11.6.06

Atendendo a pedidos

Vocês me pediram para deixar a revisão do semestre e os gabaritos das questões de vestibular de Arcadismo. Pronto, estão aqui. Depois não me culpem pelo tamanho do post! ; )
Para organizar: revisão primeiro, gabaritos depois. Vou começar pelo começo então primeiro Quinhentismo, depois Barroco e por último Arcadismo. E os autores eu vou deixar para depois dos movimentos, certo?
Qualquer dúvida, deixem um comentário aqui. Eu respondo assim que puder.

Quinhentismo x Barroco

Quinhentismo
Não há projeto estético
Fascínio pela terra descoberta
Conversão dos indígenas através dos autos de Anchieta
Descrição da terra descoberta recheada de fantasia e utopia



Barroco
Representação da angústia
Fascínio pelas questões espirituais do homem
Conversão de todos os católicos através dos sermões de Vieira
Descrição crítica da colônia nas sátiras de Gregório de Matos

Barroco x Arcadismo

Barroco
Seiscentismo (séc. XVII)
Conflito (antropos x teos)
Cristianismo
Ideais da Contra-Reforma
Fé e emoção
Arte aristocrática
Ambiente urbano
Gosto por raciocínios complexos, intrincados
Vocabulário rebuscado
Uso da ordem inversa (hipérbato)
Paradoxos, antíteses, gradações, metonímias
Exagero emocional
Lírica diversificada (amorosa, sacra, filosófica)
Amor arrebatado, conflito entre o desejo e o pecado
Dúvida, medo da morte, submissão a Deus
Sátira de cunho pessoal e político; uso de vocabulário chulo

Arcadismo
Setecentismo (séc. XVIII)
Antropocentrismo
Paganismo
Ideais do Iluminismo
Razão
Arte de ideologia burguesa
Bucolismo (fugere urbem)
Busca a clareza de idéias, despreza o inutilia truncat
Vocabulário simples

Uso da ordem direta dos termos da oração
Uso de poucas figuras de linguagem
Contenção emocional
Produção repetitiva, sem inovações entre os autores
Amor convencional, sereno, sem grandes obstáculos
Aproveitar o momento sem medo pelo futuro
Sátira de cunho político apenas, sem ataques pessoais; vocabulário sóbrio

Autores


Pe. José de Anchieta
Jesuíta com a missão de evangelizar e converter os índios
Luta contra as religiões indígenas
Usa o teatro, a música e a poesia
Usa elementos da cultura indígena para conseguir a adesão dos espectadores

Pe. Antonio Vieira
Jesuíta com a missão de evangelizar e converter todos os colonos
Luta contra as religiões protestantes
Usa o sermão como arma política
Usa citações bíblicas, parábolas, comparações, para persuadir os ouvintes


Gregório de Matos
Lírica multiforme (amorosa, filosófica / reflexiva, religiosa/sacra)
Sátira popularesca, critica todos os componentes da sociedade
Sonetista

Tomás Antônio

Gonzaga


Lírica inovadora na 2ª metade de Marília de Dirceu (poesia biográfica)
Sátira elitista, critica apenas o governador e seus assessores
Produz liras de métrica e estrofação regular, mas não usa o soneto


Gabarito das questões de vestibular (pg 186)

9 - D. Linguagem rebuscada é característica do Barroco, não do Arcadismo.

10 - B. A exploração do ouro era a principal atividade econômica na colônia durante o século XVIII.

11 - A. A poesia satírica é aquela em que o eu-lírico (a voz poética do texto) ridiculariza ou critica alguém baseando-se em atitudes públicas, fisionomia, comportamentos. Como o eu-lírico do texto de cordel critica os deputados, de uma maneira geral, esta sátira coincide com o alvo das Cartas chilenas, o personagem Fanfarrão Minésio (psudônimo usado para se criticar o governador das Minas).

13 - A. Observem que esta é a única alternativa que corresponde a características do movimento árcade, ao qual Bocage pertenceu.

14 - B. Como eu comentei em sala e aqui no blog mesmo, a personificação é uma figura de linguagem muito presente nos textos árcades, tal a importância da natureza para que se construa um cenário de serenidade, reeptivo ao amor sereno e ao espírito tranqüilo do eu-lírico deste movimento. No caso do texto I, o rio Tejo, de Portugal, sorri, atitude humana. Os Zéfiros são os ventos. Bocage usa este nome porque Zéfiro é a divindade mitológica que controla os ventos (o que é uma referência pagã). Brincar também é uma atitude humana. Estas duas imagens (rio que ri, vento que brinca) são personificações - também chamadas de prosopopéias.

Fiquem com Deus e bom estudo!



4.6.06

A linguagem barroca e a linguagem árcade

Olá gente,

Eu sei que faz muito tempo que não posto nenhuma atualização aqui e peço que me desculpem. Mas vida de professor em fim de semestre é uma loucura muito maior do que a de vocês, podem acreditar.
Atendendo ao pedido que Eduardo me fez, vou deixar hoje um post sobre as diferenças de linguagem do barroco e do arcadismo e as diferentes figuras de linguagem destes dois movimentos.
Uma coisa importante acerca disto e em relação à qual todos devem ficar atentos é a seguinte: não é porque a linguagem árcade é mais simples que a barroca que não há figura de linguagens nela. O que ocorre é uma exploração muito menos exagerada, mais "clean", como costumamos dizer. Os árcades são, de certa forma, minimalistas: para eles menos é mais. Mas isso não significa dizer que não há figuras, certo?
Entendido esse ponto, vamos em frente...
Como vocês devem lembrar, eu ressaltei nas aulas que o Barroco tem como figuras de linguagem principais a antítese, o paradoxo, a metonímia, a metáfora e a gradação. Para quem está com a memória mais curta, vamos lembrar em que consistem estes jogos de palavra.

A metáfora é uma comparação implícita entre dois termos. Implícita porque não faz uso dos elementos (conjunções e expressões comparativas - como tal qual, como, que nem, tão... quanto..., tanto... quanto...) que normalmente relacionam os itens comparados em um discurso. Assim enquanto na frase "Saudade amarga que nem jiló" (para lembrar um pouco de Luiz Gonzaga nesse período junino) temos comparação (pois foi usado um termo que explicita a relação dos termos), na frase "Saudade é arrumar o quarto do filho morto" (citando agora o grande Chico Buarque) temos metáfora.

Muita gente confunde a metonímia com a metáfora, mas ambas são processos bastante diversos de inovação nos sentidos das palavras . Na metonímia não existe comparação entre termos, mas usamos um em substituição ao outro. Isto fica mais claro quando lembramos daquele texto de Gregório de Matos trabalhado em sala de aula e que está no material de vocês, "Buscando a Cristo". Nele, em lugar de se referir à imagem de Jesus Crucificado como um todo, Gregório substitui o todo pelas partes: os braços, os olhos...
Ainda com dúvidas? Então observem esses usos cotidianos de metonímia:
"Sujou? Usa Dragão" -> o nome da marca substitui o do produto, água sanitária
"Mas ele só tomou um copo!" -> o nome do objeto que contém o líquido substitui o conteúdo o qual foi o elemento realmente ingerido

A gradação, por sua vez, é um encadeamento de palavras que encerram a mesma idéia geral, mas cuja ordenação constrói um reforço ou uma suavização desta idéia. Um exemplo é um verso de uma música da Legião Urbana feita para Cássia Eller "Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher". Observe que as palavras fera e bicho são sinônimos, pois ambas podem designar os mesmos animais. Porém há uma idéia maior de selvageria na palavra fera. Idéia que perde a força quando se chega ao elemento seguinte, bicho. Continuando a gradação, o autor - Renato Russo, no caso - estabelece outra relação de sinonímia: anjo e mulher. Em ambos há uma idéia de sublime (principalmente se considerarmos o restante da música, em que se fala da gestação de uma criança: "Do ventre nasceum novo coração" está há apenas três versos de distância). A palavra anjo, porém, encerra a idéia de divindade com mais força do que a palavra mulher. Nas duas gradações há uma tendência para se reforçar a idéia da humanidade do eu-lírico, que, embora seja ao mesmo tempo todos esses elementos, vai minimizando o exagero do animalismo e da divindade, se situando num meio termo.

Viajei demais? Então vamos para o básico: se numa conversa entre dois amigos um diz que "A viagem foi muito boa, arretada, irada" a idéia de qualidade, iniciada no adjetivo boa, vai ganhando reforço gradativo até chegar na força máxima: irada. Se a ordem dos adjetivos for contrária, retira-se a força da idéia, graduando-a para baixo.

Estas três figuras são mais típicas do Barroco, mas podem, sem problemas, aparecer também em textos árcades, como neste terceto de Bocage, poeta árcade português
"Ah! Não me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidão, e a morte"

A antítese e o paradoxo, por sua vez, raramente vão aparecer em textos Árcades. Lembrem-se de que o Arcadismo já conseguiu fazer a ordenação do caos Barroco e, por isso, não se fascina tanto com as dualidades da vida e do ser humano. E, em tempo, para refrescar: na antítese, as idéias contrárias fazem parte de seres ou momentos diferentes. No paradoxo os opostos convivem ao mesmo momento no mesmo ser. As ações dormir e acordar são antitéticas, ou seja, formam uma antítese. Mas a ação de dormir acordado é paradoxal, pois reúne os dois opostos ao mesmo tempo.

Aí vocês me perguntam: Existe alguma figura que seja mais usada no Arcadismo? Sim, senhoras e senhores. A prosopopéia. (Momento para vocês perguntare: É o quê?) Prosopopéia ou personificação. É a figura que faz com que seres inanimados, animais, elementos da natureza executem ações ou manifestem sentimentos humanos. Como o Arcadismo dá muita importância ao cenário proporcionado pela natureza, ele vai explorar muito essa figura em versos como:

"Vós que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei: que Amor tirano
Onde há mais resistência mais se apura"

"Enquanto pasta alegre o manso gado,
minha bela Marília, nos sentemos
à sombra deste cedro levantado.
Um pouco meditemos
na regular beleza,
que em tudo quanto vive nos descobre
a sábia Natureza."

Penhas é uma palavra antiga para pedras. Ou seja, na primeira estrofe (de Cláudio Manoel da Costa), Glauceste Satúrnio - pesudônimo de C. Manoel da Costa - alerta que as pedras devem temer (uma ação tipicamente humana), pois o amor é mais avassalador onde encontra mais resitência.
Na segunda estrofe, de Gonzaga, o gado é alegre (emoção humana) e a Natureza é sábia (qualidade humana).

Bem, quanto a figuras é isso. Há um predomínio maior do uso de metáforas, metonímias e gradações no Barroco, mas elas também podem estar presentes no Arcadismo. Já o paradoxo e a antítese raramente vão aparecer neste movimento, sendo mais típicas do sesicentismo.

Espero que as dúvidas tenham sido esclarecidas. Se não, terça-feira eu estou na escola nos dois primeiros horários, então, podem me procurar.

Um beijo a todos, bom início de semana e boas provas!