Já estava mais do que na hora de fazer a primeira postagem do ano sobre o movimento Barroco, não é mesmo? Ainda estou devendo os slides da aula de Barroco nas artes plásticas, mas cada um na sua hora. Demora, mas chega!
Para começarmos a discutir o movimento Barroco aqui no blog eu gostaria que vocês prestassem atenção, primeiro, num vídeo que eu encontrei no Youtube. Como eu não sei se vou conseguir levá-lo para a sala de aula, por questões técnicas mesmo, pelo menos aqui vocês poderão ter acesso a ele. É um curta de animação intitulado "Pequeno Filme Barroco" e é muito interessante, não só pela abordagem que faz do movimento, mas pela animação em si também (eu adoro cinema de animação, e vocês?).
Bom, primeiro assistam ao vídeo. Depois dele eu retomo o meu blábláblá.
Esse vídeo remete a MUITAS coisas do estilo de época que o Barroco é: a representação do ser humano como algo impotente em relação ao mundo (ele é uma criança, um bebê), e que, submetido às intenções divinas (a asa de anjo que vem do alto), passa por uma fragmentação na sua própria identidade (mente - espírito - e corpo se separam, sendo o destino deste sofrer). Com essa fragmentação, o corpo é jogado ao inferno (e lá o movimento dos corpos sem cabeça praticando sexo mostram a associação que se faz entre sexo e pecado) e a cabeça - símbolo do espírito e da mente - é alçada ao céu, onde se cristaliza, torna-se eterna. Perceba, também, que nesta eternidade, a expressão dos anjinhos que se formam no céu é infeliz, sofrida, retorcida. Essa infelicidade é marcante no Barroco, visto que em sua visão de mundo o destino do homem é o sofrimento, sofrimento que vem de sua condição frágil e passageira na Terra. Ao contrário do Classicismo, movimento anterior, o Barroco é teocêntrico. Ele não acredita mais no poder humano de dirigir a própria vida, mas sim no fato de o ser humano estar submisso a uma entidade maior, que o controla por completo: Deus.
Esse modo de ver o mundo, profundamente pessimista, não é só fruto da revisão que o Barroco faz dos princípios do Classicismo. Ele também se coordena com o momento histórico que se vive na Europa e no Brasil. O Barroco coincide com o acirramento da Contra-Reforma em todos os países de maioria católica (Espanha e Portugal, principalmente, e também a Itália). Esse acirramento promoveu um sentimento de histeria coletiva profunda. Havia um policiamente ideológico e cultural tão fortes que as pessoas o tempo todo se policiavam para não cometerem atos que pudessem levar a uma denúncia ao Tribunal do Santo Ofício (conhecido também como Santa Inquisição). Era um período em que tudo o que se falasse e fizesse, em público ou na vida privada (lembrem-se que das palavras de Gregório de Matos, em uma de suas sátiras: "Em cada porta um freqüentado olheiro / que a vida do vizinho e da vizinha / pesquisa, escuta, espreita, esquadrinha / para levar à Praça e ao Terreiro"), poderia ser usado contra as pessoas no tribunal. E até levar à condenção à morte.
Esse pessimismo, essa infelicidade, esse policiamento religioso vão resultar, na arte, numa fascinação pelo grotesco, característica que chamamos de feísmo. Vimos isso nas telas de Caravaggio, por exemplo, principalmente em Judith degola Holofernes e A incredulidade de Tomé. É uma característica do vídeo também: ver aquela degolação do bebê e o corpo cair, sem cabeça, engolido pela terra e, por fim, pilhas de corpos sem cabeça praticando sexo é uma coisa muito bizarra. Outra conseqüência é a angústia diante da vida, da inconstância das coisas que nos cercam, da inconstância do próprio homem, que está destinado a morrer. E, por fim, mais uma, que se nota particularmente no plano da linguagem, é a tensão das coisas do mundo em planos opostos.
Como assim? É o seguinte. O homem barroco, como qualquer outro, quer ser feliz. Não pense nele como um emo deprimido que adora chorar. Não, ele quer aproveitar o corpo, os prazeres mundanos, acreditar no poder do homem. Mas por uma questão religiosa, ele tem uma noção de que esses elementos são falsos. O corpo e os prazeres que ele pode dar são passageiros e levarão à perdição da alma, porque estão ligados ao pecado. Para salvar-se, o homem precisa valorizar o que está ligado à vida eterna, ao espírito. Então ele tenta conciliar estas duas dimensões, corpo e espírito, e aquilo que estará associado a elas: efêmero e eterno, pecado e salvação, inferno e paraíso. Tenta, mas não consegue resolver isso de forma satisfatória. Ou ele se resolve pela salvação (abandonando a realidade do corpo), ou demonstra sua insatisfação pelo fato de as coisas serem instáveis.
Por isso, no plano da linguagem, o movimento Barroco vai usar (e abusar) do uso da antítese, do paradoxo e de uma outra figura de linguagem: o hipérbato. Já que a existência dele é polarizada em coisas opostas, ele vai demonstrar isso através da oposição de idéias (antítese) e da criação de uma realidade contraditória e ilógica, em que as coisas opostas convivem ao mesmo tempo no mesmo ser (paradoxo). Assim ele assinala os conflitos da existência humana no plano da linguagem. E para mostar como é difícil para ele entender e organizar as impressões que ele tem deste mundo que o cerca, tão contraditório a si mesmo, ele usa o hipérbato, que consiste na inversão dos termos que formam uma oração.
Não entendeu o hipérbato? Pense no mestre Yoda. Mestre Yoda, quando fala em Star Wars, fala com a ordem das coisas trocada, não é caro padawan meu? Se não funcionar, lembre do Hino Nacional. Tente cantar os primeiros versos em ordem direta: "As margens plácidas do Ipiranga ouviram / O brado retumbante de um povo heróico". Sem ritmo, não é? É, é que além de demonstrar essa dificuldade de organização do mundo ao redor (esse é um uso particular do movimento Barroco) a inversão, ou hipérbato, auxiliam a manter o ritmo e a musicalidade de um texto, garantindo sua métrica e sua rima, por exemplo.
Por hoje eu vou ficar aqui. Assim que der eu começo a comentar nossos exercícios.
E que a força esteja com vocês! :P
6 comentários:
Bianca, você já viu essas publicidades da revista Veja?
http://www.radiocriciuma.com.br/imagens_editor/ROSTOS_FINAL.jpg
Elas são bastante interessantes, bons exemplos de paradoxo na vida real. :D
Álvaro,
Amei a referência! Muito bom!!!
Cara Profª Bianca,
Não sou sua aluna, tampouco lhe conheço. Mas, como estudante de Letras, e com cinco mil trabalhos para pesquisar/fazer, sempre acabo em seu blog (viva o Google). Nunca parei para comentar, mas agora não vejo mais escapatória. Seus textos têm sido a salvação da minha vida. Fora de brincadeira, você escreve de maneira tão clara que é impossível não compreender (algo que às vezes, livros não ajudam muito, ainda mais para uma semi-leiga como moi). Aliás, depois do exemplo do Yoda, jamais esquecerei hiperbáto. Por essas e por ostras, meu muito obrigada. =P
Em tempo: o que sabes sobre poesia política de Claudio Manoel da Costa? Pelo que tenho lido, ele só se aventurou pela poesia lírica e épica, mas até o presente momento, não encontrei nada sobre a política. =)
Mais uma vez, obrigada pela ajuda invisível.
Beijo.
Cecília,
Disponha sempre! Se deixa a referência bibliográfica lá nos seus trabalhos, ok? :)
Quanto à poesia política de Claudio Manoel da Costa, no momento não consigo recordar nenhuma referência. Me dê um tempinho para consultar uma bibliografia básica que eu deixo algo aqui nos comentários para te ajudar.
Até mais!
Claro que cito seu blog como referência. Sou sacana mas nem tanto. =P
Na verdade, eu me confundi horrores, e é sobre a poesia "natureba" do Claudio Manoel que preciso fazer. Não sei de onde raios tirei poesia política.
De qualquer maneira, obrigada pela ajuda!
Até!
Cecília,
Fia, só vi teu comment agora. Acho que teu trabalho já passou, mas enfim. A questão de CMC com a natureza é uma adiçãozinha de cor local ao que ele escreve, as paisagens pedrosas de Minas.
E usar o blog de referência não é sacanagem não. Bibliografia moderna, só isso! :)
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