Coisinhas mais lindas (e barulhentas) que eu tenho!
Acharam que eu ia abandonar vocês antes da prova? Vou não! Só vou ter que deixar tudo aqui hoje, de uma vez só, pois não terei outra brecha.
Vou começar esse post com Gregório de Matos e aproveito o espaço também para revisarmos a produção do Padre Antônio Vieira. No final, deixo o comentário dos exercícios das fichas destes dois autores.
Gregório de Matos é o principal poeta brasileiro do período barroco. Padre Antônio Vieira é um dos maiores expoentes da prosa doutrinária européia, e um escritor de textos não-literários estudado tanto na Literatura Brasileira como na Portuguesa, visto que, nascido em Portugal, morou no Brasil por muitos anos, dividindo sua formação educacional nos dois países. Portanto, enquanto Gregório só produz versos,
Vieira só produz prosa não-literária.
Não produzindo literatura, portanto, não podemos dizer que há lirismo em Vieira. Mas, assim como a poesia lírica, seus sermões refletem uma visão de mundo a partir de um ponto de vista pessoal. A grande diferença, além da questão artística, é que enquanto a poesia lírica apenas externa esta visão, a prosa doutrinária (texto organizado em frases e parágrafos que tem o propósito de ensinar princípios religiosos) vai além: externa e tenta convencer o leitor/ouvinte que aquela é a visão de mundo que ele deve seguir.
Essa tentativa de convencimento do leitor é típica da corrente estética conceptista, da qual Vieira é o grande expoente no Brasil. O conceptismo (quevedismo, na Espanha) é a corrente estética do Barroco que privilegia o conteúdo do texto, suas idéias (conceitos - daí o nome) e busca a clareza do raciocínio. Para se assegurar desta clareza, os autores do conceptismo costmam usar muitos exemplos, analogias, comparações e alegorias. E Vieira, nos sermões, particularmente, usa também as perguntas retóricas, que são aquelas perguntas que encerram, no contexto, na verdade, uma afirmação.
Mas e aqueles textos de Gregório de Matos, que é cultista, em que predomina o conceptismo, Bianca?
Esse é um ponto ótimo para ser lembrado! Realmente, embora Gregório de Matos seja um autor cultista, em muitas de suas obras predomina o conceptismo. Geralmente estas obras são os poemas da
lírica religiosa em que ele se dirige a Deus (importante notar que é quando Deus é o receptor do texto) e tenta convencê-lo a perdoar seus pecados. Como é necessário, para que o seu pedido seja atendido, que este "leitor presumido" possa acompanhar o raciocínio do eú lírico e ser envolvido por ele, Gregório, nestes poemas, enfatiza a clareza do conteúdo e, assim como Vieira, nos sermões, usa exemplos e comparações para ilustrar seu raciocínio.
Portanto, não só Vieira se aventura na apresentação do ponto de vista do homem seiscentista a respeito da relação do homem com Deus, como também Gregório de Matos fez isso. A diferença principal nessa relação com a religiosidade é que Vieira procura orientar os pecadores, enquanto Matos se posiciona como pecador que procura o perdão, a expiação espiritual (purificação através do sofrimento) e como homem que remoi a insignificância e fragilidade de ser homem, diante da onipotência e eternidade divina. O homem, na poesia
religiosa de Gregório de Matos, é o
pó, que está destinado a voltar a ser
pó, a ser
nada, enquanto Deus é a fonte da qual emana a
eternidade. Oposição típica do Barroco, não é mesmo?
Além da poesia lírica
religiosa, Gregório de Matos também se aventurou pela lírica
amorosa, como já mencionei no post anterior, sobre Camões, e pela lírica
filosófica. Na primeira, o autor vai registrar a oposição entre o desejo e a adoração neoplatônica, entre os dois tipos de amor de que Camões já falava, mas, desta vez, com uma tensão muito maior. Isto porque não apenas sucumbir ao desejo é vivenciar uma forma inferior de amor, como era para Camões, nos textos em que predominava a visão neoplatônica, mas especialmente porque, para o homem Barroco, sucumbir ao desejo é sucumbir ao pecado, é sujeitar-se ao inferno. Daí que, em muitos poemas amorosos, o Boca do Inferno afirma preferir ficar cego a ver a beleza da mulher amada e sentir-se tentado por ela, como no soneto abaixo:
Não vira em minha vida a formosura,Ouvia falar nela cada dia,E ouvida me incitava, e me moviaA querer ver tão bela arquitetura:Ontem a vi por minha desventuraNa cara, no bom ar, na galhardiaDe uma mulher, que em Anjo se mentia;De um Sol, que se trajava em criatura:Matem-me, disse eu, vendo abrasar-me,Se esta a cousa não é, que encarecer-meSabia o mundo, e tanto exagerar-me:Olhos meus, disse então, por defender-me, Se a beleza heis de ver para matar-me,Antes olhos cegeueis, do que eu perder-me. Na lírica
filosófica, por fim, Gregório de Matos expõe as angústias do homem barroco diante da fragilidade humana, da condição passageira de todas as coisas. Trata-se de uma primeira abordagem do tema do
carpe diem, do Arcadismo, mas que ainda não é
carpe diem, no Barroco. Isto porque
carpe diem é aproveitar o momento, e o homem Barroco teme se aventurar por essa fruição e acabar cometendo pecado. No Barroco, essa questão do
carpe diem é, na verdade, um lamento, não uma fruição: o poeta lamenta que as coisas sejam passageiras, que a beleza física se acabe e que tudo vá terminar em pó, em nada, como o próprio Gregório de Matos afirma num dos poemas filosóficos.
Uma dica: se a finitude do homem é apresentada num texto sem o uso de imagens religiosas ou a referência direta a Deus, trata-se de um poema da lírica filosófica de Gregório de Matos, ok?
Agora os comentários sobre as respostas das fichas 4 e 5.
Ficha 4Questão 1 - A condição humana foi abordada no poema a partir de uma perspectiva religiosa, já que existe a referência direta à Igreja. Ilustra, portanto, ideais católicos e contra-reformistas, que excluem diretamente as respostas
E e
A. A primeira porque menciona "deuses", ou seja, politeísmo, paganismo. A segunda porque afirma que os valores divinos estão em falência, ou seja, que o homem não acredita no poder que emana de Deus, o que contraria a religiosidade do homem seiscentista.
Analisando, a partir desta eliminação, as alternativas restantes, a questão se torna mera interpretaçaõ de texto. Não há referência ao tipo de fim (inferno ou céu) que o homem terá. Portanto, o item C não atende à questão. Também não há referência, no texto de Gregório de Matos, a um comportamento caridoso. Isto elimina, também, o item D.
Resta, portanto, o item B. A interpretação feita nele é perfeita: o texto afirma que Deus faz o homem do pó e que, naquele dia (provavelmente a quarta-feira de cinzas), revela ao homem sua natureza insignificante e inconstante. O primeiro verso, por sua vez, demonstra a inconstância, a efermeridade da vida: o homem é terra e há de se tornar terra, ou seja, sua existência terrena vai passar e ele vai voltar à terra, através da morte, do enterro e da decomposição.
Questão 2 - Nesta questão, a eliminção pode começar a ser feita sem sequer haver a leitura do poema. Isto porque o culto à natureza, do itrem A, não é uma característica do movimento Barroco, e pode ser descartada imediatamente. Os itens B e E também, por dois motivos:
1 - Embora sejam recursos usados pelo Barroco, são também usados por muitas outras escolas literárias. As rimas alternadas não definem, em si, o período em que se produziu um texto. Já a aliteração é uma característica marcante de um movimento literário sim, mas do Simbolismo, que ocorreu no fim do século XIX e é assunto para vocês apenas no ano que vem.
2 - Nenhum deles foi usado no texto: as rimas são emparelhadas e não houve uso de aliterações.
Restam, pois, os itens C e D. O amor cortês pode aparecer no Barroco, como forma de amor neoplatônico e culto a uma dama inacessível. Asim são muitos poemas amorosos de Gregório de Matos. Mas a estrofe em questão não possui temática lírico amorosa, o que descarta a hipótese.
Confirmando a resposta, o item C menciona a forte presença de antíteses, figura de linguagem que, junto com o paradoxo, vai relacionar os opostos que formam a realidade e que foi ostensivamente usada no século XVII. Estas idéias opostas estão presentes no poema nos pares diz x noite, luz x sombras, tristeza x alegria. Perfeita, portanto, a resposta C.
Ficha 5Questão 1 - O tema é a palavra de Deus, ou, mais precisamente, o frutificar da palavra de Deus. A questão é, porque, com tantos pregadores, não frutifica mais a palvra de Deus.
Questão 2 - Ele compara a palavra de Deus e os corações dos homens, à semente e aos caminhos, respectivamente.
Questão 3 - A citação direta à fala de Cristo: "Diz Cristo que a palavra de Deus frutifica cento por um". Este argumento de autoridade se baseia numa proposição de fé dogmática, a qual nenhum católico do século XVII vai contestar.
Questão 4 - Na nova comparação, ele introduziu um terceiro elemento, o pregador e através da repetição dos exemplos enfatiza a importância deste elemento no frutificar da palavra divina. A importância está no direcionamento argumentativo que o texto vai ter, pois Vieira afirma que a responsabilidade pelo pouco fruto da palavra de Deus não pode ser de Deus e também não é dos homens.
Questão 5 - Por eliminação, pode-se perceber que Vieira vai tentar comprovar que a culpa é do pregador.
Questão 6 - A chave para responder esta questão é identificar o que é idéia central e o que é idéia secundária. O item B é uma citação que o autor fez e que expressa a conclusão que ele tem sobre o assunto, mas que se aplica a uma situação específica. O item A express aa valiação que o autor faz a respeito de um tipo de ladrão, como ele identifica no texto.
O item C, por sua vez, mostra a opinião geral que o autor tem sobre o assunto, e que ele tenta comprovar através de elementos como os anteriores. Uma prova que o roubar pouco é culpa e o muito é grandeza é que os grandes imperadores são ladrões de cidades e reinos, e eles não são condenados por seus atos, enquanto que aqueles que roubam apenas um homem o são. Outra prova é o que acontece com eles: os grandes são poderosos e condenam os pequenos por isso. Portanto, o item C apresenta a visão geral do autor sobre o tema.
Questão 7 -
a) " Navegava Alexandre, o Grande, em uma poderosa armada a conquista a Índia quando foi trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores. Repreendeu-o muito Alexandre por andar em tão mau ofício; porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? "
b) "Não só são ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que vão se banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam exércitos e legiões ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força roubam e despojam os povos. "