22.4.07

As questões da prova

A primeira questão direcionava a leitura do texto para o fato de o autor responsabilizar os índios e não os franceses pelas mortes e danos à região. O enunciado pedia que, para se construir a resposta, fosse considerada a tecnologia dos dois povos.
É de conhecimento universal que as armas mais poderosas, no século XVI, pertenciam aos brancos, sendo, portanto, mais provável que o dano fosse feito pelos franceses, não pelos índios. Assoma-se a isso o fato de a França ter interesses econômicos grandes na exploração do pau-brasil, interesse de lucro que o indígena não possuía. Portanto, o lucro com os ataques aos portugueses é dos franceses e não dos indígenas, alvo fácil dos embates contra as armas européias.
A partir desta reflexão, a resposta que corretamente pode-se inferir do texto para essa pergunta é de que a responsabilização indígena é incorreta, visto que os franceses é que tinham interesse econômico no ataque e poderio militar para provocar tantos estragos.
A partir daí, segue-se a segunda reflexão: que interesse o relator, o informante português tem para atribuir essa responsabilidade a indígenas e não a franceses? Duas possibilidades são as mais evidentes: os indígenas, naquele tempo, como vimos nos demais textos da literatura de informação, eram considerados selvagens, inferiores e perigosos. Portanto, há uma natural tendência de, entre um branco civilizado e um indígena selvagem, atribuir a ação aos gentios. Além disso, uma atribuição dos ataques aos franceses poderia provocar conflitos muito mais preocupantes, dada a força econômica e bélica da França.

A segunda questão, de um vestibular da UFPB, apresentava três afirmações sobre o texto e solicitava que se assinalasse a alternativa que apresentava a correta (ou as corretas).
A primeira proposição afirma que o texto faz parte da literatura de informação e justifica essa classificação a partir do objetivo: informar a Portugal sobre a colônia. Essa proposição é verdadeira, tanto no conceito que apresenta de literatura de informação como na classificação do texto de Gabriel Soares, que visa relatar os estragos supostamente provocados por índios nas capitanias de Pernambuco e de Itamaracá.
A segunda proposição afirma que o texto reflete um modelo literário luso-brasileira. Está incorreta, pois, para seguir um modelo literário luso-brasileiro, supõe-se que há produção literária efetivamente, ou seja, produção artística. Além disso, usou-se o adjetivo luso-brasileiro, que assinala uma identidade brasileira que já se firma, embora ainda em associação com a portuguesa. Isso aconteceu nos séculos e movimentos seguintes, mas não no Quinhentismo.
A terceira proposição assinala a importância do Quinhentismo na tradição literária brasileira. Isso foi visto e constantemente repetido em sala: embora não seja literatura, o Quinhentimos inicia a descoberta da identidade brasileira, sendo, portanto, fundador de tradição, que será rejeitada ou copiada pelos movimentos seguintes.
Feitas estas considerações, pode-se perceber que a alternativa correta é aquela que indicar como verdadeiras as proposições I e III. De acordo com o tipo de prova, logicamente, o gabarito se altera.

A terceira questão faz afirmações sobre a carta de Caminha. Era uma questão bastante fácil e nela fica uma dica de vestibular: três alternativas eliminavam a si mesmas e, portanto, a resposta ficava já restrita a uma delas. Observe:

Não há preocupação com a conquista material.
A única preocupação era a catequese dos índios.
Apresenta tato preocupação material quanto espiritual.


Se não há preocupação material na conquista da terra, evidentemente a única preocupação é espiritual. Assim, considerando-se a primeira alternativa verdadeira, a segunda obrigatoriamente se torna verdadeira também, o que é um vício. Já se considerarmos que há os dois tipos de preocupação, as duas proposições se tornam inválidas. Detalhe: uma questão muito parecida foi vista na revisão da informática e comentamos exatamente este ponto.

Ok, você se pergunta, e as outras duas afirmações, porque estão erradas? Vejamos:

Não cita, em momento algum, os nativos brasileiros.
É representativa do pensamento contra-reformista


Dizer que a Carta de Caminha não cita nossos índios é ter faltado praticamente todas as aulas de fevereiro e nem ter parado para ler as fichas. Absurda esta afirmação. Já afirmar que ela é representativa do pensamento contra-reformista significa dizer que ela ideologicamente tem como principal objetivo combater as heresias reformistas, afastar o homem do pecado e mantê-lo contrito com o catolicismo. A carta possui uma preocupação com a catequese que é reformista, mas seu objetivo principal não é esse. A literatura que vai realmente representar o pensamento contra-reformista será a literatura de catequese do século XVI e a literatura barroca do século XVII.

A questão 4 foi extremamente batida na revisão. Em Portugal há Quinhentismo porque esta é a denominação genérica para a produção cultural do século XVI. E há Classicismo porque este é o movimento artístico fruto do Renascimento. Já no Brasil não há Classicismo, porque não há produção de literatura. Os nossos escritos não são obras de arte, seu propósito é informativo ou catequético. Há Quinhentismo, porém, pois há produção de cultura.

As questões 5 e 6 tratavam da fala do Velho do Restelo de Os lusíadas. Esse foi o trecho do poema em que mais batemos da tecla. Vimos em sala e na revisão da informática que é uma das partes em que Camões faz a crítica às grandes navegações, e que a outra era o epílogo.

Sabendo disso, já pelos verbos poderíamos eliminar alternativas. Veja:

Abençoa
Critica
Emociona-se
Destrata
Adverte


Abençoar e emocionar-se estão fora de cogitação. Lendo as outras afirmações temos que:
Critica as navegações portuguesas por considerar que elas se baseiam na cobiça e busca de fama.
Destrata os marinheiros por não o terem convidado a participar de tão importante empresa.
Adverte os marinheiros portugueses dos perigos que eles podem encontrar para buscar fama em outras terras.

Das três a segunda se torna impossível sem nem ser necessária a leitura do trecho apresentado. Se o velho do Restelo é contra a navegação para as Índias, não há sentido em ele desejar ser levado para ela. E se alguém ficou em dúvida entre a primeira e a última, era só ler o texto. O velho menciona, vagamente, que há perigos na viagem, mas ele não intenta dissuadir os marinheiros, advertindo-os. Seu lamento se faz pelo fato de as navegações, no seu ponto de vista, visarem a fama, a glória e a riqueza, a despeito do sofrimento que isso possa causar. Essa parte do texto, por sinal, foi vista em ficha e resolvida em sala.
Portanto, a resposta é a alternativa em que se afirma que o velho critica as navegações portuguesas.

A questão seguinte era pura interpretação. E nem de texto, mas de frase. Pedia-se, apenas, que fosse indicada a relação lógica entre as idéias dos versos Chamam-te ilustre, chamam-te subida, / Sendo digna de infames vitupérios.
O primeiro verso mostra que Portugal era uma nação conhecida como grande nação, ilustre, subida, isto é, no alto. Já o segundo diz que o país é digno de infames maldições, xingamentos. Sendo as duas idéias contrárias, claro que a alternativa só pode ser a que afirma que a relação é de oposição.

A questão 7 era sobre o Renascimento, movimento cultural do qual deriva o movimento artístico classicista. Eu orientei para que revissem os trabalhos para a prova, não foi? Pois é, estavam avisados.
Em estrutura semelhante à questão 2, aqui se apresentavam informações sobre o Renascimento e se pedia que fosse assinalada a alternativa que contivesse as afirmações corretas. Analisemos cada uma então.

A primeira afirmação atesta que o Renascimento se caracterizou pela valorização da razão, do experimento e pelo humanismo. Afirmativa perfeitamente correta e fácil de relacionar a um movimento que enfatiza a razão e a ciência, em oposição à religiosidade medieval. O termo humanismo conecta-se imediatamente ao conceito de antropocentrismo, tão prezado pelos renascentistas.
A segunda afirmação atesta que o movimento expressou o universo mental da nova sociedade, a sociedade burguesa. Ora, o século XVI foi justamente marcado pela transição da sociedade feudal para a sociedade burguesa, que vai se firmar como classe dominante um pouco depois. É no século XVI que o comércio mercantilista se estabelece, em que a economia se centraliza. O que é a exploração das colônias americanas senão uma exploração burguesa (na maior parte da América, pelo menos) de uma terra inexplorada, onde havia a oportunidade do homem livre europeu se tornar senhor de si mesmo?
A terceira proposição afirma que caracterizam o Renascimento o individualismo, o naturalismo e o heliocentrismo. Foi nesta época que a teoria heliocêntrica surgiu pela primeira vez, o que torna a alternativa verdadeira. Também o movimento prega que o homem é senhor do próprio destino, o que o torna individualista. O naturalismo é a busca pela experiência natural, científica, que também tipificaram o século XVI.
A última proposição afirma que é característico do período renascentista produzir obras que glorificavam o Estado, o príncipe e enobreciam sua origem. Quem fez o trabalho com atenção, viu que surge aí o primeiro conceito de absolutismo, doutrina que se opõe diretamente ao modelo de governo medieval. Correta a firmação, portanto.
Analisadas as proposições, verifica-se que a alternativa correta é aquela que apresenta todas as afirmações como corretas.

A penúltima questão da prova, com o texto Mulheres de Atenas, era, também, a mais simples delas. A questão pedia que se relacionasse o texto com o movimento classicista. A relação mais óbvia e mais profunda é o fato de o texto e o movimento assumirem a cultura grega como um modelo a ser seguido. Mirar-se no exemplo das mulheres de Atenas é mirar-se no exemplo dos gregos que a cidade representa. Em princípio é esta a relação estabelecida.
Alguns alunos me surpreenderam relacionando o luto das mulheres de Atenas ao luto das mulheres e das famílias que o Velho do Restelo menciona em seu lamento. Foi uma leitura interessante essa, e mereceu ser bonificada com parte da pontuação. Pena que vocês complicaram a coisa mais do que ela realmente era e não buscaram no texto aquilo que ele tinha de mais concreto.

A última questão foi IDÊNTICA a uma questão de ficha. Apenas o poema de Fernando Pessoa foi trocado. Ela pediu que se classificasse a relação do texto de Fernando Pessoa com o texto da fala do Velho do Restelo e do epílogo de Os lusíadas em paráfrase e paródia e justificasse essa classificação. Ora, vimos em aula e em revisão que nesses dois trechos há a crítica de Camões às grandes navegações. Quem não tinha certeza disso bastava reler o trecho disposto para as questões 5 e 6. O texto de Fernando Pessoa também apresenta um tom melancólico, desesperançoso, pois o país encontra-se em ruínas. O futuro de Portugal, incerto, pobre, sem brilho, como Camões profetizou em Os lusíadas. Há portanto, uma paráfrase na relação dos trechos com o poema, visto que compartilham de uma visão amarga sobre as conseqüências das grandes navegações.

Um comentário:

Anônimo disse...

Bianca,

por favor ajude-nos com o trabalho de terra papagalli com relação ao poema erro de português.não estamos conseguindo interpretar direito o poema, temos algumas idéias mais n sabemos se está certo, e tambem n estamos entendendo direito o que exatamente quer dizer projeto estético e ainda as metáforas. achamos que o poema tem um certo duplo sentido pois pode estar relacionado a imposição da língua portuguesa para com os índios, além da questão da vestimenta.