da Ajuda” descreve uma cena fictícia do Alferes ainda criança tendo sua sina demarcada nas suas súplicas e nas que o eu-lírico faz à santa.

18.9.06

Sobre Caramuru

Vocês me pediram muito para postar aqui sobre Caramuru, tema do nosso exercício desta semana. Pois bem, vamos fazer uma pequena revisão.

O poema Caramuru foi escrito por Frei José de Santa Rita Durão em 1781. Trata-se de um épico bastante tradicionalista, o qual resgata todas as regrinhas clássicas de uma epopéia: 10 cantos, em oitava rima do tipo ABABABCC, cujo assunto é uma vitória de um grande herói de uma passado remoto, a qual representa a vitória de uma nação.

Essa história, por que real, é a de Diogo Álvares Correia, náufrago português que conseguiu se tornar grande chefe dos índios tupinambás na Bahia, e auxilou a fundação da cidade de Salvador. O poema ficcionaliza a vivência de Diogo no Brasil até o momento em que este se tornou, efetivamente, funcionário do governo português. Vai, portanto, do naufrágio até o encontro com os representates nomeados para a capitania da Bahia, de volta a Salvador. Desta ficção, o que se sabe que realmente aconteceu foi o relacionamento de Diogo com Paraguaçu, a viagem deles à Europa para que se batizassem e se casassem e o retorno ao Brasil. O restante é baseado em folclore, em lendas, sem registro histórico oficial e, por isso, elementos de veracidade duvidosa.

Com "Caramuru", Santa Rita Durão aborda o indígena do ponto de vista da catequese (Diogo no livro é um personagem muito religioso), a qual servirá como elemento de dominação, de amansamento e de transformação do índio de um selvagem para um humano. Observem que Paraguaçu, a índia por quem Diogo se apaixona e se casa, é descrita com traços brancos, e sabe falar português. Ou seja, dentro de tantas índias que foram oferecidas a Diogo, a única digna de sua atenção (por que no livro ele é um herói casto) é aquela que se assemelha com uma européia.
As demais, como Moema - cuja morte por afogamento, na tentativa de alcançar o navio em que Diogo parte com Paraguaçu para a Europa, é o momento de lirismo mais intenso no livo - não mereceram a atenção do herói.

Caramuru - A invenção do Brasil, seriado da rede Globo para a comemoração dos 500 anos de descobrimento do nosso país, em 2000, por sua vez, é uma releitura irônica sobre os mitos da colonização brasileira e de seus heróis. O Diogo que assistimos na obra de Guel Arraes, transformada em filme tempos depois, é o típico anti-herói: medroso, covarde até, inconseqüente muitas vezes, bobo outras tantas. As mulheres da narrativa (Paraguaçu, Moema, Isabelle) têm Diogo na mão, sempre conseguindo dele o que querem. No lugar do herói, corajoso, que domina os índios por sua inteligência e que guerreia com bravura, temos, no filme, um artista sonhador, quase inocente, que se deixa cair facilmente nas situações arquitetadas pelos outros personagens. O domínio dos tupinambás vem por uma mera obra do acaso (ou da fé).

Se Diogo não é o grande herói da obra, quem toma seu lugar? Para resolver isso, é só lembrar quem consegue transformar toda situação da obra a seu favor. Pensem no final, em que Isabelle tenta, de todas as formas, conseguir o poder casando-se com Diogo... Quem consegue fazer com que a vilã se dê mal? Paraguaçu. A índia, esperta como ela, faz com Diogo o que quer, e consegue também manipular até Isabelle, uma cortesã experiente e cheia de lábia. Paraguaçu e Diogo se complemente em ingenuidade e esperteza e juntos é que vão criando essa espécie de identidade nacional, malandra, preguiçosa, sonhadora. Por isso o filme vai além de um relato de um evento histórico: ele acaba simbolizando a criação da identidade nacional, que mistura o romantismo, a melancolia e os altos ideais de Diogo, a Europa, com a picardia, a sensualidade e a praticidade dos indígenas, representada por Paraguaçu.

É importante assinalar também uma visão do índio muito marcante em toda obra. Longe de ser um "bom selvagem" ou de apenas um "selvagem", o índio brasileiro é apontado às vezes com malícia e uma certa dose de preconceito, às vezes com bom humor e boa dose de realismo. A cultura índia, em seus costumes rituais, como a antropofagia, e em sua liberdade sexual, além do desapego à matéria, e o conseqüente choque com os valore europeus são várias vezes reforçados no filme, com bastante isenção até. Porém, ao mesmo tempo, boa parte dos momentos cômicos da obra baseiam-se na caricatura do índio como preguiçoso ou promíscuo, o que pode revelar um estereótipo talvez bastante afastado da realidade. O indígena, no filme, é uma figura pitoresca, ambígua, engraçada, mas da qual raramente se tem uma relação de identidade como se tem com personagens mais realistas (a sensação de conhecer alguém daquela maneira ou de ser um pouco parecido com ele).

Bom, é isso. Entre filme e livro, conforme estudamos, há uma relação de paródia bastante marcante. Na intenção de resgatar o livro e atualizá-lo, personagens foram acrescentados, retirados, modificados (como é o caso de Moema). Tudo para se reforçar a ironia sobre a ingenuidade propagada pelo texto de Santa Rita Durão e enfatizar-se as reais motivações dos homens europeus da época (exploração de ouro, da colônia e de sua gente). Ter uma visão ampla de uma e de outra ora é de extrema importância para que se possa discutir a identidade nacional, conforme vista no passado e no presente. Ufanismo e utopia confrontam-se, na mesma história, com criticidade e ironia. Estas são palavrinhas chaves para entender-se as obras.


Espero que o texto tenha ajudado.
Beijos e até a próxima.

8.9.06

Romanceiro da Inconfidência

Como vocês pediram, vou deixar os slides da aula sobre o livro. A cada dia, nesse feriadão, deixarei para vocês um slide, para que os posts não fiquem excessivamente longos. Qualquer dúvida, gritem! : )

Tema
O tema principal é a própria Inconfidência Mineira que dá título à obra. Porém, para escrever sobre isto, Cecília Meireles busca o passado mais remoto de Vila Rica (Ouro Preto), que se inicia com a descoberta do ouro, envolve a caracterização da sua sociedade no século XVIII, descreve o levante republicano dos inconfidentes e suas principais figuras humanas e narra o fim trágico.
A digressão histórica é importante porque ao fim de cada etapa histórica narrada, há o mesmo movimento de opressão por parte de quem tem poder. A cada vez que a população, a massa, sonha com riqueza e prosperidade, há uma desgraça, como a de Felipe dos Santos e a do contratador Fernandes, que prenunciam o destino dos inconfidentes. É como se Cecília, com essa repetição de estrutura narrativa, lembrasse-nos que no Brasil, a história sempre se repete: os ricos e poderosos lutam para manter seu poder a qualquer custo e a grande massa segue sofrendo, eternamente alijada das preciosidades que pode encontrar no mundo. Seja, elas de ouro, de diamante, ou de liberdade.

A visão do tema
A perspectiva que a autora apresenta sobre o tema no conjunto de poemas é uma visão dramática e lírica dos eventos. Não esqueça: O “Romanceiro da Inconfidência” é um texto que parte de uma reflexão sobre a história concreta do levante mineiro e alcança uma dimensão lírica, tornando-se uma interrogação sobre o sentido das ações humanas. Não é um texto que se limita a lamentar o que houve, mas sim ao conjunto de elementos que, sempre se repetindo, perpetuam as desigualdades sociais e o sofrimento dos poucos que sinceramente lutam pela causa.


Estrutura

Cenários
São poemas que descrevem ambientes e marcam as mudanças de atmosfera no romanceiro. Nos cenários ocorrem um ponto alto de lirismo, em que o “eu” reflete sobre o espaço para nele localizar os acontecimentos. É como se o ambiente físico e o eu-lírico se comunicassem em lembranças, conversassem, compartilhassem da mesma visão piedosa dos acontecimentos. Isto nos lembra muito a relação homem-natureza do período árcade, em que a natureza é um elemento vivo, cheio de alegria e vida, e que entra em comunhão com o estado pérpetuo de carpe-diem do eu-lírico. Aqui, embora os sentimentos sejam outros, ocorre a comunicação entre ambos.
Lembre-se: cada cenário representa uma transição para uma nova etapa do poema. Assim, a primeira parte, conhecida como ciclo do ouro, é introduzida por um cenário. Quando o próximo cenário surgir, começa a etapa seguinte, o ciclo do diamante, e mesmo com as demais etapas do texto.

Falas
São poemas em que o eu-lírico intervém na narrativa, tecendo comentários e convidando o leitor a refletir sobre os fatos revividos no relato. As falas não têm a mesma regularidade de distribuição que os cenários. Um mesmo ciclo (ou etapa da narração) pode apresentar mais de uma fala.

Romances
São os oitenta e cinco poemas que reconstituem a história, compondo seu fio narrativo. Os romances não são dispostos, necessariamente, na seqüência cronológica dos acontecimentos: ora aparecem isolados, ora constituem-se em verdadeiros ciclos (o de Chica da Silva, o do Alferes, o de Gonzaga, o da Morte de Tiradentes, o de Gonzaga no exílio).
Muitas vezes (especialmente na Morte de Tiradentes) há uma seqüência de romances de mesmo tema, que apresentam as vozes internas das diversas pessoas envolvidas nas cenas narradas. Estas vozes internas geralmente estarão assinaladas ou com itálico ou por parênteses.

13.8.06

O Uraguai e A Missão

O que vocês não me pedem de possível que eu não tento fazer? Deixo sim considerações sobre o filme que assistimos sexta e sobre os elementos da ficha com o roteiro de trabalho. Vamos lá?

Quem assistiu ao filme com atenção, não terá dificuldades em perceber que há uma nítida oposição em relação a quem é o grande vilão das guerras guaraníticas, se comparada sua história à de O Uraguai. Jamais poderíamos dizer que o jesuíta é o inescrupuloso que quer a todo custo poder, como Basílio da Gama retrata no padre Balda e no sacrílego Baldeta. Se alguém é vilão em A missão é o governo português, que ordena a luta, e o governo espanhol, que poderia ter agido em defesa dos índios, mas que não o faz para poder lucrar com a venda e a compra ilegal de escravos.
A Igreja encuralada pela sua perda cada vez maior de poder na Europa, se omite, tentando manter ainda a ordem dos jesuítas viva, tanto em Portugal (o Marquês de Pombal, em 1750 ainda não havia expulsado os jesuítas - o que foi apenas questão de tempo) como no restante da Europa. Acaba sendo um pouco "vilãzinha", visto que se preocupa com o poder. Mas não podemos esquecer que a tentativa sustentava missões ainda em outros lugares, já que não afrontava a Espanha nem Portugal, não dando motivos para o extermínio da ordem.
O exército, como vocês devem lembrar, não queria lutar. E isso é dito claramente por um dos soldados. O comandante (pena que Gomes Freire de Andrade não receba o crédito) lembra que é uma questão de dever. Neste ponto, o filme reforça a visão crítica da guerra apresentada pelo poema, ainda que por motivos diferentes faça a crítica.
E o índio? Mocinho, sim, mas um mocinho diferente. Observem: o índio de O Uraguai é moralmente superior e um herói moral que não precisa de brancos para se defender. Afinal, a guerra foi vencida, segundo Basílio da Gama, pela vantagem tecnológica portuguesa. O que se confirma se lembrarmos que as guerras guaraníticas duraram 17 anos. O nativo sabia usar a natureza em seu favor para guerrear. Porém, em A Missão, o índio aculturado na Missão de São Miguel logo é vencido pelos portugueses e na Missão de São Carlos ele conta com a defesa do jesuíta. Aliás, não era essa a função dos jesuítas, proteger o índio da escravidão? Um pobre ser desgarrado da cultura católica, destinado ao inferno, para os preceitos da época, que precisava ser protegido como se protege um animal em uma reserva ecológica. Coitado do índio sem o jesuíta: não ia nem saber cantar em latim, nem tocar violino! Coisas tão úteis na selva, não é mesmo?

Bom, acho que isso ajuda vocês, não é mesmo? Se precisarem de mais, mandem um recado por aqui, um sinal de fumaça para o email ou usem e abusem do atendimento na escola.

Beijo pra todo mundo e até a próxima!

9.8.06

Missões - Crônica de um Genocídio

Tanto A Missão quanto O Uraguai podem ser entendidos como crônicas, no sentido de registro histórico, do genocídio dos povos guaranis que habitavam a região ainda indefinida de sul do Brasil, norte do Uruguai. Mas o tíulo desse post não é especificamente sobre nenhum desses dois textos de que já falamos e sim sobre um livro acerca do mesmo assunto, de Décio Freitas. Missões - Crônica de um Genocídio é, aliás, o nome deste material, não-ficcional, que trata justamente das questões políticas, sociais e históricas que envolveram a atuação dos padres jesuítas dentro das missões, sua relação com os índios, e a ação final das coroas portuguesa e espanhola.
Fica aqui uma dica de leitura para quem quiser se aprofundar mais sobre o tema. E, para dar mais água na boca, fiquem com alguns trechos da resenha feita pela revista "Aventuras na História" sobre o livro de Freitas. O link para o texto completo da resenha, no fim do post.
Ah, e para não perder o costume: beijo pra todo mundo e até a próxima!


Você olha para o mundo de hoje e vê: montes de desempregados sem perspectiva de trabalho; crianças sem escola nem lugar para dormir, descartadas do mundo. Milhões sem acesso à mínima educação, menos ainda à arte e à cultura. Fome de um lado, superabundância do outro. Guerras em nome de interesses privadíssimos. Dispondo de indignação moral, mesmo que de pouca, qualquer um tem vontade de fazer alguma coisa, nem que seja apenas sonhar com um mundo menos injusto. Por exemplo: uma sociedade de pleno emprego, em que não haja as vergonhosas filas nas madrugadas à procura de uma empreguinho humilhante. Escola e saúde para todo mundo, crianças bem tratadas, com sala de aula, roupa, atenção. Ninguém com fome e ninguém com riqueza acumulada para ostentação. Progresso tecnológico, desenvolvimento artístico, alfabetização para todos.
Todos nós brasileiros já ouvimos falar no colégio que essa utopia igualitária já existiu. Floresceu por décadas, antes de ser destruída em uma guerra pra lá de violenta, bárbara. Foi a realização dessa utopia, conhecida genericamente como Missões, que levou o historiador Décio Freitas a um de seus mais conhecidos livros, publicado pela primeira vez em 1982, quando a miséria brasileira nem era tão explícita quanto agora, quando mal saíamos da ditadura militar e buscávamos alternativas de futuro, quando fazia o maior sentido retomar experiências luminosas do passado para confrontar a obscuridade do presente.

(...)
As Missões, também chamadas "reduções", sujeitaram o índio, que passou a viver em vilas organizadas, a praticar a monogamia, a trabalhar em horários certos, a prover o futuro de médio prazo, a ser católico.
O outro lado lembra, porém, coisas positivas: se a questão era preservar a cultura dos índios, ele diz que os jesuítas fizeram isso: aprenderam seu idioma, descreveram sua gramática e, com ela, ensinaram futuras gerações. E mais: se as Missões sujeitavam os índios antes livres, caçadores, poligâmicos, que plantavam somente o que comeriam nos tempos imediatos, sem preocupação com o futuro, elas também significaram uma alternativa concreta de vida. Fora delas, o que aconteceu realmente com os guaranis e outros tantos povos indígenas? Foram exterminados, regra geral, ou se aculturaram na marra, passando a viver a vida dos brancos sem a menor chance de preservar o que quer que fosse.

(...)
Passados para domínio português, os padres e índios tiveram de deixar as Missões. Os índios resistiram ainda depois de os jesuítas terem aceitado a transferência imposta por Madri. Mas foram chacinados, em guerra sistemática e moderna, comandada por Gomes Freire de Andrade, figura que ganhou um enorme elogio literário em O Uraguai, poema épico de Basílio da Gama que perpetuou uma interpretação ufanista, pró-lusitana e antijesuítica. Décio diz que os padres "imaginaram erroneamente que a própria Companhia de Jesus, um dos baluartes do colonialismo, permitiria que ultrapassassem os limites dos interesses do colonialismo". Em compensação, "as alternativas do colonialismo não deram melhor resultado: produziram, simplesmente, a genocida extinção dos guaranis", escreveu.

Leia a resenha completa em http://historia.abril.uol.com.br/edicoes/13/obraprima/conteudo_historia_47205.shtml#top

11.6.06

Atendendo a pedidos

Vocês me pediram para deixar a revisão do semestre e os gabaritos das questões de vestibular de Arcadismo. Pronto, estão aqui. Depois não me culpem pelo tamanho do post! ; )
Para organizar: revisão primeiro, gabaritos depois. Vou começar pelo começo então primeiro Quinhentismo, depois Barroco e por último Arcadismo. E os autores eu vou deixar para depois dos movimentos, certo?
Qualquer dúvida, deixem um comentário aqui. Eu respondo assim que puder.

Quinhentismo x Barroco

Quinhentismo
Não há projeto estético
Fascínio pela terra descoberta
Conversão dos indígenas através dos autos de Anchieta
Descrição da terra descoberta recheada de fantasia e utopia



Barroco
Representação da angústia
Fascínio pelas questões espirituais do homem
Conversão de todos os católicos através dos sermões de Vieira
Descrição crítica da colônia nas sátiras de Gregório de Matos

Barroco x Arcadismo

Barroco
Seiscentismo (séc. XVII)
Conflito (antropos x teos)
Cristianismo
Ideais da Contra-Reforma
Fé e emoção
Arte aristocrática
Ambiente urbano
Gosto por raciocínios complexos, intrincados
Vocabulário rebuscado
Uso da ordem inversa (hipérbato)
Paradoxos, antíteses, gradações, metonímias
Exagero emocional
Lírica diversificada (amorosa, sacra, filosófica)
Amor arrebatado, conflito entre o desejo e o pecado
Dúvida, medo da morte, submissão a Deus
Sátira de cunho pessoal e político; uso de vocabulário chulo

Arcadismo
Setecentismo (séc. XVIII)
Antropocentrismo
Paganismo
Ideais do Iluminismo
Razão
Arte de ideologia burguesa
Bucolismo (fugere urbem)
Busca a clareza de idéias, despreza o inutilia truncat
Vocabulário simples

Uso da ordem direta dos termos da oração
Uso de poucas figuras de linguagem
Contenção emocional
Produção repetitiva, sem inovações entre os autores
Amor convencional, sereno, sem grandes obstáculos
Aproveitar o momento sem medo pelo futuro
Sátira de cunho político apenas, sem ataques pessoais; vocabulário sóbrio

Autores


Pe. José de Anchieta
Jesuíta com a missão de evangelizar e converter os índios
Luta contra as religiões indígenas
Usa o teatro, a música e a poesia
Usa elementos da cultura indígena para conseguir a adesão dos espectadores

Pe. Antonio Vieira
Jesuíta com a missão de evangelizar e converter todos os colonos
Luta contra as religiões protestantes
Usa o sermão como arma política
Usa citações bíblicas, parábolas, comparações, para persuadir os ouvintes


Gregório de Matos
Lírica multiforme (amorosa, filosófica / reflexiva, religiosa/sacra)
Sátira popularesca, critica todos os componentes da sociedade
Sonetista

Tomás Antônio

Gonzaga


Lírica inovadora na 2ª metade de Marília de Dirceu (poesia biográfica)
Sátira elitista, critica apenas o governador e seus assessores
Produz liras de métrica e estrofação regular, mas não usa o soneto


Gabarito das questões de vestibular (pg 186)

9 - D. Linguagem rebuscada é característica do Barroco, não do Arcadismo.

10 - B. A exploração do ouro era a principal atividade econômica na colônia durante o século XVIII.

11 - A. A poesia satírica é aquela em que o eu-lírico (a voz poética do texto) ridiculariza ou critica alguém baseando-se em atitudes públicas, fisionomia, comportamentos. Como o eu-lírico do texto de cordel critica os deputados, de uma maneira geral, esta sátira coincide com o alvo das Cartas chilenas, o personagem Fanfarrão Minésio (psudônimo usado para se criticar o governador das Minas).

13 - A. Observem que esta é a única alternativa que corresponde a características do movimento árcade, ao qual Bocage pertenceu.

14 - B. Como eu comentei em sala e aqui no blog mesmo, a personificação é uma figura de linguagem muito presente nos textos árcades, tal a importância da natureza para que se construa um cenário de serenidade, reeptivo ao amor sereno e ao espírito tranqüilo do eu-lírico deste movimento. No caso do texto I, o rio Tejo, de Portugal, sorri, atitude humana. Os Zéfiros são os ventos. Bocage usa este nome porque Zéfiro é a divindade mitológica que controla os ventos (o que é uma referência pagã). Brincar também é uma atitude humana. Estas duas imagens (rio que ri, vento que brinca) são personificações - também chamadas de prosopopéias.

Fiquem com Deus e bom estudo!



4.6.06

A linguagem barroca e a linguagem árcade

Olá gente,

Eu sei que faz muito tempo que não posto nenhuma atualização aqui e peço que me desculpem. Mas vida de professor em fim de semestre é uma loucura muito maior do que a de vocês, podem acreditar.
Atendendo ao pedido que Eduardo me fez, vou deixar hoje um post sobre as diferenças de linguagem do barroco e do arcadismo e as diferentes figuras de linguagem destes dois movimentos.
Uma coisa importante acerca disto e em relação à qual todos devem ficar atentos é a seguinte: não é porque a linguagem árcade é mais simples que a barroca que não há figura de linguagens nela. O que ocorre é uma exploração muito menos exagerada, mais "clean", como costumamos dizer. Os árcades são, de certa forma, minimalistas: para eles menos é mais. Mas isso não significa dizer que não há figuras, certo?
Entendido esse ponto, vamos em frente...
Como vocês devem lembrar, eu ressaltei nas aulas que o Barroco tem como figuras de linguagem principais a antítese, o paradoxo, a metonímia, a metáfora e a gradação. Para quem está com a memória mais curta, vamos lembrar em que consistem estes jogos de palavra.

A metáfora é uma comparação implícita entre dois termos. Implícita porque não faz uso dos elementos (conjunções e expressões comparativas - como tal qual, como, que nem, tão... quanto..., tanto... quanto...) que normalmente relacionam os itens comparados em um discurso. Assim enquanto na frase "Saudade amarga que nem jiló" (para lembrar um pouco de Luiz Gonzaga nesse período junino) temos comparação (pois foi usado um termo que explicita a relação dos termos), na frase "Saudade é arrumar o quarto do filho morto" (citando agora o grande Chico Buarque) temos metáfora.

Muita gente confunde a metonímia com a metáfora, mas ambas são processos bastante diversos de inovação nos sentidos das palavras . Na metonímia não existe comparação entre termos, mas usamos um em substituição ao outro. Isto fica mais claro quando lembramos daquele texto de Gregório de Matos trabalhado em sala de aula e que está no material de vocês, "Buscando a Cristo". Nele, em lugar de se referir à imagem de Jesus Crucificado como um todo, Gregório substitui o todo pelas partes: os braços, os olhos...
Ainda com dúvidas? Então observem esses usos cotidianos de metonímia:
"Sujou? Usa Dragão" -> o nome da marca substitui o do produto, água sanitária
"Mas ele só tomou um copo!" -> o nome do objeto que contém o líquido substitui o conteúdo o qual foi o elemento realmente ingerido

A gradação, por sua vez, é um encadeamento de palavras que encerram a mesma idéia geral, mas cuja ordenação constrói um reforço ou uma suavização desta idéia. Um exemplo é um verso de uma música da Legião Urbana feita para Cássia Eller "Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher". Observe que as palavras fera e bicho são sinônimos, pois ambas podem designar os mesmos animais. Porém há uma idéia maior de selvageria na palavra fera. Idéia que perde a força quando se chega ao elemento seguinte, bicho. Continuando a gradação, o autor - Renato Russo, no caso - estabelece outra relação de sinonímia: anjo e mulher. Em ambos há uma idéia de sublime (principalmente se considerarmos o restante da música, em que se fala da gestação de uma criança: "Do ventre nasceum novo coração" está há apenas três versos de distância). A palavra anjo, porém, encerra a idéia de divindade com mais força do que a palavra mulher. Nas duas gradações há uma tendência para se reforçar a idéia da humanidade do eu-lírico, que, embora seja ao mesmo tempo todos esses elementos, vai minimizando o exagero do animalismo e da divindade, se situando num meio termo.

Viajei demais? Então vamos para o básico: se numa conversa entre dois amigos um diz que "A viagem foi muito boa, arretada, irada" a idéia de qualidade, iniciada no adjetivo boa, vai ganhando reforço gradativo até chegar na força máxima: irada. Se a ordem dos adjetivos for contrária, retira-se a força da idéia, graduando-a para baixo.

Estas três figuras são mais típicas do Barroco, mas podem, sem problemas, aparecer também em textos árcades, como neste terceto de Bocage, poeta árcade português
"Ah! Não me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidão, e a morte"

A antítese e o paradoxo, por sua vez, raramente vão aparecer em textos Árcades. Lembrem-se de que o Arcadismo já conseguiu fazer a ordenação do caos Barroco e, por isso, não se fascina tanto com as dualidades da vida e do ser humano. E, em tempo, para refrescar: na antítese, as idéias contrárias fazem parte de seres ou momentos diferentes. No paradoxo os opostos convivem ao mesmo momento no mesmo ser. As ações dormir e acordar são antitéticas, ou seja, formam uma antítese. Mas a ação de dormir acordado é paradoxal, pois reúne os dois opostos ao mesmo tempo.

Aí vocês me perguntam: Existe alguma figura que seja mais usada no Arcadismo? Sim, senhoras e senhores. A prosopopéia. (Momento para vocês perguntare: É o quê?) Prosopopéia ou personificação. É a figura que faz com que seres inanimados, animais, elementos da natureza executem ações ou manifestem sentimentos humanos. Como o Arcadismo dá muita importância ao cenário proporcionado pela natureza, ele vai explorar muito essa figura em versos como:

"Vós que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei: que Amor tirano
Onde há mais resistência mais se apura"

"Enquanto pasta alegre o manso gado,
minha bela Marília, nos sentemos
à sombra deste cedro levantado.
Um pouco meditemos
na regular beleza,
que em tudo quanto vive nos descobre
a sábia Natureza."

Penhas é uma palavra antiga para pedras. Ou seja, na primeira estrofe (de Cláudio Manoel da Costa), Glauceste Satúrnio - pesudônimo de C. Manoel da Costa - alerta que as pedras devem temer (uma ação tipicamente humana), pois o amor é mais avassalador onde encontra mais resitência.
Na segunda estrofe, de Gonzaga, o gado é alegre (emoção humana) e a Natureza é sábia (qualidade humana).

Bem, quanto a figuras é isso. Há um predomínio maior do uso de metáforas, metonímias e gradações no Barroco, mas elas também podem estar presentes no Arcadismo. Já o paradoxo e a antítese raramente vão aparecer neste movimento, sendo mais típicas do sesicentismo.

Espero que as dúvidas tenham sido esclarecidas. Se não, terça-feira eu estou na escola nos dois primeiros horários, então, podem me procurar.

Um beijo a todos, bom início de semana e boas provas!

29.4.06

Questões de vestibulares - livro antigo

Como prometi em sala, vou deixar aqui as questões de vestibular do livro da edição antiga. Para quem está perdido, as questões estão nas páginas 112 e 113.

1.
a) Os paralelos são: semeador / o que semeia; pregador / o que prega; soldado / o que peleja (luta); governador / o que governa.
b) O autor compreende que os nomes "semeador", "pregador, etc. são apenas nomes vazios ou instrumentos da ação. A ação verdadeira é sugerida nas expressões explicativas ("o que semeia", "o que prega").

2.
a) Reparai (o sujeito é "vós", implícito no contexto, e refere-se aos ouvintes).
b) Modo imperativo afirmativo, 2ª pessoa do plural

3. A
4. D
5. C
6. A
7. A
8. D
9. D
10. E
11. D
12.C
13.D

Qualquer dúvida, procurem-me!
Bom feriado!!

14.3.06

Cultismo e Conceptismo

No início do nosso trabalho, você leu dois textos: o sermão em que Vieira tenta convencer os fiéis a se sujeitarem ao sofrimento humano evocando o sofrimento dos mártires da Igreja e o poema de Gregório em que ele demonstra que deseja unir-se a Cristo para, junto com as dores do Salvador, expiar seus pecados. Cada um deles pertence a um diferente estilo de escrever literatura do movimento barroco: o conceptismo e o cultismo.
Estes dois estilos, que não se excluem, enfatizam elementos diferentes do texto. O conceptismo, assim como o nome lembra (concepção = idéia, conceito), enfatiza o plano das idéias do texto, e procura ressaltá-las, evidenciando-as e as tornando o mais claras possível. O cultismo, por sua vez, é o culto da forma do texto e procura enfatizar a expressividade deste através do uso (e abuso) das figuras de linguagem.
Explicando mais um pouquinho o mesmo ponto: o cultismo valoriza a forma e a imagem construída no texto através de jogos de palavras (uso de metáforas, metonímias, hipérboles - exageros - antíteses, paradoxos e comparações). Este jogo de palavras brinca com os sentidos que são construídos ao longo do texto. Observe um exemplo num poema de Gregório de Matos:


Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

Observe que o texto de Gregório consegue transmitir ao seu leitor muito da angústia do eu lírico através da confusão dos sentidos das palavras, do não entendimento, do questionamento do mundo. O nascer e o questionamento desta ação, a constância que se revela inconstante, e a firmeza que tem como característica ser inconstante (e por isso não ser firme) revelam uma dificuldade em entender e aceitar o mundo real como ele é. E, como você deve lembrar, estas características opostas num mesmo ser são formalizadas pelo uso do paradoxo.

O conceptismo, por sua vez, valoriza o conteúdo do texto num intuito persuasivo, através de jogos de idéias os quais seguem um raciocínio lógicoque se propõe evidente. É freqüente o uso de comparações explícitas, analogias e até parábola (uso de símbolos e seres inanimados para se contar uma estória de forma a melhor captar o entendimento do leitor). Observe um exemplo de texto conceptista num trecho de um sermão do Pe. Antonio Vieira, conhecido como Sermão de Santo Antônio.

Quis Cristo que o preço da sepultura dos peregrinos fosse o esmalte das armas dos portugueses, para que entendêssemos que o brasão de nascer portugueses era a obrigação de morrer peregrinos: com as armas nos obrigou Cristo a peregrinar, e com a sepultura nos empenhou a morrer. Mas se nos deu o brasão que nos havia de levar da pátria, também nos deu a terra que nos havia de cobrir fora dela. Nascer pequeno e morrer grande é chegar a ser homem. Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento e tantas para a sepultura. Para nascer, pouca terra; para morrer, toda a terra; para nascer, Portugal; para morrer, o mundo.

Observe que neste texto, Vieira procura justificar o expansionismo português com as Grandes Navegações e consolar os exilados no Brasil das saudades de sua terra Natal. Ser peregrino é a missão que Deus, segundo ele, deu aos portugueses. Para comprovar esta afirmação, Vieira usa dois argumentos: Deus deu pouca terra aos portugueses para nascerem, numa alusão à pequena extensão do país, mas deu muitas terras onde morrerem, numa referência às várias colônias de Portugal em três continentes (América, África e Ásia). Portanto, como dádivas divinas, as colônias para onde migram os portugueses devem ser recebidas/habitadas com alegria. A intenção de Vieira é fazer com que os colonos encarem a vida longe de Portugal com a alegria estóica* dos cristãos que suportam todos os fardos para expiar os pecados e alcançar a salvação.

Na Espanha, estes estilos foram também conhecidos como Quevedismo (conceptismo) e Gongorismo (cultismo). Para facilitar a associação, lembre-se que o nosso Gregório de Matos era cultista. Observe que os "gês" que se repetem no nome: é um bom recurso de memorização.

* Estóica = Que tem a qualidade do estoicismo, corrente filosófica grega que considera que cada ser ocupa um lugar predestinado na organização do mundo. O sofrimento, para os estóicos, só acontece quando nos recusamos a seguir os destinos que nos foram traçados. Se alguém sofre é porque trilha (ou tenta trilhar) um caminho contrário ao seu destino.

7.3.06

A linguagem barroca - exercícios

Como prometi, estas são as resoluções dos exercícios da página 118.

1. Os três textos apresentam motivos religiosos. Mostram o sofrimento como uma forma de purificação da alma.

2.
a) Arrependido de seus pecados, o eu lírico identifica-se com a imagem de Cristo e deseja unir-se a ela, integrando-se a Deus e entregando-se a Ele. Observe que, de certa forma, o texto pede o perdão pelos pecados (braços prontos para acolher, olhos prontos para perdoar) e, na última estrofe, clama por uma união do eu lírico com Deus (ficar unido, atado e firme), numa forma de garantir a salvação da alma.

b) A culpa é apresentada em palavras como "castigar", "perdoar", "condenar". O texto mostra que o eu lírico cometeu pecados, mas o Cristo representado na imagem está pronto para a "fazer a salvação", perdoando o pecador.

3.
a) A mão sobre a cruz conecta o corpo ao objeto de tortura, fazendo uma ligação física entre eles. O movimento dos dedos contraídos é típico dos momentos em que sentimos dor.

b) Tristeza, solidão, abandono são alguns dos sentimentos que podem ser representados por esse olhar. Pode estar também, contido nele, o medo do sofrimento e da morte, pelo qual todos os homens passam.

4.
a) perdoar/condenar; despertos/fechados; eclipsados/abertos.
Notem que estes pares opostos convivem, ideologiamente, na mesma figura. Isto faz com o que aquilo que o livro didático chama de antítese seja, na verdade, um paradoxo.

b) Todos os versos da primeira estrofe. Na ordem direta, ficariam assim:

Vou correndo a vós, braços sagrados,
Desobertos nessa cruz sacrossanta,
Que estais abertos para receber-me
E estais cravados, por não castigar-me -> este por tem o significado de para

c) A metonímia é a substituição de uma palavra por outra que a representa. Se dissemos "O Brasil é muito trabalhador" usamos Brasil no lugar de os brasileiros. O mesmo ocorre, por exemplo, em "Adoro ver Steven Spielberg". Aqui o nome do diretor é usado para representar os filmes que ele faz.
A metonímia, no texto, é feita através das partes do corpo do Cristo, a quem o autor se dirige, no lugar da imagem do Cristo crucificado. Este tipo de metonímia é chamado de "parte pelo todo". Através desta metonímia Gregório consegue enfatizar os diversos tipos de sofrimento pelos quais Jesus passou na crucificação e evita a repetição desnecessária de termos.

d) No texto de Vieira a sonoridade é trabalhada através da repetição constante do fonema /s/, presente nos plurais em que foram flexionados a maior parte dos substantivos. O fonema /m/ também se repete bastante no texto, principalmente nos verbos (penduravam, batiam, martelavam, açoitavam).
As imagens fortes ficam por conta da descrição dos diversos tipos de tortura a que eram submetidos os mártires da igreja durante o Império Romano. "Beber chumbo derretido", "arder como tochas" e "imprensavam os ossos, até ficarem uma pasta confusa sem figura" são algumas passagens.

5.

a) A morbidez é trabalhada na descrição detalhada do sofrimento do Cristo, seja verbalmente, seja visualmente.
b) Na descrição minuciosa dos mecanismos de tortura que os homens podem criar.
c) Se os mártires passaram por sofrimentos tão extremos e insuportáveis, o bom cristão, temeroso a Deus, é perfeitamente capaz de renunciar aos prazeres mundanos para alcançar a salvação.

6. As inversões são recursos que tornam a lógica do raciocínio do texto mais difícil de ser acompanhada, e dificulta sua compreensão, restringindo o entendimento do texto a um grupo privilegiado de pessoas. Além disso, o vocabulário usado em ambos os textos não é trivial, mesmo para a época, o que é também uma forma de elitizar sua compreensão.

23.2.06

As repostas dos exercícios

Como eu prometi para quem perdeu a correção dos últimos exercícios, vou deixar aqui as respostas deles e os gabaritos das questões de vestibular. Se alguém deixou de anotar quais são, fica aqui, mais uma vez: na edição nova, página 113, questões 8, 9, 10 e 12.

Exercícios do Livro sobre a Carta de Caminha

1. A resposta desta questão 1 está no primeiro excerto da Carta, o texto 1. O que Caminha alegou como causa para o não entendimento é o barulho feito pelas ondas do mar quebrando na praia. Claro que isso é conversa para português dormir: o verdadeiro motivo era o fato de índios e portugueses falarem línguas completamente desconhecidas uns dos outros.
Mais importante até do que perceber isto é nos perguntarmos porque Caminha escolhe uma desculpa tão esfarrapada para algo tão óbvio. Simples: admitir que não consegue se comunicar com um selvagem é o mesmo que se igualar a ele. E os portugueses precisavam ser superiores.


2. A resposta desta questão 2 está no segundo excerto da Carta, o texto 2. Estar sentado e bem vestido para receber um povo desconhecido era uma atitude, na Europa, típica das autoridades. Cabral, o capitão-mor, reproduz este comportamento, como uma forma de comunicação não-verbal para os índios de que ele era a autoridade ali. Esta atitude, porém, não fazia parte do código cultural dos indígenas e eles simplesmente a ignoraram. O fato de não cumprimentarem Cabral demonstra, mais uma vez, o choque entre as duas culturas.

3. Tanto no texto 2 como no texto 3, Caminha menciona ouro e prata, questionando a existência destes metais. Se recordarmos os motivos das grandes navegações e a exploração das colônias no continente americano, lembraremos que a extração de metais preciosos foi um dos objetivos dos europeus. Os metais preciosos estavam rareando na Europa e era preciso encontrar novas fontes. Cientes disto, os navegadores foram instruídos a buscar sinais de sua existência.


4. Visto que não havia indícios concretos de ouro, prata e ferro, era preciso encontrar uma outra serventia para a colônia. No primeiro trecho, Caminha inaugura a idéia "em se plantando tudo dá": a presença de tantas águas era indício de fertilidade nas terras, que poderiam ser aproveitadas para o cultivo e o povoamento.
No segundo trecho, Caminha sugere que o rei promova a catequização dos índios nas terras descobertas. Este interesse é particularmente importante em Portugal e Espanha, países em que a Contra-Reforma foi mais forte.

5. Se liguem neste tipo de questão, é bem típica de prova. Os versos de Camões são um trecho de "Os lusíadas", a epopéia da história Portugal. Epopéia é um longo poema épico, gênero literário narrativo em que se conta a história de grandes heróis. Em "Os lusíadas", Camões conta a história de Portugal até o ponto máximo, a navegação de Vasco da Gama até as Índias pela rota do Atlântico. Vejam só: luso = português.
No trecho do poema, se destrincharmos a linguagem poética, temos a seguinte afirmação: Camões se propõe a cantar uma série de eventos e "também as memórias gloriosas daqueles reis que expandiram a Igreja e o domínio português através da extirpação do paganismo em terras africanas e asiáticas".
Ou seja, assim como Caminha, Camões justifica o imperialismo português pela expansão da fé e a civilização de terras selvagens. Uma desculpa bem parecida com a de um certo presidente que diz estar, com a guerra, livrando o mundo da semente do terrorismo...

6. O cartum de Laerte enfatiza a reação dos índios à chegada dos portugueses, retratando, portanto, uma visão do colonizado. Os índios acham inusitado o jeito de ser português: a fala, as roupas...


Correção dos exercícios da Ficha de Aula com o auto de Achieta "Recebimento do Pe. Marçal Beliarte"

1. O conflito entre a cultura portuguesa e a religião católica e a cultura e a religião indígenas. Para superá-lo os jesuítas lançaram mão da literatura de catequese.

2. Trata-se de um aproveitamento da cultura indígena que era feito para conseguir a identificação da platéia com a representação. Se não houvesse este aproveitamento, a platéia não conseguiria se projetar na estória contada e a representação não conseguiria mobilizar a vontade dos índios de se converterem.

3. O teatro de catequese era bastante rústico, simples. Observe que há poucas rubricas (notações do autor para atores e diretores que substitui o narrador do texto épico) e que nenhuma delas menciona o cenário ou o figurino da encenação.

4. O teatro era usado pelos jesuítas para a conversão do índio, narrando a expulsão de demônios através do poder de um índio batizado que manipula elementos da cultura portuguesa (como a espada). Na Idade Média, o teatro era usado pela Igreja para propagar a fé através da narração da vida dos santos e milagres de Cristo.


Gabarito das questões de vestibular

8 - C
A letra A é falsa porque nem sequer a intenção estética, primeira condição para termos literatura, existia nesse período. Quanto mais um sistema literário desenvolvido.
A letra B é falsa porque as produções listadas no enunciado "cartas, tratados descritivos, relatórios e textos catequéticos" pertence ao Quinhentismo, não ao Barroco nem ao Arcadismo.
A letra D é falsa porque o indianismo é a exaltação do índio típica do período Romântico. Já durante o Quinhentismo, o índio é um selvagem inocente ou pecador, mas um selvagem, alguém a ser civilizado, convertido, porque diferente e "inferior".
A letra E é falsa porque não pode haver espírito nacionalista em estrangeiros que acabam de chegar a uma terra visando, meramente, lucrar sobre ela. O Brasil nem sequer era nação, os brasileiros ainda estavam por começar a se formar. Este espírito nacionalista só vai surgir entre nós com o advento da independência.

9 - E
Nem é preciso discutir as proposições: basta reler o texto 3 do exercício sobre a Carta.

10 - B
A primeira proposição é perfeitamente correta. Se considerarmos que "o artista vai aonde o povo está", ou seja, que o artista vai estar junto com as aglomerações urbanas, vamos ter a presença deste artista estreitamente ligada à exploração da colônia (primeiro com a cana e depois com o ouro).
A segunda proposição é incorreta porque não houve dramaturgia no período setecentista.
A terceira proposição é incorreta por causa do comentário "ausência de intenção pedagógica". Os autos de Anchieta e toda a literatura de catequese são textos de cunho pedagógico, pois visam ensinar ao indígena o catolicismo.

12 - C
A questão é idêntica à questão 8. Erro do material de vocês.


Por hoje é isso. Bom carnaval para todos!

21.2.06

Um pouco da visão do índio

Vou deixar para vocês, hoje, um pouco da visão dos nossos indígenas no século XVI. O registro foi feito por um francês que esteve aqui no Brasil no período quinhentista. Seu nome era Jean de Léry. Ele deixou muitas informações sobre a forma de organização da sociedade indígena e suas crenças religiosas. O excerto que vou deixar para vocês mostra os postos de vista do indígena sobre a sociedade européia coletados por Léry em uma conversa com um velho índio tupinambá. Perceba que não apenas os colonizadores tinham julgamentos sobre a cultura "selvagem" (denominação que em si só já encerra um julgamento de valor) como também os índios julgavam - aprovando ou não - os costumes portugueses. Isto nos ajuda a apagar um pouquinho da memória a idéia de que o índio era (é, ainda, para alguns) um inocente sem a menor capacidade crítica e, por isso, facilmente manipulável.

"Devo começar pela descrição de uma das árvores mais notáveis e apreciadas entre nós por causa da tinta que dela se extrai: o pau-brasil, que deu nome a essa região. Essa árvore, a que os selvagens chamam de arabutan, engalha como o carvalho de nossas florestas e algumas há tão grossas que três homens não bastam para abraçar-lhes o tronco. (...)
Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar o seu arabutan. uma vez um velho perguntou-me: Por que vindes vós outros, maírs e perôs (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Nçao tendes madeira em vossa terra? respondi que tínhamos muita mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele o supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual faziam eles com seus cordões de algodão e suas plumas.
Retrucou o velho imediatamente: e porventura precisais de muito? - Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitso navios voltam carregados. - Ah! retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: Mas esse homem tão rico de que me falas não morre? - Sim, disse eu, morre como os outros.
Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: e quando morrem para quem fica o que deixam? - Para seus filhos, se os têm, respondi; na falta desses para os irmãos ou parentes mais próximos. - Na verdade, continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontear riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados"

Sabe a fama de "preguiçoso", "indolente" dos índios? Vem daí, desse estágio de harmonia com a natureza que não cobra dela mais do que ela pode dar. E sabe a fama de "trabalhador", "previdente", "civilizado" dos colonizadores? Cinco séculos depois resultou em poluição, queda drástica da biodiversidade, efeito estufa...
Só para nos lembrarmos que isso de quem é e quem não é civilizado é só uma questão de ponto de vista.
Essa semana eu ainda deixo os gabaritos das questões de vestibular sobre Quinhentismo. Depois do carnaval já começamos o Barroco!

Cheiro pra todo mundo e até a próxima!!

14.2.06

Para ajudar quem tem a edição antiga

Alguns alunos que têm a ediçao antiga do livro didático de Cochar e Cereja me pediram ajuda para começar os estudos. Como eu não estou levando as duas edições para a sala, vou dar essa assessoria aqui, certo?
O assunto "Quinhentismo" está no capítulo 5, a partir da página 74. As questões sobre literatura de informação que já resolvemos na edição nova são praticamente as mesmas, só muda a última, pois o texto não-verbal é diferente. A edição nova tem um cartum de Laerte que mostra os índios rindo dos portugueses, na praia, com as caravelas ao fundo. A antiga, por sua vez, usa uma tira de Luís Fernando Veríssimo, da série "As Cobras" (de que eu gosto muito, por sinal). Na tira, uma cobrinha se aproxima de outras duas e pergunta: "Pesquisa! Devolver o Brasil aos índios, sim ou não?". As outras duas se entreolham e uma delas indaga de volta: "Eles devolvem os espelhinhos?".
A questão pede que se expliquem a desigualdade de condições culturais e tecnológicas que havia entre índios e portugueses no período do "descobrimento". A reflexão sobre este tema, a partir da pergunta da última cobrinha, leva-nos a perceber a manipulação que os colonizadores fizeram dos silvícolas (índios) através da tecnologia. O espelho era algo supérfluo e inútil na terra conquistada (ninguém tinha lá muito tempo para ficar se "embonecando" por aqui, se não havia centros urbanos e, principalmente, se a noção de belo da sociedade que viria ser a brasileira ainda eram duas, completamente diferentes). Mas para os índios era uma novidade e tanto. A tecnologia tanto serviu para que a colonização fosse pacífica (manipulando-se os índios através do oferecimento de utensílios estranhos à sua cultura - estranhos e inúteis) como também para a conquista pela força (afinal, os portugueses tinham armas de fogo e até canhões em sua esquadra).
Por hoje é isso.
Um cheiro e até mais!

7.2.06

No início dos tempos

O Quinhentismo, como começamos a ver, é o período em que se começa a escrever sobre o Brasil. Essa escritura tem dois objetivos principais: informar Portugal sobre como é a natureza e o homem que vive na nova terra e catequizar as populações indígenas. É por isso que, de acordo com o objetivo do texto, classificamos a produção desse período de literatura de informação ou literatura de catequese.
Quer dizer que não houve, então, literatura propriamente dita sendo produzida neste período? Não é que não houve, mas não sobre o Brasil e muito menos por brasileiros (já que ainda estávamos em formação e o acesso a cultura era restrito às pessoas que iam a Portugal se educar). Esta produção só vai acontecer no século XVII.
O que é importante saber sobre o Quinhentismo? Bem, o que se destaca neste período é a visão que os portugueses apresentam, em seu texto, sobre o indígena, sua cultura e sobre a natureza do nosso país. Estes elementos são tão importantes que vão ser revisitados, resgatos posteriormente, durante o Romantismo (segunda metade do séc. XIX) e o Modernismo (principalmente na primeira fase do movimento, entre 1922 e 1930).
Hoje, eu vou deixar para vocês um trechinho da obra de Pero de Magalhães Gândavo, História da província de Santa Cruz. Neste trecho, Gândavo faz uma descrição do físico, dos hábitos de comportamento e da moral dos indígenas. Repare que ele apresenta, mais ou menos explícita, de acordo com o texto, uma visão negativa dos silvícolas. Para Gândavo, eles são “machos” e “fêmeas”, não “homens” e “mulheres”, o que os desumaniza. Além disto perceba a quantidade de características negativas enumeradas no texto (deixarei as passagens demarcadas em negrito para ajudar você a localizá-los).
Boa leitura!
Um cheiro,
Bianca

Estes índios são de cor baça, e cabelo corredio; têm o rosto amassado, e algumas feições dele à maneira de chinês. Pela maior parte são bem dispostos, rijos e de boa estatura; gente mui esforçada, e que estima pouco morrer, temerária na guerra e de muito pouca consideração: são desagradecidos em grande maneira, e mui desumanos e cruéis, inclinados a pelejar, e vingativos por extremo. Vivem todos mui descansados sem terem outros pensamentos senão de comer, beber, e matar gente, e por isso engordam muito, mas com qualquer desgosto pelo conseguinte tornam a emagrecer, e muitas vezes pode deles tanto a imaginação que se algum deseja a morte, ou alguém lhe mete em cabeça que há de morrer tal dia ou tal noite não passa daquele termo que não morra. São mui inconstantes e mudáveis: crêem ligeiro tudo aquilo que lhes persuadem por dificultoso e impossível que seja, e com qualquer dissuasão facilmente o tornam logo a negar. São mui desonestos e dados à sensualidade, e assim se entregam aos vícios como se neles não houvera razão de homens: ainda que todavia seu ajuntamento os machos e fêmeas têm o devido resguardo, e nisto mostram ter alguma vergonha.

2.2.06

Um bom começo!

Olá, pessoal! Esta é uma nova experiência para mim, usar um blog como ferramenta de ensino. Num primeiro momento eu aqui pretendo deixar para vocês resumos, textos extras, orientações, exercícios e correções de exercícios além dos que vamos trabalhar normalmente em sala. Deixo um espaço aberto para vocês, nos comentários, poderem fazer sugestões e tirar dúvidas. A atualização provavelmente será semanal, mas dependendo do andamento da nossa disciplina, pode haver mais de uma na semana.
Hoje, para começar, eu vou deixar um pouco mais sistematizado o assunto da nossa primeira aula: o que é literatura e qual é a sua função.Convencionalmente, vamos estabelecer que para haver literatura, é preciso existir a intenção de se fazer uma obra de arte com a palavra. Isto é o que chamamos de intenção estética. É esta intenção que recria na obra de arte, a realidade, sob o ponto de vista do projeto artístico do seu autor. É por isso que, embora possamos ter obras de arte a respeito de acontecimentos reais, elas são sempre uma recriação da realidade. Mesmo que o autor queira ser o mais objetivo possível nessa recriação, sempre há algo na sua obra que vai transparecer a interpretação que ele mesmo deu ao seu tema.
Esta intenção estética se torna palpável, observável, no trabalho com a língua que o escritor faz quando escreve um texto literário. De acordo com o que, em sua época e em seu projeto pessoal, é considerado o "belo" da palavra, o escritor vai fazer usos especiais da língua. Esse "uso especial" vai se realizar no uso da conotação (sentido figurado das palavras) e das figuras de linguagem.
E qual é a função da literatura? Um escritor dos anos 80 de que gosto muito, Caio Fernando Abreu, certa vez disse que "Os escritores, os ficcionistas e os poetas são os biógrafos da emoção". Isso significa que além do proveito pessoal que podemos ter da literatura, existe um proveito no estudo da história do homem. Enquanto conhecemos os fatos e a formação das sociedades através da História, conhecemos como o homem que viveu aqueles fatos e naquela sociedade percebia a si mesmo e ao mundo através da Literatura. A História nos conta o quê; a Literatura, como.
Primeiro post grande... Prometo tentar ser mais objetiva nos próximos.Cheiro pra todo mundo e até semana que vem!