28.4.08

Revisando os Gêneros Literários

Olá, Carvões em Processo de Pressão,

Tá em cima, mas tá em tempo. Essa coisa de não estar conectada ao mundo virtual na minha própria casa cansa a minha beleza. Ou, como diria minha sobrinha Júlia "É uma pobreza..." :P...

Mas sem delongas, que vocês devem estar doidos por uma revisão de gêneros, não é?

Seguinte, flores e anjos... Aquilo que é literatura, como estamos discutindo desde fevereiro, é um conceito que varia muito, no tempo, no espaço e até de pessoa para pessoa, porque passa pela questão do gosto. Ser literatura envolve ser arte, e dependendo do gosto (histórico e pessoal), podemos afirmar que uma coisa é arte ou não. Só para vocês terem uma idéia, no século XVI, durante o Classicismo, a escultura era uma arte que deveria imitar a perfeição do corpo humano em seu esplendor, fazendo, para isso, um estudo detalhado da anatomia desse corpo. No século XX um movimento artístico chamado Dadaísmo, na escultura se expressou, por exemplo, colocando um urinol (daqueles de banheiro masculino mesmo), numa exposição, como objeto de arte. Isso porque esse movimento artístico queria protestar contra a elitização do conceito do que é arte. Na maioria das vezes o que entendemos que é arte é o que uma parcela muito, muito pequena de pessoas, dedicadas à área, dizem o que é arte. O que no século XVI era uma acinte à boa arte (e no século XX continuou sendo) passou a ter um significado simbólico. E a arte se comunica justamente através de símbolos... Ou seja, o vaso sanitário, naquele contexto, virou arte sim.

Meio bizarra essa história da história da arte não é? Mas verdade pura. Se você clickar aqui vai poder ver a prova da arte(?) de Duchamp .

E o que os gêneros têm a ver com isso? Tudo, basicamente. A paalvra gênero significa tipo. Portanto, os gêneros literários são os tipos de texto que, por terem como predominante a função poética da linguagem, são textos literários. Para identificá-los, é preciso haver um mínimo conceito do que é a literatura e o que pode, em tipos tão diferentes de texto, ser aquilo que os une como literários.

O que faz isso é justamente a tal função poética da linguagem. Um texto literário é aquele que, pela preocupação estética com a forma de expressão da mensagem, usa a palavra como símbolo, explorando seus multssignificados, suas conotações possíveis. Além disso, a relação do texto literário com a realidade é uma relação ficcionalizada: na arte a realidade é recriada, podendo essa recriação ser uma imitação que tenta ao máximo possível se aproximar do que é essa realidade (como as esculturas do século XVI) ou contestá-la, através do absurdo, da aparente falta de sentido, do exagero de características (como o urinol de Duchamps).

E que tipos de texto literário existem? Vamos lá. Os três primeiros a serem identificados foram o lírico, o épico e o dramático. Eles existem desde a Grécia Antiga e, embora não sejam criação exclusivamente grega, foi lá que se identificou primeiro a sua existência e as suas características marcantes.

O texto lírico é o primeiro que pensamos como "poesia", embora ele não esteja necessariamente preso à forma em verso. Qualquer um dos gêneros pode se expressar em verso e prosa. Mas essa relação entre verso e lirismo é realmente muito grande. Isso porque o nascimento do gênero lírico se deu diretamente na relação entre palavra e som. Entre literatura e música. Se vocês prestarem atenção, lírico, lirismo, vem de lira, que é um instrumento de cordas, parecido com uma harpa.

E porque pensamos logo em lirismo como poesia, às vezes confundimos um pouco alguns conceitos. O texto lírico é aquele em que se expressam as emoções e pontos de vista de um "eu" que fala nesse texto, o tal do "eu-lírico". E como a forma mais freqüente de expressão desse gênero é o verso, sempre que pensamos em "poema", "poesia" e "poeta" pensamos em expressão de emoções. E nem sempre é assim. Na forma de poema também já se expressaram os gêneros épico e dramático. E poeta é todo aquele escritor que usa a forma em versos para construir um texto literário (aquele em que predomina a função poética da linguagem). Portanto, nem todo poema tem a ver com expressão de emoções (função emotiva/expressiva). Isso é coisa da poesia lírica.

Como é o texto lírico, então? É um texto em prosa ou verso cujo objetivo é expressar as emoções e pontos de vista do eu. Sendo um texto literário, nele é predominante a função poética da linguagem. Expressando as emoções, ele tem também a função expressiva/emotiva combinada à poética.

E os outros gêneros? Calma que vamos a eles...

O gênero dramático é muito fácil de reconhecer só de olhar para ele. Isso porque ele é o único que se pauta quase que apenas no diálogo dos personagens, com pequenas intervenções destacadas no texto entre parênteses ou em itálico. Essas intervenções são as rubricas e são elas que fazem as indicações de uma série de informações sobre o que o autor imaginou para o seu texto: a emoção que os personagens expressam, suas ações, seu figurino, a iluminação, os sons, o cenário em que ocorre a ação. Essas informações, em um texto narrativo comum seriam dadas pelo narrador. Mas o texto dramático dispensa essa figura. No texto dramático, como ele é concebido para ser plenamente executado, não há uma figura narradora que nos conta o que acontece: a ação acontece diante dos nossos olhos, através de uma encenação, uma representação por uma equipe de atores, diretores, figurinistas, maquiadores, iluministas, cenógrafos, técnicos de som...

O gênero dramático foi o único que teve seu caráter subdividido na Grécia Antiga. Tanto Platão como Aristóteles, os filósofos que se preocuparam com essas questões relativas a "o que é a literatura?" e "como é um texto literário?" identificaram dois tipos de texto dramático: a comédia e a tragédia.

A diferença entre esses tipos de texto dramático se dá apenas no conteúdo e no tipo de personagens que eles envolvem. Na tragédia grega, o acontecimento é funesto, trágico (no sentido de triste e grandioso). Tragédia grega é Cassandra prever todo o futuro, inclusive a própria morte e não poder fazer nada, absolutamente nada para mudá-lo, nem para deixar de ter as visões terríveis que sabe que não poderá impedir que se concretizem. Tragédia grega é Édipo se descobrir assassino do próprio pai, marido incestuoso da própria mãe e culpado pela peste que assola a cidade de Tebas e pune milhares de pessoas por causa de sua desgraça. O personagem da tragédia grega, o herói, entretanto, é um exemplo de ser humano, um homem superior aos outros homens. Não só porque esse homem é um nobre (ou um deus, ou um semi-deus), mas principalmente porque esse homem ele faz aquilo que é certo, a despeito da dor que isso possa lhe causar, apesar de sua desgraça pessoal se originar justamente desse "fazer a coisa certa". Édipo, fosse um herói comum, ficaria calado sobre sua real identidade e deixaria a peste assolar Tebas. Mas Édipo, herói grandioso, aceita seu destino e faz a coisa certa: pune-se com o exílio permanente, não só de Tebas, mas do próprio mundo: furando os próprios olhos, Édipo passa a ser um cego solitário e errante, que não consegue mais ter o contato pleno com aquilo que está à sua volta.

E a comédia? É o contrário, a antítese. Se o personagem da tragédia é superior e o acontecimento é funesto, o da comédia é o homem inferior e o acontecimento, claro, cômico, passível do riso. E essa história de homem inferior, nós vimos, não agradava Platão, que achava a comédia nociva à República, por exortar os homens a serem piores do que são. Afinal, para Platão, o homem, pelo seu comportamento de mímese, vai imitar tudo o que vê, e, vendo o homem inferior, em seus muitos estereótipos (o marido traído, a mulher adúltera, o velho sovina, a velha fofoqueira, o soldado covarde, o amante tímido, o valentão burro e quantos outros que existem!) vai se comportar tal qual ele o faz.

E o tal do gênero épico. Esse não tem uma estrutra visivelmente definidora como o dramático, mas destaca-se por algo que falta (por não ser necessário) neste último: a figura do narrador. O gênero épico é um gênero narrativo, ou seja, que vai contar, por meio dessa figura do narrador, fatos que envolvem personagens e se sucedem num espaço de tempo. O que faz do épico épico e não narrativo, apenas, é o caráter desses fatos que ele relata. Um texto épico narra, sempre, eventos grandiosos, como grandes batalhas, envolvendo grandes heróis, maiores ainda do que os heróis da tragédia. Isso porque herói que se preze ganha a batalha, não é? E isso faz com que, para Platão, o gênero épico seja mais valoroso ainda do que a tragédia. Se na tragédia o herói simplesmente faz o que é certo (e é punido em seu fim trágico por isso), no épico o herói sai vencedor, recebe a honra e a glória, imortalizado, agora, em sua vitória, pelo registro histórico que a literatura faz de seus feitos.

Esses são os três gêneros clássicos, porque identificados pela Era Clássica da Antigüidade Latina. Há ainda dois outros; um considerado moderno e o outro simplesmente ignorado na Antigüidade e continuamente ignorado pelos manuais de teoria da literatura por conseqüência: o moderno e o satírico, respectivamente.

O gênero narrativo é, em tese, um derivado do épico. Afinal, os dois contam histórias através de narradores. A diferença essencial é apenas de conteúdo: no épico, necessariamente existem as batalhas grandiosas e seu herói vencedor grandioso; no narrativo, os fatos podem envolver qualquer tipo de conflito mais comum à vida das pessoas. No gênero narrativo de uma partida de futebol a uma história de amor; de uma festa de família até a criação de uma fórmula química para o bem da humanidade, mas que acaba tendo efeitos colaterais terríveis, tudo é conteúdo do texto narrativo.

Porque esse gênero não foi observado por Platão e Aristóteles? Por que ele não era comum naquela época, nem fazia parte da tradição de textos que sobreviveram ao tempo, registrados por escrito, provavelmente. O fato é que ele só ganhou destaque quando a burguesia assumiu o poder político, econômico e artístico, produzindo e consumindo literatura. Aí, no fim do século XVIII e início do século XIX o gênero narrativo ganhou muita força, principalmente sob a forma de romance. Ganhou tanta força que a produção épica se tornou muito, muito rara.

E o gênero satírico? Se Platão não gostava da comédia, imagina da sátira, esse tipo de texo em verso feito apenas para ridicularizar alguém. Possivelmente Platão nem achava que isso fosse literatura, texto artístico. E Aristóteles, bem... Sem o livro da Comédia de sua Poética, fica difícil saber se ele ignorou mesmo a sátira.
O gênero satírico compreende os textos que se voltam para a ridicularização de pessoas e comportamentos sociais. Ele se manifestou, na Idade Média, através das cantigas de escárnio e de mal-dizer, as quais, de forma mais ou menos agressiva, se dirigiam contra os tipos viciosos (aqueles que fazem parte da comédia) e denunciavam o comportamento reprovável por eles mantido.

A sátira é um tipo de texto extremamente popular, porque continuamente explorado pelo povo para manifestar sua insatisfação política e social. No Brasil colônia ela é de extrema importância para que conheçamos os hábitos de nossa sociedade e as incoerências dela, principalmente daqueles membros do poder: padres, políticos, senhores de terras.

Esse gênero é aquele que vai, portanto, demonstrar como se deu a construção de nossa identidade nacional nos séculos XVII e XVIII, e foi explorado pelos poetas Gregório de Matos e Tomás Antônio Gonzaga. Cada um, em seu tempo, usou com estilo pessoal próprio o texto satírico para criticar a realidade de seu tempo. Gregório voltou-se contra a Bahia como um todo (das moças falsamente virtuosas aos juízes e padres) e o governador Antônio de Souza Meneses, em sonetos de versos decassílabo ou redondilhas de cunho medieval às vezes ambíguos e irônicos, outras vezes sarcásticos, cheios de palavrões. Gonzaga, inconfidente, revoltado com a derrama em Vila Rica e em Minas, foi mais cauteloso. Ele preferiu disfarçar sua produção em cartas vindas do Chile (daí ser conhecida como Cartas Chilenas), de Doroteu a Critilo para criticar Fanfarrão Minésio, em versos decassílabos (fica aqui o mea culpa, a minha retratação, viu gente? Quem não entender eu explico depois) e brancos a corrupção do governo da época (e só do governo).

É isso. Boa prova a todos amanhã e perdoem o adiantado da hora. Mas o texto que eu comecei a escrever às 8 da manhã de hoje só tive condições (computador conectado à Internet) para escrever agora. Coisas da vida.

Beijos!