Olá, pessoas.
Eu gostaria de ter deixado esse post aqui antes, para atender às solicitações de vocês, mas não foi possível. Provinhas e alguns trabalhos para corrigir fazem isso com o fim-de-semana de uma pessoa :P. De qualquer jeito, cá estamos.
Para quem ainda não aterrisou: prova depois de amanhã sobre ROMANTISMO. Do contexto histórico à segunda geração, cai tudo! E aqui fica uma pequena revisão.
O Romantismo vai inaugurar, na segunda metade do século XIX (1836 a 1881 no Brasil), a arte de expressão burguesa. Embora o movimento árcade já tenha, no período anterior, hasteado, no campo ideológico, a bandeira dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que fundamentam as revoluções burugesas (Revolução Francesa, Revolução Industrial e Independência das Colônias Americanas), a forma de se fazer arte (todas elas, plásticas, cênicas, verbais) era pautada nos ideais clássicos da Antigüidade Greco-Romana, e que foi extensamente repetido pela aristocracia. Assim, esteticamente, até o Arcadismo, as artes eram muito mais voltadas para o ideal aristocrático de beleza (ficando a Idade Média e o Barroco com alguns elementos de apresentação da arte popular, apenas). Somente no movimento romântico que a estética da arte vai se alterar para representar a concepção de belo da buguesia (nova classe no poder).
Essa concepção vai se pautar pela ênfase na liberdade de criação, que chega à iconoclastia (quebra dos modelos pré-existentes) e à tese da expressão livre do gênio, crença que procurava assegurar a originalidade do texto através da não-revisão deste quando concluído. Isso faz com que a arte romântica oscile entre momentos grandiosos e outros de péssima qualidade.
Junto a essa liberdade criadora, liberdade de expressão, predomina também a busca pelo mundo ideal preconizado pelo lema da revolução francesa na arte romântica. Por isso os personagens do romantismo vão ser tipos cuja diferença de caráter sempre será bastante demarcada. Mocinhos são mocinhos mesmo, perfeitos estetica e moralmente. E os vilões serão sempre a escória total da humanidade, sem nenhum traço de humanização, perdão ou virtude. Pessoas e sentimentos estarão, neste movimento, sempre retratados de maneira completamente parcial e exagerada. O amor, tema tão caro aos românticos, é a mola propulsora do mundo, que pode transformar um homem num louco ou num santo, de acordo com seu caráter original.
Neste momento, uma pausa para não haver a confusão propiciada pelo nome do movimento. Romantismo vem de romance, mas romance nesse caso não é sinônimo de história de amor (essa conotação só foi atribuída depois, e por causa do movimento). Romance é uma estrutura narrativa que foi particularmente desenvolvida nesse período. Lembram da epopéia? Era o gênero narrativo lido feito pela aristocracia. Para se opor a ela, os românticos se dedicarão ao romance: gênero narrativo em prosa, de estrutura mais simples e cujos personagens são centrados nos tipos comuns do cotidiano.
Voltando à programação normal, vamos revisar um pouco das duas primeiras gerações. As distinções entre elas são bastante evidentes: a primeira assinala-se pelo indianismo, a exaltação da pátria e de sua natureza peculiar; a segunda ressalta-se pela melancolia, pela tristeza, pelo pessimismo e a vontade de fugir da realidade. Enquanto há um otimismo e uma utopia inerentes aos românticos indianistas/nacionalistas, os ultra-românticos (ou byronianos, ou geração mal-do-século) apresentam um profundo desgosto pela vida, que ora os faz desejar a morte, ora se manifesta na busca pelos vícios, pelo exílio voluntário numa vida decadente e cínica.
Já que ainda é domingo e há um pouquinho de tempo, aqui fica uma dica de dois filmes que podem ajudar vocês a entenderem um pouquinho melhor o espíritos desses dois grupos de poetas. Pocahontas e Moulin Rouge :P. É sério! O primeiro vai exaltar a natureza americana, a vida natural dos índios, sua bondade natural, seu desapego material, sua perfeição de caráter. No segundo temos em Christian (olha só, Cristão) apaixonado por Satine (Satânica... oposição interessante), um ingênuo escritar que se envolve com uma criatura do "sub-mundo" de Paris. Por esse amor, Christian se envolve profundamente no ambiente decadente do bordel, cai nas garras do absinto (bebida de poder tão destrutivo que matou muita gente e se tornou ilegal) e se torna um pária (como o vemos no início do filme). Observem que enquanto Christian é ingênuo (como a face Ariel de Álvares de Azevedo), a realidade que ele vê é rica, colorida, feliz. Quando Christian perde sua ingenuidade (como a face Caliban de Azevedo), essa realidade passa a ser cinza, escura, decadente.
É isso. Espero ter ajudado.
Até a próxima!
22.10.06
7.10.06
Instruções de apoio para o trabalho e exemplos
Demorou mais do que eu gostaria a oportunidade para que eu pudesse sanar as últimas dúvidas de vocês, mas finalmente estou podendo redigir este post.
Primeira coisa: relaxem! Vocês estão complicando mais o trabalho do que ele realmente é. A reescritura não é um tratado de pós-graduação, nem estou exigindo de vocês uma linguagem rebuscada. A linguagem que vocês devem usar deve ser coerente com a ambientação que vão dar ao diário, essa é a única exigência. Se vocês planejaram fazer um diário informal, podem fazer uso de uma linguagem informal também, com gírias e abreviações até. Só tenham o cuidado de fazer com que essa informalidade seja coerente, também, de acordo com o perfil desse eu-lírico (a idade dele, por exemplo).
Segundo: como um diário é um texto pessoal, me primeira pessoa, usem essa primeira pessoa sim! Como eu falei em sala, a premissa do trabalho é: como Cecília Meireles teria organizado o planejamento do Romanceiro da Inconfidência durante sua viagem à região de Ouro Preto através de anotações em um diário? Ou seja: à medida que ela conhece o ambiente e o pesquisa, quais são as imagens que ela começa a selecionar para produzir os poemas? É claro que nem tudo que está no planejamento necessariamente está no livro: podem faltar idéias, sobrar ou ela pode, ao longo do diário, mudar de opinião e modificar a forma que havia planejado para produzir um poema X.
Abaixo vou deixar um exemplo para vocês de como organizar um capítulo (data) do diário. Para vocês não se perderem, nele está a reescritura do Romance VIII ou Do Chico-Rei. Por favor, não copiem. A originalidade é um dos critérios de correção do trabalho de vocês. E, lembrando: entrega dia 17/10.
Qualquer dúvida, mandem um comentário por aqui que eu respondo assim que puder.
Até mais,
Bianca
20/04/1940
Os folclores que compõem essa cidade são realmente incríveis. Contaram-me hoje a história do Chico-Rei e ela é tão pitoresca que não poderia deixar de transformar em poema.
Dizem que o Chico-Rei era um escravo do Congo, rei de seu povo e que aqui trabalhou na mineração do ouro. Conseguiu, de algum modo, alforriar o próprio filho, mas ele mesmo, embora fosse um líder dos outros escravos, não conseguiu a própria liberdade.
É interessante... isso de liberdade é tão presente na história e nas estórias daqui! Os homens buscaram o ouro, buscaram os diamantes, buscaram a independência, sempre querendo liberdade, liberdade e sempre sendo sufocados pelos poderosos. Quando penso nisso me vem a imagem de um grande tigre, um tigre que ruge, que assusta, que devora os que tentam alcançar a liberdade... Acho que posso usar isso: o tigre ruge e o Chico-Rei conta sua história, sua falta de liberdade. Talvez eu possa mostrar no fim do poema que todos, no fim das contas, eram explorados, escravos. Cativos.
Primeira coisa: relaxem! Vocês estão complicando mais o trabalho do que ele realmente é. A reescritura não é um tratado de pós-graduação, nem estou exigindo de vocês uma linguagem rebuscada. A linguagem que vocês devem usar deve ser coerente com a ambientação que vão dar ao diário, essa é a única exigência. Se vocês planejaram fazer um diário informal, podem fazer uso de uma linguagem informal também, com gírias e abreviações até. Só tenham o cuidado de fazer com que essa informalidade seja coerente, também, de acordo com o perfil desse eu-lírico (a idade dele, por exemplo).
Segundo: como um diário é um texto pessoal, me primeira pessoa, usem essa primeira pessoa sim! Como eu falei em sala, a premissa do trabalho é: como Cecília Meireles teria organizado o planejamento do Romanceiro da Inconfidência durante sua viagem à região de Ouro Preto através de anotações em um diário? Ou seja: à medida que ela conhece o ambiente e o pesquisa, quais são as imagens que ela começa a selecionar para produzir os poemas? É claro que nem tudo que está no planejamento necessariamente está no livro: podem faltar idéias, sobrar ou ela pode, ao longo do diário, mudar de opinião e modificar a forma que havia planejado para produzir um poema X.
Abaixo vou deixar um exemplo para vocês de como organizar um capítulo (data) do diário. Para vocês não se perderem, nele está a reescritura do Romance VIII ou Do Chico-Rei. Por favor, não copiem. A originalidade é um dos critérios de correção do trabalho de vocês. E, lembrando: entrega dia 17/10.
Qualquer dúvida, mandem um comentário por aqui que eu respondo assim que puder.
Até mais,
Bianca
20/04/1940
Os folclores que compõem essa cidade são realmente incríveis. Contaram-me hoje a história do Chico-Rei e ela é tão pitoresca que não poderia deixar de transformar em poema.
Dizem que o Chico-Rei era um escravo do Congo, rei de seu povo e que aqui trabalhou na mineração do ouro. Conseguiu, de algum modo, alforriar o próprio filho, mas ele mesmo, embora fosse um líder dos outros escravos, não conseguiu a própria liberdade.
É interessante... isso de liberdade é tão presente na história e nas estórias daqui! Os homens buscaram o ouro, buscaram os diamantes, buscaram a independência, sempre querendo liberdade, liberdade e sempre sendo sufocados pelos poderosos. Quando penso nisso me vem a imagem de um grande tigre, um tigre que ruge, que assusta, que devora os que tentam alcançar a liberdade... Acho que posso usar isso: o tigre ruge e o Chico-Rei conta sua história, sua falta de liberdade. Talvez eu possa mostrar no fim do poema que todos, no fim das contas, eram explorados, escravos. Cativos.
4.10.06
Ciclo do diamante, ciclo da liberdade e Destinos
Continuando a transposição dos slides para vocês, deixo aqui os slides sobre os dois últimos ciclos do Romanceiro: o ciclo do diamante e o ciclo da liberdade.
Até sexta-feira, no máximo, deixo para vocês aqui um exemplo de como estruturar o trabalho. Tentarei também emitir cópias para entregar a vocês na próxima semana. Lembrando, como vocês já devem saber, a data de entrega do trabalho ficou para o dia 17/10, a terça-feira após o feriado.
Ciclo do diamante:
O ciclo do diamante é narrado principalmente através da história de Chica da Silva, de seu amante, o contratador Fernandes e do Conde de Valadares. Trata-se de uma passagem relativamente breve, em que o rio Tejuco, fonte de diamantes da época (e por isso, atual Diamantina) lamenta a sorte de seus personagens. Rio e homens, em nova união da natureza com o ser humano, vão compartilhar o lamento.
O fim do ciclo do diamante traz os maus presságios que intitulam o último romance antes da mudança de cenário. Chega-se a hora de se fundarem as Arcádias e da palavra liberdade começar a ser espalhada na região. Neste romance, o eu-lírico critica a vilania dos fidalgos “que reinam mais que a Rainha” e a exploração abusiva da região “Sobre o tempo vem mais tempo. / Mandam sempre os que são grandes: / e é grandeza de ministros / roubar hoje como dantes. / Vão-se as minas nos navios... / Pela terra despojada, / ficam lágrimas e sangue”.
Ciclo da liberdade:
Com o Cenário após o Romance XIX insinua-se o mau tempo vindouro para a liberdade, freqüentemente retratada como luz, assim como a razão. A névoa “chega, envolve as ruas, / move a ilusão de tempos e figuras” e “vai formando / nublados reinos de saudade e pranto.”
A este Cenário lúgubre, segue-se a Fala à antiga Vila Rica e os romances que contam a criação das Arcádias, templo para nascerem as idéias, que vão se espalhando no fim das estrofes como se espalharam pela cidade. A idéia de liberdade se espalha e leva o povo a tentar ter sua própria riqueza, ainda que através de diamantes extraviados.
Morre um príncipe de Portugal, filho de D. Maria I, a rainha louca, e esta é também uma esperança que morre. Nas exéquias (ritos fúnebres) do príncipe, muita agitação. Alguma coisa está sendo tramada - "já ninguém quer ser vassalo". Por isso as idéias começam a se transformar em ações e a formular a bandeira da Inconfidência. Inicia-se a semana santa de 1789 e, com ela, a caracterização dos personagens envolvidos: o Alferes (Tiradentes), Joaquim Silvério, Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Marília, o Embuçado (personagem folclórico cuja veracidade não se conhece, que teria tentado salvar Cláudio Manoel da Costa) além dos tipos populares da cidade: as velhas piedosas, os tropeiros, as pilatas (prostitutas), as sentinelas, os delatores, e personagens menores do período (Francisco Antônio, o sapateiro Capanema, o padre Rolim).
Sem seguir uma ordem cronológica clara, os poemas vão se alternando, apresentando os diversos pontos de vista sobre os mesmos eventos.
Com os romances dedicados aos personagens vão se alternando ainda os que narram os eventos (conversas indignadas, seqüestros de bens, sentenças, o leilão dos bens de Tiradentes, seu enforcamento – em 21 de abril de 1792, três anos depois de ser preso - e esquartejamento) e os poemas avaliativos (Fala aos pusilânimes, Do jogo de cartas, Das palavras aéreas, Da reflexão dos justos).
Ambição gera injustiça.
Injustiça, covardia.
Dos heróis martirizados
nunca se esquece a agonia.
Por horror ao sofrimento,
ao valor se renuncia.
E, à sombra de exemplos graves,
nascem gerações opressas.
Quem se mata em sonhos, esforço,
mistérios, vigílias, pressas?
Quem confia nos amigos?
Quem acredita em promessas?
Que tempos medonhos chegam,
depois de tão dura prova?
Quem vai saber, no futuro,
o que se aprova ou reprova?
De que alma é que vai ser feita
essa humanidade nova?
Epílogo:
O Epílogo, como já estudamos ao nos debruçarmos na estrutura do texto épico, é a parte final de um poema narrativo, na qual o narrador (ou eu-lírico, no caso do texto de Cecília) faz uma avaliação final dos eventos por ele contados. Este epílogo, porém, ao invés de ser apenas um poema, compõe-se de vários, os quais contam os destinos dos personagens envolvidos. Podemos, por isso, também chamar esta parte de Destinos.
Novamente a transição do ciclo da liberdade para o epílogo é feita através de um Cenário. Trata-se de um ambiente ermo, abandonado e já sem vida, como ficaram as Minas após as penas aos inconfidentes (as mortes e os degredos).
Seu início se dá com as falas dos maldizentes, que comentam o destino dos inconfidentes e, depois, o destino de Gonzaga, que, após prisão na masmorra da Ilha das Cobras foi degredado para a África negra (Moçambique), onde se casou com Juliana Mascarenhas. Neste epílogo apresenta-se também o destino de Marília (Maria Dorotéia), inconformada com as notícias do casamento. Ela se desfigurou pelo tempo (olha o carpe diem!) e pela Inconfidência e finaliza o poema com seu testamento.
Outro destino apresentado é o de Alvarenga Peixoto (também poeta, cujo pseudônimo era Alceu, desterrado em Angola ), Dona Bárbara Eliodora, sua "estrela do norte" e de Maria Ifigênia, filha do casal.
A eles segue-se uma mudança de cenário para se apresentar o destino de D. Maria I, que mandara executar os inconfidentes da sua coroa, acaba se tornando prisioneira do seu próprio destino: ela que executava tantos, com masmorras , desterros, forcas, torna-se prisioneira da loucura.
Por fim, vem a Fala aos Inconfidentes mortos, avaliação final dos eventos narrados, num cenário desolador e triste, quando nada mais resta dos sonhos e ideais pretéritos.
Treva da noite,
lanosa capa
nos ombros curvos
dos altos montes
aglomerados...
Agora, tudo
jaz em silêncio:
amor, inveja,
ódio, inocência,
no imenso tempo
se estão lavando...
não, não se avistam
Grosso cascalho
da humana vida...
(e covardias!)
vão dando voltas
no imenso tempo -
à água implacável
do tempo imenso,
rodando soltos,
com sua rude
miséria exposta...
Parada noite,
suspensa em bruma:
os fundos leitos...
Negros orgulhos,
Mas, no horizonte
ingênua audácia
do que é memória
e fingimentos
da eternidade,
e covardias
referve o embate
de antigas horas,
de homens antigos.
E aqui ficamos todos contritos,
a ouvir na névoa
o desconforme,
submerso curso
dessa torrente do purgatório...
Quais os que tombam,
em crimes exaustos,
quais os que sobem,
purificados?
Agora, tudo jaz em silêncio: amor, inveja, ódio, inocência, no imenso tempo se estão lavando, declara a poetisa na Fala aos inconfidentes mortos. No horizonte eterno há de ficar sempre o anseio de liberdade, e só o purgatório do tempo está apto às ações vis e nobres dos homens da terra.
Até sexta-feira, no máximo, deixo para vocês aqui um exemplo de como estruturar o trabalho. Tentarei também emitir cópias para entregar a vocês na próxima semana. Lembrando, como vocês já devem saber, a data de entrega do trabalho ficou para o dia 17/10, a terça-feira após o feriado.
Ciclo do diamante:
O ciclo do diamante é narrado principalmente através da história de Chica da Silva, de seu amante, o contratador Fernandes e do Conde de Valadares. Trata-se de uma passagem relativamente breve, em que o rio Tejuco, fonte de diamantes da época (e por isso, atual Diamantina) lamenta a sorte de seus personagens. Rio e homens, em nova união da natureza com o ser humano, vão compartilhar o lamento.
O fim do ciclo do diamante traz os maus presságios que intitulam o último romance antes da mudança de cenário. Chega-se a hora de se fundarem as Arcádias e da palavra liberdade começar a ser espalhada na região. Neste romance, o eu-lírico critica a vilania dos fidalgos “que reinam mais que a Rainha” e a exploração abusiva da região “Sobre o tempo vem mais tempo. / Mandam sempre os que são grandes: / e é grandeza de ministros / roubar hoje como dantes. / Vão-se as minas nos navios... / Pela terra despojada, / ficam lágrimas e sangue”.
Ciclo da liberdade:
Com o Cenário após o Romance XIX insinua-se o mau tempo vindouro para a liberdade, freqüentemente retratada como luz, assim como a razão. A névoa “chega, envolve as ruas, / move a ilusão de tempos e figuras” e “vai formando / nublados reinos de saudade e pranto.”
A este Cenário lúgubre, segue-se a Fala à antiga Vila Rica e os romances que contam a criação das Arcádias, templo para nascerem as idéias, que vão se espalhando no fim das estrofes como se espalharam pela cidade. A idéia de liberdade se espalha e leva o povo a tentar ter sua própria riqueza, ainda que através de diamantes extraviados.
Morre um príncipe de Portugal, filho de D. Maria I, a rainha louca, e esta é também uma esperança que morre. Nas exéquias (ritos fúnebres) do príncipe, muita agitação. Alguma coisa está sendo tramada - "já ninguém quer ser vassalo". Por isso as idéias começam a se transformar em ações e a formular a bandeira da Inconfidência. Inicia-se a semana santa de 1789 e, com ela, a caracterização dos personagens envolvidos: o Alferes (Tiradentes), Joaquim Silvério, Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Marília, o Embuçado (personagem folclórico cuja veracidade não se conhece, que teria tentado salvar Cláudio Manoel da Costa) além dos tipos populares da cidade: as velhas piedosas, os tropeiros, as pilatas (prostitutas), as sentinelas, os delatores, e personagens menores do período (Francisco Antônio, o sapateiro Capanema, o padre Rolim).
Sem seguir uma ordem cronológica clara, os poemas vão se alternando, apresentando os diversos pontos de vista sobre os mesmos eventos.
Com os romances dedicados aos personagens vão se alternando ainda os que narram os eventos (conversas indignadas, seqüestros de bens, sentenças, o leilão dos bens de Tiradentes, seu enforcamento – em 21 de abril de 1792, três anos depois de ser preso - e esquartejamento) e os poemas avaliativos (Fala aos pusilânimes, Do jogo de cartas, Das palavras aéreas, Da reflexão dos justos).
Ambição gera injustiça.
Injustiça, covardia.
Dos heróis martirizados
nunca se esquece a agonia.
Por horror ao sofrimento,
ao valor se renuncia.
E, à sombra de exemplos graves,
nascem gerações opressas.
Quem se mata em sonhos, esforço,
mistérios, vigílias, pressas?
Quem confia nos amigos?
Quem acredita em promessas?
Que tempos medonhos chegam,
depois de tão dura prova?
Quem vai saber, no futuro,
o que se aprova ou reprova?
De que alma é que vai ser feita
essa humanidade nova?
Epílogo:
O Epílogo, como já estudamos ao nos debruçarmos na estrutura do texto épico, é a parte final de um poema narrativo, na qual o narrador (ou eu-lírico, no caso do texto de Cecília) faz uma avaliação final dos eventos por ele contados. Este epílogo, porém, ao invés de ser apenas um poema, compõe-se de vários, os quais contam os destinos dos personagens envolvidos. Podemos, por isso, também chamar esta parte de Destinos.
Novamente a transição do ciclo da liberdade para o epílogo é feita através de um Cenário. Trata-se de um ambiente ermo, abandonado e já sem vida, como ficaram as Minas após as penas aos inconfidentes (as mortes e os degredos).
Seu início se dá com as falas dos maldizentes, que comentam o destino dos inconfidentes e, depois, o destino de Gonzaga, que, após prisão na masmorra da Ilha das Cobras foi degredado para a África negra (Moçambique), onde se casou com Juliana Mascarenhas. Neste epílogo apresenta-se também o destino de Marília (Maria Dorotéia), inconformada com as notícias do casamento. Ela se desfigurou pelo tempo (olha o carpe diem!) e pela Inconfidência e finaliza o poema com seu testamento.
Outro destino apresentado é o de Alvarenga Peixoto (também poeta, cujo pseudônimo era Alceu, desterrado em Angola ), Dona Bárbara Eliodora, sua "estrela do norte" e de Maria Ifigênia, filha do casal.
A eles segue-se uma mudança de cenário para se apresentar o destino de D. Maria I, que mandara executar os inconfidentes da sua coroa, acaba se tornando prisioneira do seu próprio destino: ela que executava tantos, com masmorras , desterros, forcas, torna-se prisioneira da loucura.
Por fim, vem a Fala aos Inconfidentes mortos, avaliação final dos eventos narrados, num cenário desolador e triste, quando nada mais resta dos sonhos e ideais pretéritos.
Treva da noite,
lanosa capa
nos ombros curvos
dos altos montes
aglomerados...
Agora, tudo
jaz em silêncio:
amor, inveja,
ódio, inocência,
no imenso tempo
se estão lavando...
não, não se avistam
Grosso cascalho
da humana vida...
(e covardias!)
vão dando voltas
no imenso tempo -
à água implacável
do tempo imenso,
rodando soltos,
com sua rude
miséria exposta...
Parada noite,
suspensa em bruma:
os fundos leitos...
Negros orgulhos,
Mas, no horizonte
ingênua audácia
do que é memória
e fingimentos
da eternidade,
e covardias
referve o embate
de antigas horas,
de homens antigos.
E aqui ficamos todos contritos,
a ouvir na névoa
o desconforme,
submerso curso
dessa torrente do purgatório...
Quais os que tombam,
em crimes exaustos,
quais os que sobem,
purificados?
Agora, tudo jaz em silêncio: amor, inveja, ódio, inocência, no imenso tempo se estão lavando, declara a poetisa na Fala aos inconfidentes mortos. No horizonte eterno há de ficar sempre o anseio de liberdade, e só o purgatório do tempo está apto às ações vis e nobres dos homens da terra.
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