Olá pessoas,
Eu demoro, mas pelo menos na semana da prova eu dou um jeito de aparecer aqui. Essa coisa do TEMPO tá matando, viu? Não sei quanto a vocês, mas eu quero FÉRIAS! :P
Bom, já que tempo não é algo que está nos sobrando muito ultimamente, vamos ao que interessa, não é verdade? Ok, fechem os olhos, visualizem a entrada de vocês numa máquina do tempo e vamos fazer uma viagem de volta a o fim do século XVIII. Engraçado isso de falarmos que o Arcadismo é o movimento artístico do século XVIII, se ele só começa no fim do século. É que as datas de fim de século são ligadas à realidade brasileira (1768, ano da publicação de Obras poéticas, de Cláudio Manoel da Costa) e portuguesa (1756, ano da fundação da Arcádia Lusitana). Mas o movimento mesmo começou em 1690, na Itália. Portanto, ele vai desde a década final do século XVII e percorre todo o século XVIII, o que justifica sua classificação. E visto que o século XVIII vai de 1701 a 1800 (lembram que contamos o século pelo seu último ano?), o nome Setecentismo também é válido para designar esta escola literária.
E por que a Itália vai ser o berço inicial do movimento? Pelo mesmo motivo que foi lá que floresceu a Renascença: o profundo enraizamento da cultura italiana na cultura greco-latina e seus princípios de racionalidade e harmonia. Veja bem: se o Renascimento (e o movimento artístico que a ele se refere, o Classicismo) surge na Itália para resgatar os valores da Antigüidade Clássica (Grécia e Roma), em oposição à cultura medieval que imperava até então, nada mais natural que, tempos depois, haja o mesmo processo. Afinal, a cultura medieval e a cultura do século XVII são muito parecidas: as duas estão fortemente imbuídas de religiosidade cristã-católica, preocupam-se com o espírito humano e em como atingir a pureza de espírito necessária para uma vida após a morte no Paraíso. Se é na Itália, pela relação que este país tem com a cultura greco-latina, que surge o primeiro movimento de oposição a essa perspectiva de mundo, a arte do Classicismo, nada mais natural que seja lá que esse movimento se repita no século XVIII. Daí também o termo Neoclassicismo: resgate dos valores artísticos do Classicismo do século XVI.
Ficou difícil de entender? Pense no pêndulo, aquele, de que eu falo tanto... O pêndulo da cultura ocidental, que vai oscilando entre razão e emoção. Faça o seguinte: estique seu braço para a frente, com a mão em direção ao monitor. Agora dobre o cotovelo. Mova sua mão, com o cotovelo dobrado, para a esquerda. Esse é o primeiro eixo do seu pêndulo, o da razão. No eixo da razão está a primeira perspectiva de mundo marcante na cultura ocidental, a da Antigüidade Clássica. Agora mova sua mão para a direita, em oposição ao primeiro eixo. Parabéns, você encontrou o eixo da emoção: seja bem vindo à Idade Média. Agora volte para o eixo da razão, avançando mais de mil anos na história. Saindo do eixo emocional, voltamos a ser racionais, com o Renascimento e sua arte, o Classicismo. Cansados de sermos racionais, nos voltamos ao eixo da emoção e resgatamos os valores medievais com o Barroco. E como o pêndulo vai e volta, quando a angústia do Barroco já cansou nossa beleza, voltamos a ter as rédeas de nossa própria existência, sendo racionais, antropocêntricos e valorizando a ciência como forma de compreender o mundo: tornamo-nos Neoclassicistas.
Acho que agora deu para entender o porquê de este movimento ter o nome de Neoclassicismo e de Setecentismo, não é? Só falta entendermos seu terceiro nome: Arcadismo.
O termo Arcadismo é de uso quase exclusivo para a definição da literatura dos Setecentos. Ele se deve ao batismo das academias literárias com o título de Arcádias. Essas academias já existiam no século XVII, durante o Barroco. Era nelas que os poetas europeus se reuniam para discutir técnicas de poesia e mostrar suas composições em saraus que eram bastantes competitivos. Naquela época, o poeta que compusesse os textos mais desafiadores da linguagem, com maior inventidade poética, mais palavras difíceis e rebuscamentos de expressão, mais desafiadores à compreensão do leitor (ou seja, os mais difíceis), era considerado o melhor. Só que com o passar do tempo, eles exageraram tanto no rebuscamento que a coisa começou a ser considerada de mau gosto. Esse processo é muito natural. Ou você sempre que vê uma foto dos seus pais vestidos para uma festa quando tinham a sua idade não acham aquilo MUITO BREGA?
Pois bem. As academias existiam já desde o século XVII. E nessa época elas eram academias. No século XVIII, alguém, que achava que essa história de rebuscar muito a linguagem artística era coisa velha e brega, e que apreciava a linguagem simples e elegante da poesia clássica de Virgílio e Anacreonte (grandes expoentes da literatura romana e grega), achou que deveria fundar uma academia completamente diferente das que existiam. Um clube descolado, só para gente que embarcasse na nova onda de fazer uma arte completamente diferente da que se fazia na época. E uma academia assim tinha que ter um nome descolado. Como esses dois poetas falavam tanto em campo e coisa e tal, e esse campo era principalmente o da Arcádia, a região da Grécia famosa por seus pastores e rebanhos, lá veio uma idéia: o nome descolado, que vai representar bem quem somos e do que gostamos vai ser esse: Arcádia. Eu fico imaginando isso como escolher um nome de banda de rock daquelas bem pops. E como logo depois sempre vem as marias-vai-com-as-outras que adoram imitar quem lança moda, tome a pipocar academia com o nome de Arcádia aqui e ali. E daí veio o nome Arcadismo: o estilo de poesia cultivado dentro das arcádias.
Como uma legítima banda pop (pense numa boy band), cuja fórmula vai se repetindo e se repetindo até a exaustão, com um monte de clones espalhados por aí, lá se foi o Arcadismo virar uma epidemia literária. Claro que não com a velocidade globalizada de hoje em dia, mas que ele virou febre, virou. Todo o mundo (ocidental, claro) foi incorporando aquele estilo. E um dos principais lugares para essa febre foi a França. Por quê? Por causa da Révolution, oras!
O que a Révolution Française tem a ver com Arcadismo... Tá, senta que lá vem a História. Com H mesmo, que eu sou das antigas. E vou sofrer para tirar o trema de agüente e o acento de herói. Saco isso de mudarem a minha língua, tão bonitinha que ela é como é!
Na França, o Neoclassicismo se destacou principalmente na pintura. A poesia francesa desse período não é das mais grandiosas. Mas foi lá que a arte se uniu aos preceitos filosóficos de uma corrente de pensamento racional e cientificista, características que, em si, já resgatavam os preceitos greco-latinos de busca pela razão e o equilíbrio. Estou falando do Iluminismo Francês, que uniu a arte a um propósito ético e pedagógico. Na França, simplificar a forma do texto deixou de ser uma mera contestação de uma teoria do belo e passou a ser algo maior: a busca por uma forma mais ética de existência, a oposição a um modo de vida opulento, luxuoso, aristocrático. Afinal, se uns vivem em profundo luxo, é porque muitos vivem em grande miséria.
A união de uma busca por uma nova forma de arte (Arcadismo) com a busca por uma nova forma de vida (Iluminismo) resultou num contexto social de grandes transformações. Seguindo os princípios da filosofia humanista dos gregos, que diziam que todo ser humano é dotado de razão, os Iluministas vão acabar entendendo que, em essência, todo ser humano é igual ao outro. Cai, então, por terra, toda uma teoria que sustentava o modo de governo vigente: o Absolutismo Monárquico.
Vê só.... Por que uma pessoa é "absoluta"? Por que ela é superior aos outros, não é? Era isso que dizia o princípio do Absolutismo Monárquico. O rei era quem era e podia o que podia porque ele era superior a todos os seres humanos de seu reino. E o que tornava o rei superior? Ele nascer rei. Por quê? Por que ele havia sido escolhido por Deus para ser rei. Tinha o direito divino. E ponto.
Mas... Se todo ser humano é dotado de razão, a característica que nos diferencia dos animais... E se isso faz com que todo ser humano seja, em essência, igual ao outro. Não tem essa de o rei poder porque ele é rei. Ele vai ter que justificar seu poder por outra coisa. E vai começar a justificar com a seguinte brilhante idéia: ele sabe mais. Ele é esclarecido. Quem é esclarecido sabe usar melhor sua razão que quem não é, porque tem mais conhecimento. Todos podem se tornar esclarecidos, mas nem todos são e quem é mais esclarecido tem mais capacidade que os outros. Bem lógico e racional isso, né?
E democrático, também. Porque, tecnicamente, você pode promover testes, formas para saber quem é mais esclarecido e todos podem concorrer a isso. Olha a raiz da democracia. Pena que na teoria.
Se todos os seres humanos são iguais entre si, então devemos ser solidários uns com os outros, combatendo as injustiças. Devemos ser solidários como irmãos que se apoiam uns nos outros. A igualdade leva ao princípio da fraternidade, e isso significa buscar condições melhores de vida para todos.
E a liberdade? Ah, a liberdade é o bem supremo de um ser humano. Ser livre é um direito inalienável, como prevê a Declaração dos Direitos do Homem, o documento mais importante da Révolution e também a Constituição Americana, decretada com a Declaração da Independência da terra do tio Sam. E não é só liberdade no sentido de ir e vir, mas, principalmente, liberdade para pensar, para se expressar, e para dirigir por si mesmo o curso da própria vida. A liberdade que a razão dá ao homem porque, com ela, ele pode decidir seu destino sozinho, por si mesmo, sem uma consciência externa (na figura de um padre em seu sermão, por exemplo) dizendo-lhe o que é certo e o que é errado.
Se por sermos iguais, devemos todos ser fraternos, devemos também lutar para que todos sejam livres, em todos os níveis de liberdade que existem. Devemos levar àqueles menos afortunados a possibilidade de tomarem as rédeas de suas próprias existências e combater aqueles que impedem que as pessoas sejam livres e dignas em igualdade. Devemos combater as elites aristocráticas.
E o que poesia tem com isso? Tudo. Simplificando a linguagem (inutilia truncat), ao invés de escrever para essa elite, o Arcadismo possibilita que todos possam desfrutar da poesia com igualdade. Assumindo a imagem do pastor que vive em aurea mediocritas (uma vida preciosa em sua simplicidade), o poeta é solidário com os pobres (tá, que pobreza não é miséria, mas pelo menos você dizer que dá para ser feliz sendo pobre é um alento para quem é miserável, não é mesmo?). E divulgar isso através dessa literatura de ideal revolucionário não deixa de ser uma forma de tentar conseguir para essas pessoas liberdade, pois ela não precisa mais seguir aquele terrível teorema em voga então de que é impossível se mudar o destino de uma pessoa.
Viram que combinação feliz. O pastor, que já era uma figura querida porque os árcades queriam imitar Virgílio e Anacreonte, ganha ainda mais valor, porque os árcades vão querer ser solidários ao povo. Bonitinho né? Pena que artificial. Afinal, quem escreve, nessas sociedades européias e brasileira, no século XVIII, é quem tem dinheiro para ser esclarecido. E quem tem esse dinheiro acha lindo que se fale em igualdade social. Desde que não se mexa com o dele.
Resumindo no que deu isso: um grande artificialismo. Por que poeta árcade que é poeta árcade acha lindo ir viver em simplicidade num lugarzinho tranqüilo (locus amoenus), numa casinha no campo (fugere urbem), aproveitando a vida. Desde que, é claro, não mexa no dele. Ou vocês acham que os senhores bacharéis foram pegar na enxada e saíram de seus confortáveis casas na cidade?
Acabou-se que a teoria era linda, mas a prática era tão complicada... E ficou a coisa só como convenção. Quem quer defender o Iluminismo na poesia, entra numa Arcádia, adota um pseudônimo de pastor e manda brasa nos versos. Como alguém que faz um fake no Orkut só para poder entrar numa comunidade qualquer lá e mandar bala com o que escreve. Depois, essa criatura desliga o computador e vai ser quem é de verdade. Depois, os árcades fechavam os livros e cadernos e tudo voltava a ser como era antes. Ou, como diria o grande Guimarães Rosa, punha-se a fábula em ata.
Bom, por hoje é isso. Vou-me. Cansada, com sono e estressada. E ainda vou ter que corrigir prova no fim de semana que vem. Eu mereço. Minha mãe me avisou. Bem que minha mãe avisou.
E não, não é só eu passar vocês. Eu não passo ninguém. Vocês que se passam. Ou, como diria Bianca Ramoneda, na crônica Cotidiano (do meu adorado livro Só): Cada passo vocês se passam. Ou não, diria Caetano.
Excesso de citações no fim do post. Eu tô é com sono mesmo. Beijinhos!
13.10.08
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