Estes dois estilos, que não se excluem, enfatizam elementos diferentes do texto. O conceptismo, assim como o nome lembra (concepção = idéia, conceito), enfatiza o plano das idéias do texto, e procura ressaltá-las, evidenciando-as e as tornando o mais claras possível. O cultismo, por sua vez, é o culto da forma do texto e procura enfatizar a expressividade deste através do uso (e abuso) das figuras de linguagem.
Explicando mais um pouquinho o mesmo ponto: o cultismo valoriza a forma e a imagem construída no texto através de jogos de palavras (uso de metáforas, metonímias, hipérboles - exageros - antíteses, paradoxos e comparações). Este jogo de palavras brinca com os sentidos que são construídos ao longo do texto. Observe um exemplo num poema de Gregório de Matos:
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
Observe que o texto de Gregório consegue transmitir ao seu leitor muito da angústia do eu lírico através da confusão dos sentidos das palavras, do não entendimento, do questionamento do mundo. O nascer e o questionamento desta ação, a constância que se revela inconstante, e a firmeza que tem como característica ser inconstante (e por isso não ser firme) revelam uma dificuldade em entender e aceitar o mundo real como ele é. E, como você deve lembrar, estas características opostas num mesmo ser são formalizadas pelo uso do paradoxo.
O conceptismo, por sua vez, valoriza o conteúdo do texto num intuito persuasivo, através de jogos de idéias os quais seguem um raciocínio lógicoque se propõe evidente. É freqüente o uso de comparações explícitas, analogias e até parábola (uso de símbolos e seres inanimados para se contar uma estória de forma a melhor captar o entendimento do leitor). Observe um exemplo de texto conceptista num trecho de um sermão do Pe. Antonio Vieira, conhecido como Sermão de Santo Antônio.
Quis Cristo que o preço da sepultura dos peregrinos fosse o esmalte das armas dos portugueses, para que entendêssemos que o brasão de nascer portugueses era a obrigação de morrer peregrinos: com as armas nos obrigou Cristo a peregrinar, e com a sepultura nos empenhou a morrer. Mas se nos deu o brasão que nos havia de levar da pátria, também nos deu a terra que nos havia de cobrir fora dela. Nascer pequeno e morrer grande é chegar a ser homem. Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento e tantas para a sepultura. Para nascer, pouca terra; para morrer, toda a terra; para nascer, Portugal; para morrer, o mundo.
Observe que neste texto, Vieira procura justificar o expansionismo português com as Grandes Navegações e consolar os exilados no Brasil das saudades de sua terra Natal. Ser peregrino é a missão que Deus, segundo ele, deu aos portugueses. Para comprovar esta afirmação, Vieira usa dois argumentos: Deus deu pouca terra aos portugueses para nascerem, numa alusão à pequena extensão do país, mas deu muitas terras onde morrerem, numa referência às várias colônias de Portugal em três continentes (América, África e Ásia). Portanto, como dádivas divinas, as colônias para onde migram os portugueses devem ser recebidas/habitadas com alegria. A intenção de Vieira é fazer com que os colonos encarem a vida longe de Portugal com a alegria estóica* dos cristãos que suportam todos os fardos para expiar os pecados e alcançar a salvação.
Na Espanha, estes estilos foram também conhecidos como Quevedismo (conceptismo) e Gongorismo (cultismo). Para facilitar a associação, lembre-se que o nosso Gregório de Matos era cultista. Observe que os "gês" que se repetem no nome: é um bom recurso de memorização.
* Estóica = Que tem a qualidade do estoicismo, corrente filosófica grega que considera que cada ser ocupa um lugar predestinado na organização do mundo. O sofrimento, para os estóicos, só acontece quando nos recusamos a seguir os destinos que nos foram traçados. Se alguém sofre é porque trilha (ou tenta trilhar) um caminho contrário ao seu destino.