20.2.08

O homem e sua relação com o espaço

Olá, pessoas!

Eu não pude vir aqui antes em decorrência de uma série de compromissos e também porque estava esperando que as turmas ficassem relativamente em ordem para deixar um texto de revisão e reflexão que servisse para todos. E aqui fica ele.

O segundo material que trabalhamos em sala tratava da relação do homem com o espaço. Nele vimos duas manifestações líricas em que esse eu lírico, esse personagem que registra suas emoções e pontos de vista sobre o tema, tem do espaço com que se relaciona. No caso de uma canção tínhamos o espaço da cidade e no caso da outra o do país.

A relação emocional que um ser humano tem com relação ao espaço em que ele vive tem a ver com a nossa própria identidade. Muito daquilo que somos vem de onde moramos, do que conhecemos. Caetano Veloso, em Sampa, registrou isso muito bem. Ele compara a relação com o espaço a olhar-se no espelho. No caso do eu lírico desse texto (que tem muito a ver com o autor, nesse caso), não há uma identificação, em primeiro momento, com a cidade. São Paulo, naquele momento de migração, não reflete quem ele é, suas visões de mundo. Ele não vê seus paradigmas (seus valores) naquela cidade e isso provoca uma sensação de profundo estranhamento. A palavra pode parecer meio esquisita, mas é um termo muito usado em literatura e em psicologia também.

Essa relação de estranhamento com o novo (“à mente apavora o que ainda não é mesmo velho”, lembram) é típica do ser humano e muito comum no processo de migração. Ela pode resultar em duas atitudes posteriores: a adaptação ou o isolamento.

No primeiro caso, o estrangeiro, aquele que migra para um outro lugar, revê suas referências e procura absorver as novas, fazendo aquilo que chamamos de sincretismo. O sincretismo nada mais é do que misturar as diferentes referências culturais, as da origem e as novas, e fazê-las coexistir. Um exemplo de sincretismo é o que acontece na Bahia, nas manifestações e festas religiosas. Lá a cultura africana e a européia são misturadas em referências e uma mesma pessoa pode, num mesmo dia, freqüentar a missa para Santa Bárbara e a festa à Iansã. A santa católica e a orixá do candomblé são representadas pela mesma imagem e festejadas na mesma data.

No segundo caso é muito comum que haja a formação de guetos. Os guetos são grupos sociais que se formam em uma cidade cujas raízes são as mesmas. Nos Estados Unidos, por exemplo, as grandes cidades são formadas por bairros que se caracterizam pela raiz de seus moradores. Existem os bairros latinos, os bairros negros e assim por diante. Dependendo da abertura que os grupos que lá moram têm para se relacionar com a cultura do restante da sociedade, eles podem ou não constituir guetos.

Essa formação de guetos é bastante comum quando há correntes migratórias constantes. Indo para um novo país, como o Japão, por exemplo, os brasileiros tendem a permanecer juntos para se darem suporte. Afinal, eles compartilham da mesma língua e da mesma cultura (de uma maneira geral, pelo menos). Se eles passam a se relacionar apenas entre si, conversando apenas com brasileiros, mantendo hábitos e comportamentos brasileiros em casa, podemos ter a formação de um gueto.

No caso da canção de Caetano Veloso, vemos que existe um processo de adaptação à cidade de São Paulo. Afinal, há alguma coisa que acontece no coração dele e que só São Paulo consegue provocar. Aquela cidade, mesmo com as dificuldades do início, da chegada, mesmo com os defeitos que ela tem (o povo oprimido, a fumaça, a perda de coisas belas por causa dos investimentos financeiros), desperta no eu lírico admiração e ternura. Por isso, podemos afirmar que nesse elogio que Caetano tece em Sampa existe um ponto de vista positivo (mas não ufanista, como já estudamos).

Já em Aluga-se temos um eu lírico que não se relaciona com o país com esse processo de incorporação de uma identidade nacional (como aconteceu em Sampa), mas sim temos um eu lírico cuja identidade é solidamente formada. Isso porque ao invés de um estrangeiro, como havia em Sampa, temos um nativo falando a respeito do próprio lugar. Um nativo que demonstra a sua indignação por esse lugar ser desvalorizado e por se permitir que ele seja explorado de acordo com os interesses estrangeiros.

Essa crítica não ocorre, como comentamos em sala, de uma forma óbvia. Se formos ler o texto sem maior atenção, mais parece é que o eu lírico deseja que o Brasil seja alugado. Mas basta um pouquinho mais de reflexão para se perceber que a letra da canção é recheada de ironia, aquela figura de linguagem que vocês estudaram na 8ª série, lembram? A letra, aliás, é tão irônica que chega a ser sarcástica.

Essas duas relações com o espaço manifestadas nas canções sintetizam o que mais de comum se apresentou nessa temática na história da Literatura. A partir de agora vamos mergulhar em outro contexto histórico, o do século XVI, para observar como elas foram registradas, quais são as características dos textos que compartilham desse momento histórico e se houve a predominância de alguma delas durante esse período. E, se houve, mais importante ainda: por quê? Que ideologia, que interesses políticos e econômicos podem ter contribuído para que houvesse essa predominância.

Por hoje é isso. Abaixo ficam as resoluções das questões sobre as duas canções para quem perdeu alguma correção. Os desafios da ficha 2 ficam para um próximo texto, já sobre a literatura do século XVI.

Fiquem com Deus e sejam FELIZES!




Resolução do “Interpretando o texto”

1. O tema de Sampa é a relação do eu lírico com a cidade de São Paulo. A respeito da cidade primeiro o eu lírico sente estranhamento, espanto, surpresa, mas depois passa a sentir admiração, carinho, amor.

2. O tema de Aluga-se é a relação do eu lírico com o Brasil, mais especificamente com a exploração do Brasil por estrangeiros. Em todo o texto ele manifesta indignação, revolta, raiva a respeito desse assunto.

3 . Narra a sua chegada à cidade.

4 . Ele afirma que “Nós não vamos pagar nada”, “É tudo free!”, “Os estrangeiros (...) vão gostar” e que “O dólar deles paga o nosso mingau”.

OBS.: Quando o eu lírico diz que “Tem o Atlântico, tem vista pro mar / A Amazônia é o jardim do quintal” ele usa argumentos para comprovar um argumento anterior (“Os estrangeiros (...) vão gostar”) e não para defender a “sua” opinião (“A solução é alugar o Brasil”). Esses argumentos, na verdade, são formas irônicas de criticar essa atitude permissiva diante dos interesses estrangeiros.

5.
a) O eu lírico não consegue ver beleza na cidade porque ela é muito diferente daquilo que ele conhecia como cidade.

OBS.: Narciso é um personagem da mitologia grega. Conta a lenda que quando ele nasceu era a criança mais bela que o mundo já viu. Orgulhosos, seus pais o levam a um oráculo, para saber o futuro do menino. O oráculo diz então que ele jamais deve ver o próprio rosto, senão um monstro terrível o consumiria. Os pais criam, então, Narciso sem que ele jamais veja o próprio reflexo. Porém, um dia, numa caçada, Narciso se afasta de seus amigos e, com sede, vai até um lago. Ao se inclinar ele se vê refletido na água e se apaixona perdidamente por si mesmo. Algumas versões do mito dizem que ele morre afogado tentando desesperadamente agarrar a si mesmo; outras dizem que ele fica ali, se olhando, quase hipnotizado, e vai definhando, porque não abandona a imagem nem para comer nem para beber. Vendo isto, Zeus, rei dos deuses, com pena, fulmina Narciso com um raio. Em todas as versões, na beira do lago onde Narciso morre, nasce uma flor que pende para a água, como se olhasse para si mesma. Essa flor tem o nome do personagem.

b) O que é novo assusta as pessoas.

OBS.: Aqui Caetano lançou mão de uma figura de linguagem muito usada na literatura da Era Clássica, como é chamada a literatura dos séculos XVI, XVII e XVIII: o hipérbato, também conhecido como inversão. Essa figura de linguagem altera a ordem natural dos elementos da frase (Sujeito + Verbo + Predicado). O natural seria: “o que não é mesmo velho apavora à mente”. Ao usar primeiro o objeto, depois o verbo e só então o sujeito, o autor faz uso do hipérbato.

6. “Os novos baianos” é a denominação de um grupo de músicos que assim como Caetano, migra para São Paulo nos anos 60. Esse grupo centralmente foi formado por Baby do Brasil (na época Baby Consuelo), Moraes Moreira, Pepeu Gomes, entre outros artistas. Eles acompanharam as idéias e o trabalho de outros músicos, como o próprio Caetano e Gilberto Gil.
Já a expressão “novos baianos”, sem o artigo não faz referência a nenhum grupo específico de baianos. São simplesmente pessoas que também pertencem ao estado e que se mudam para São Paulo para procurar novas oportunidades de vida.

7. São visões contrárias, visto que, apesar dos defeitos que a cidade tem, o eu lírico de Sampa manifesta uma visão positiva sobre o espaço, enquanto em Aluga-se predomina uma visão negativa.

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